segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O que eu desejo

Em 2008, o Salvador na sola do pé encerrou o ano com uma série de manchetes veiculadas à época pelos meios de comunicação como uma maneira de refletir sobre os votos de felicidades comuns nesse período de virada de um ano para o outro. As manchetes não eram nada animadoras. A situação política, econômica e social no final do ano passado era bastante difícil. E hoje? Mudou? Creio que não. Dificuldades sempre existiram e continuarão a existir nesse ano e nos próximos que virão. Entretanto, não é sobre as dificuldades do mundo e da vida que desejo discorrer. Nesse final de ano me apropriei das palavras do poeta William Vicente Borges a fim de dizer o que eu desejo para 2010: “Que na sua vida... / Tudo tenha a beleza das flores, / Que não falte a luz do luar, / Que os amigos sejam todos sinceros, / Que o mar nunca se agite, mas se agitar / que o barco nunca afunde. / Que os beija-flores visitem / todos os dias o seu jardim, / Que os passarinhos cantem em sua janela, / Que os sorrisos se multipliquem / em sua face. / Que a inspiração renasça / a cada manhã. / Que teus sonhos sejam realizados, / Que seus dias de semana, sejam como o domingo. / Que o mal não chegue a porta da casa. / Que a tua dispensa esteja sempre abarrotada. / Que teus olhos só contemplem bondade, / Que cada passo teu seja iluminado por Deus. / Que todas as manhãs te recebam com um sorriso. É O QUE EU DESEJO”.

E para terminar o ano em grande estilo, um Poema Falado sobre o amor, Soneto CXVI, escrito por William Shakespeare. Como dizia um dos inúmeros grafites do Maio de 1968 francês: Faça amor, não faça guerra! Que 2010 traga muito amor e que todos tenham muito amor para dar e receber (por Sílvio Benevides).


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Imagem: William Bouguereau – Le Ravissement de Psyche (1895).

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O presente dos magos

Um dólar e oitenta e sete centavos. Era tudo. E sessenta centavos eram em moedas. Moedas economizadas uma a uma, pechinchando com o dono do armazém, o dono da quitanda, o açougueiro, até o rosto arder à muda acusação de parcimônia que tais pechinchas implicavam. Três vezes Della contou o dinheiro. Um dólar e oitenta e sete centavos. E no dia seguinte seria Natal.

Não havia evidentemente mais nada a fazer senão atirar-se ao pequeno sofá puído e chorar. Foi o que Della fez. O que leva à reflexão moral de que a vida é feita de soluços, fungadelas e sorrisos, com predomínio das fungadelas.

Enquanto a dona da casa gradualmente passa do primeiro ao segundo estágio, vamos dar uma espiada na casa. Um apartamento mobiliado, a oito dólares por semana. Não era exatamente miserável, mas tinha essa palavra pronta para o grupo de mendicância.

No vestíbulo embaixo havia uma caixa de correspondência na qual carta nenhuma seria posta, e um botão de campainha que nenhum dedo mortal jamais apertaria. Encontrava-se ali também um cartão anunciando o nome do “Sr. James Dillingham Young”.

O “Dillingham” fora acrescentado durante um anterior período de prosperidade, quando seu possuidor estava ganhando trinta dólares por semana. Agora, que a receita baixara para vinte dólares, as letras de “Dillingham” pareciam nubladas, como se estivessem pensando seriamente em abreviar para um modesto e despretensioso D. Mas sempre que o Sr. James Dillingham Young voltava para casa e chegava ao seu apartamento lá em cima, era chamado de “Jim” e carinhosamente abraçado pela Srª. James Dillingham Young, já apresentada ao leitor como Della. O que está muito bem.

Della terminou de chorar e cuidou do rosto com a esponja de pó. Postou-se junto à janela e ficou a contemplar melancolicamente um gato cinzento caminhando sobre uma cerca cinzenta num quintal cinzento. Amanhã seria Dia de Natal e ela tinha apenas um dólar e oitenta e sete centavos para comprar o presente de Jim. Estivera a economizar tostão por tostão havia meses, e esse era o resultado. Vinte dólares por semana não dão para nada. As despesas tinham sido maiores do que calculara. Sempre são. Apenas um dólar e oitenta e sete centavos para comprar o presente de Jim. O seu Jim. Muitas horas felizes passara ela planejando comprar-lhe alguma coisa bonita. Alguma coisa fina, rara, legítima – algo que estivesse bem perto de merecer a honra de ser possuída por Jim.

Havia um espelho de tremó entre as janelas da sala. Talvez o leitor já tenha visto um espelho de tremó num apartamento de oito dólares. Uma pessoa muito esguia e muito ágil pode, ao observar seu reflexo numa rápida seqüência de tiras longitudinais, obter uma concepção bastante acurada de sua aparência. Della, por ser esguia, lograra aperfeiçoar-se nessa arte.

Subitamente, afastou-se da janela e postou-se diante do espelho. Seus olhos estavam brilhantes, mas sua face perdeu a cor ao cabo de vinte segundos. Num gesto rápido, soltou o cabelo e deixou desdobrar-se em toda a sua extensão.

Ora, os James Dillingham Youngs tinham dois haveres de que muito se orgulhavam. Um era o relógio de ouro de Jim, que pertencera a seu pai e a seu avô. O outro era o cabelo de Della. Morara a Rainha de Sabá no apartamento do outro lado do poço de ventilação, e Della teria algum dia deixado o seu cabelo cair fora da janela para secá-lo e depreciar assim as jóias e as riquezas de Sua Majestade. Fora o Rei Salomão o zelador, com todos os seus tesouros empilhados no porão, e Jim teria puxado o relógio cada vez que por ele passasse, só para vê-lo arrancar as barbas de inveja.

O cabelo de Della, pois, caiu-lhe pelas costas, ondulando e brilhando como uma cascata de águas castanhas. Chegava-lhe abaixo do joelho e quase lhe servia de manto. Ela então o prendeu de novo, célere e nervosamente. A certo momento, deteve-se e permaneceu imóvel, enquanto uma ou duas lágrimas caíam sobre o puído tapete vermelho.

Vestiu o velho casaco marrom; pôs o velho chapéu marrom. Com um ruge-ruge de saias e com a centelha brilhante ainda nos olhos, correu para a porta e desceu rapidamente a escada que levava à rua.

Parou onde havia um letreiro anunciando: “Mme. Sofronie, Artigos de Toda Espécie para Cabelos”. Della subiu a correr um lance de escada e se deteve no alto, arquejante, para recompor-se. Madame, corpulenta, alva demais, fria, dificilmente faria jus ao nome de “Sofronie”.

- Quer comprar meu cabelo? - perguntou Della.

- Eu compro cabelo - disse Madame. - Tire o chapéu e vamos dar uma olhada no seu.

Despenhou-se, ondulante, a cascata de águas castanhas.

- Vinte dólares – ofereceu Madame, erguendo a massa com mão prática.

- Dê-me o dinheiro depressa – pediu Della.

Oh, as duas horas seguintes voaram com asas róseas. Perdoe-se a metáfora gasta. Della se pôs a vasculhar as lojas à procura de um presente para Jim.

Encontrou-o por fim. Fora certamente feito para ele e para ninguém mais. Nada havia que se lhe parecesse nas outras lojas, e ela as revirara de alto a baixo. Era uma corrente de platina, curta, simples e de modelo discreto, proclamando adequadamente seu valor por sua mesma substância e não por qualquer ornamentação espúria – como o devem fazer todas as coisas boas. Era digna até do Relógio. Tão logo a viu, soube que tinha de ser de Jim. Era como ele. Serenidade e valor – a descrição se aplicava a ambos. Vinte e um dólares cobraram-lhe por ela, e Della correu para casa com os oitenta e sete centavos. Com aquela corrente no relógio, Jim poderia preocupar-se decentemente com o tempo na frente de qualquer pessoa. Grande como era o relógio, ele às vezes o consultava meio envergonhado devido à velha tira de couro que usava em lugar de corrente.

Quando Della chegou a casa, seu embevecimento cedeu lugar a um pouco de prudência e razão. Pegou os ferros de frisar, acendeu o gás e pôs-se a reparar os estragos causados pela generosidade acrescida ao amor. O que sempre é uma tarefa muito árdua, queridos amigos – uma tarefa gigantesca.

Ao cabo de quarenta minutos, sua cabeça estava coberta de pequenos caracóis cerrados, que a faziam parecer, admiravelmente, um menino vadio. Contemplou sua imagem no
espelho durante longo tempo, crítica e cuidadosamente.

- Se Jim não me matar – disse consigo mesma – antes de olhar-me pela segunda vez, dirá que pareço uma corista de Coney Island. Mas que podia eu fazer... oh, que podia eu fazer com um dólar e oitenta e sete centavos? Às sete horas, o café estava preparado e uma frigideira quente no fogão esperava o momento de fritar as costeletas.

Jim nunca se atrasava. Della dobrou a corrente no côncavo da mão e sentou-se a um canto da mesa, perto da porta pela qual ele sempre entrava. Ouviu então seus passos no primeiro lance da escada e empalideceu por um instante. Ela tinha o hábito de rezar pequenas preces silenciosas a propósito das mínimas coisas diárias, e agora murmurava:

- Oh, Deus, fazei-o, por favor, achar-me ainda bonita!

A porta se abriu, Jim entrou e a fechou. Parecia magro e muito sério. Pobre sujeito, apenas vinte e dois anos e já responsável por uma família! Precisava de um sobretudo novo e não tinha luvas.

Jim avançou alguns passos, tão rígido quanto um perdigueiro na pista de uma codorniz. Seus olhos estavam fitos em Della e havia neles uma expressão que ela não conseguia ler e que a aterrorizava. Não era raiva, nem surpresa, nem desaprovação, nem horror; não era nenhum dos sentimentos para os quais ela estava preparada. Ele simplesmente a fitava com aquela peculiar expressão na face.

Della esgueirou-se para fora da mesa e se encaminhou para ele.

- Jim, querido – gritou –, não me olhe desse jeito! Mandei cortar o cabelo e o vendi porque não poderia passar o Natal sem dar um presente a você. Ele crescerá de novo...não se aborreça, por favor. Eu tinha de fazer isso. Meu cabelo cresce terrivelmente depressa. Diga “Feliz Natal!”, Jim, e fiquemos felizes. Você não sabe que coisa bonita, que belo presente tenho para você.

- Mandou cortar o cabelo? – perguntou Jim a custo, como se não tivesse ainda compenetrado desse fato patente após o mais árduo esforço mental.

- Cortei-o e vendi-o – disse Della. - Você não continua a gostar de mim do mesmo jeito, então? Estou sem cabelo, não estou?

Jim olhou à volta do aposento de modo curioso.

- Você diz que seu cabelo se foi? – insistiu, com um ar de quase idiotia.

- Não precisa procurar por ele – disse Della. - Foi vendido, como lhe disse...vendido, não está mais aqui. É Véspera de Natal, querido. Seja bonzinho comigo, fiz isso por sua causa. Talvez fosse possível contar os cabelos da minha cabeça – continuou ela, com súbita e grave doçura – mas ninguém poderá jamais avaliar o meu amor por você. Posso fritar as costeletas, Jim?

Emergindo do seu transe, Jim pareceu despertar rapidamente. Abraçou a sua Della. Por dez segundos, contemplemos, com discreta atenção, qualquer objeto inconseqüente, noutra direção. Oito dólares por semana ou um milhão por ano – qual a diferença? Um matemático ou uma pessoa arguta daria a resposta errônea. Os magos trouxeram presentes valiosos, mas isso não estava entre eles. Esta asserção obscura será esclarecida mais tarde.

Jim tirou um pacote do bolso do sobretudo e atirou-o sobre a mesa.

- Não me interprete mal, Della – disse. - Não acho que haja alguma coisa, corte de cabelo, raspagem ou xampu, capaz de fazer-me gostar menos da minha mulherinha. Mas se você abrir esse pacote, poderá ver por que fiquei abafado no princípio.

Alvos dedos ligeiros desfizeram o atilho e o embrulho. Ouviu-se então um grito estático de alegria, e depois, ai!, uma súbita mudança feminina para as lágrimas e os gemidos, que exigiram o imediato emprego de todos os poderes de consolação do senhor do apartamento.

Pois sobre a mesa jaziam Os Pentes – o jogo de pentes para cabelos que Della adorara havia muito numa vitrine da Broadway. Belos pentes, de tartaruga legítima, orlados de pedraria – da cor exata para combinar com o lindo cabelo desvanecido. Eram pentes caros, ela o sabia, e seu coração se limitara a desejá-los e a suspirar por eles sem a menor esperança de vir um dia a possuí-los. E agora pertenciam-lhe, mas as tranças que os anelados enfeites deveriam adornar não mais existiam.

Ela, porém, os apertou contra o peito e, por fim, pôde erguer os olhos nublados, sorrir e dizer:

- Meu cabelo cresce tão depressa, Jim!

E então Della pulou como um gatinho chamuscado e gritou:

- Oh! oh!

Jim ainda não vira o seu belo presente. Ela lho estendeu ansiosamente na palma da mão aberta. O fosco metal precioso parecia brilhar com o reflexo do seu jubiloso e ardente espírito.

- Não é uma beleza, Jim? Vasculhei a cidade toda para achá-lo. Doravante, você terá de ver as horas uma centena de vezes por dia. Dê-me o seu relógio. Quero ver como fica nele.

Em lugar de obedecer, Jim deixou-se cair no sofá, pôs as mãos atrás da cabeça, e sorriu:

- Della – disse – vamos pôr os nossos presentes de Natal de lado e deixá-los por algum tempo. São lindos demais para poderem ser usados agora. Vendi o relógio para conseguir o dinheiro com que comprei os seus pentes. Que tal se você fritasse as costeletas agora?

Os magos, como sabem, eram homens sábios – homens maravilhosamente sábios – que trouxeram presentes para a Criança na manjedoura. Inventaram a arte de dar presentes natalinos. Sendo eles sábios, seus presentes eram sem dúvida igualmente sábios. Possivelmente admitiam o privilégio de troca em caso de duplicação. E aqui lhes contei canhestramente a desimportante crônica de duas crianças tolas, num apartamento, as quais da maneira a mais insensata, sacrificaram, uma pela outra, os maiores tesouros de seu lar. Mas como derradeira palavra para os sensatos dos dias que correm, seja dito que, de todos que dão presentes, os dois foram os mais sábios. Todos que dêem e recebam presentes como os deles são os mais sábios. Em toda parte, os mais sábios. São os magos (por O.Henry).

O.Henrypseudônimo de William Sidney Porter, nascido em 11 de setembro de 1862, na cidade de Greensboro, Carolina do Norte (EUA). Filho de Algernon Sidney Porter, médico, e Mary Jane Virginia Swaim Porter. Em 1884, Porter mudou-se para Austin. Por três anos, morou em um quarto na casa de Joseph Harrell. Nesse período trabalhou como desenhista, farmacêutico, gerente de banco e jornalista, tendo adotado pela primeira vez o pseudônimo de O. Henry que algumas fontes afirmam derivar da maneira como o gato da família Porter costumava ser chamado, “Oh, Henry”. Em 1887, casou-se com Athol Estes Roach, com quem teve um casal de filhos. Em 1894, William Porter foi acusado de ser o autor de um desfalque ocorrido no First National Bank de Austin, onde havia trabalhado. Fugiu para New Orleans e, em seguida, para Honduras, onde viveu por dois anos. Por conta do grave estado de saúde da esposa, retornou para Austin. Embora até hoje haja dúvidas sobre o seu grau de culpabilidade no desfalque do banco, em 1897 foi preso e condenado a cinco anos de prisão. Em 1901, porém, foi libertado por bom comportamento. A prisão marcou profundamente sua vida, quer pela misericórdia e compreensão em relação aos desventurados, criminosos e sofredores de todo o tipo, manifestada em toda a sua obra; quer pelos problemas com alcoolismo e pela reclusão sob a qual viveu até o fim dos seus dias. Morreu pobre, de cirrose, num hospital de Nova York, a 5 de junho de 1910.
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Imagens: Vitor Nogueira (Reis Magos); O.Henry, autoria desonhecida.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Nöel dans Québec

Québec. Une ville fabuleuse d’un pays fantastique, habitant pour un peuple magnifique. Je visité Québec et Le Québec pendant l’été de 2008, quand la ville a fait 400 ans. Je ne connais pas le Nöel de Québec, mais je pense que lá, le Nöel est une fête interessant parce que les québécois sont trés sympathique, généreux et hospitalier, comme le peuple de Salvador. De plus, Québec est une ville trés belle, comme est possible voir en le film à bas. D’accord une amie québécoise, la ville de Québec est la place le plus joli en Amérique du Nord dans l'hiver. Será ? Peut-être. Joyeux Nöel pour tout monde! (pour Sílvio Benevides)


Image: La ville de Québec pour Sílvio Benevides.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Rei Menino

No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no princípio com Deus, tudo começou a existir por meio dele, e sem Ele, nada foi criado. Nele estava a Vida e a Vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a admitiram. Surgiu um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de todos crerem por Seu intermédio. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. O Verbo era a luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem ilumina. Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, mas o mundo não O conheceu. Veio ao que era Seu e os Seus não O receberam, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. E o Verbo fez-se homem e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade. João dá testemunho dele e exclama nestes termos: “Este é Aquele de quem eu disse: o que vem depois de mim passou à minha frente porque existia antes de mim”. E a Sua plenitude é que todos nós recebemos, graça sobre graça. Porque, se a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu Deus: o Filho único, que está no seio do Pai é que O deu a conhecer (Jo, 1:1-18).

O Natal significa para os cristãos do mundo inteiro a celebração pelo nascimento de Cristo, a celebração pela encarnação do Verbo. Verbo que instituiu o amor, o cuidado e o respeito ao próximo como o principal e mais importante dos seus mandamentos. Esse é o sentido do Natal para os cristãos. Ao menos deveria ser. Infelizmente, esse sentido está se perdendo e a principal personagem desta festa está, ano a ano, perdendo espaço para uma outra, que não deveria passar de um mero figurante, o Papai Noel. O consumismo desenfreado de nossos tempos elevou Papai Noel à categoria de estrela maior do Natal. Quanto a Jesus e seu legado, este se perde pouco a pouco. Para tentar resgatar o real sentido dos festejos natalinos, o Poema Falado deste mês (excepcionalmente postado no domingo que antecede o Natal) traz um texto do Carlos Drummond de Andrade, Rei Menino, que diz: “O estandarte do Rei não é de púrpura e brocado, é um lírio flutuante sobre o caos, onde ambições se digladiam e ódios se estraçalham. O Rei vem cumprir o anúncio de Isaías: vem para evangelizar os brutos, consolar os que choram, exaltar os cobertos de cinza, desentranhar o sentido exato da paz, magnificar a justiça. Entre Belém e Judá e Wall Street, no torvelinho de negações e equívocos, a vergasta de luz deixa atônitos os fariseus. Cegos distinguem o sinal, surdos captam a melodia de anjos-cantadores, mudos descobrem o movimento da palavra. O Rei sem manto e sem jóias, nu como folha de erva, distribui riquezas não tituladas. Oferece a transparência da alma liberta de cuidados vis. As coisas já não são as antigas coisas de perecível beleza e o homem não é mais cativo de sua sombra. A limitação dos seres foi vencida Por uma alegria não censurada, graça de reinventar a Terra, antes castigo e exílio, hoje flecha em direção infinita. O Rei, criança, permanecerá criança mesmo sob vestes trágicas porque assim o vimos e queremos, assim nos curvamos diante do seu berço tecido de palha, vento e ar. Seu sangrento destino prefixado não dilui a luminosidade desta cena. O menino, apenas um menino, acima das filosofias, da cibernética e dos dólares, sustenta o peso do mundo na palma ingênua das mãos”. Boa leitura e um ótimo Natal! (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Natividade (1597), obra de Federico Barocci.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Joana em mim

Em que consiste a solidão? Seria ela lava que tudo cobre, conforme escreveu o Paulinho da Viola, ou seria a situação dos sábios cuja autonomia os leva a isolar-se em busca da perfeição? Ou seria, ainda, um fato patológico característico de diversas formas de loucura? Difícil responder. Talvez a solidão seja mesmo um tipo de loucura comum àqueles que têm as vidas norteadas pelas vozes da paixão. Assim percebo a trajetória de vida da heroína e santa francesa Joana d’Arc, magnificamente encenada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves (TCA).

Vivida no palco por Jussilene Santana (melhor a cada trabalho que realiza), que já emprestou sua voz a outra heroína com características semelhantes (Maria Quitéria), Joana d’Arc foi uma figura emblemática da chamada Guerra dos Cem Anos, uma série de conflitos armados ocorridos ao longo dos séculos XIV e XV entre a França e a Inglaterra e os seus respectivos aliados. Filha de camponeses, iletrada e com um insuficiente conhecimento militar, Joana, orientada pelas vozes divinas de São Miguel Arcanjo, Santa Catarina e Santa Margarida, esteve à frente de importantes vitórias empreendidas pelas tropas francesas no ano de 1429, sendo a principal delas a Batalha de Orleáns, cujo desfecho favorável aos franceses modificou os rumos do conflito.

Em nome da sua paixão por Deus e por seus ideais de liberdade, Joana d’Arc transgrediu valores sobre os quais se apoiava a sociedade patriarcal da sua época. Como mulher, jamais poderia combater e muito menos comandar milhares de homens nos campos de batalha, ainda por cima vestida de homem e alegando seguir as orientações de vozes divinas, que, ao invés de se comunicarem com autoridades abalizadas, preferiram conversar com uma campesina humilde e iletrada. Meteu-se em assuntos restritos ao universo dos machos adultos e pagou um preço alto por não saber ou, talvez, recusar-se a ocupar o seu lugar. Ao ser capturada e, posteriormente, vendida aos ingleses, Joana conheceu a solidão que normalmente experimentam aqueles que ousam transgredir em nome daquilo em que crêem. Confinada nas masmorras de Ruão, até mesmo as divinas vozes que a acompanharam desde os seus 13 anos silenciaram. Tem início, então, um dos momentos mais tocantes do espetáculo. Joana brada sua dor, alegando suportar qualquer coisa, exceto aquele silêncio atordoante, aquela solidão sufocante, solidão esta estranhamente familiar, pois se trata da solidão humana perante seu destino inevitável.

Os sinos negros repicam nas praias do Atlântico Norte: de certo na vida temos apenas a morte”. Assim falava o silêncio para Joana. Morrer é como cartão de crédito. Trata-se de uma experiência pessoal e intransferível, portanto, individual e totalmente solitária. Joana sabia que ia morrer. Ninguém a reclamou, ninguém tentou resgatá-la. Ela fora abandonada por todos, até mesmo pelas vozes. Sua morte social já havia iniciado. A morte física era apenas uma questão de tempo, pouco tempo. “Muitas pessoas morrem gradualmente [...] Isso é o mais difícil – o isolamento tácito dos velhos e [também] dos moribundos da comunidade dos vivos, o gradual esfriamento de suas relações com pessoas a que eram afeiçoados, a separação em relação aos seres humanos em geral, tudo que lhes dava sentido e segurança” (Norbert Elias, In: A solidão dos moribundos). Por isso o brado da Joana encarcerada ecoou feito um trovão pela Sala do Coro, despertando a Joana em mim, que também bradou e chorou.

Reconhecer em mim uma Joana que eu sequer imaginei existir é um mérito do texto escrito pela Cleise Furtado Mendes. Joana d’Arc possui uma característica comum aos textos produzidos pelos grandes poetas. Ele dialoga diretamente com nossa alma como se parte dela fizesse desde sempre. Só mesmo grandes escritores são capazes disso. Como se não bastasse um texto poderoso, a direção e a iluminação não menos poderosas da Elisa Mendes, os belos cenário e figurinos do Zuarte Júnior e, claro, as interpretações brilhantes e marcantes de Jussilene Santana (Joana d’Arc), Antônio Fábio (La Hire), Caio Rodrigo (Duque d’Alençon e Guarda), Carlos Betão (Promotor), Hamilton Lima, estupendo como o Conselheiro do Rei e o Bispo, Jefferson Oliveira (Jovem Soldado, Guarda e São Miguel Arcanjo, cujo vôo com a Joana d'Arc nos braços é outro momeno emocionante do espetáculo) e Widoto Áquila (Warwick), fazem da montagem Joana d’Arc uma experiência que, sem dúvida, vale a pena ser vivenciada. Imperdível! (por Sílvio Benevides)
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Imagem: Cartaz do espetáculo Joana d'Arc, projeto gráfico Carlos Vilmar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Mercado Cultural pede ...Passagem...

O mundo é pequeno pra caramba, tem alemão, italiano, italiana. O mundo filé milanesa, tem coreano, japonês, japonesa. O mundo é uma salada russa, tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia. O mundo é uma esfiha de carne, tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire”. Essa música do André Azambuja pode muito bem definir o espírito do Mercado Cultural, um evento que a cada ano nos surpreende ao trazer para a cidade artistas magníficos dos mais diferentes lugares do planeta, que, com suas performances admiráveis, transformam Salvador em uma grande salada multicultural de sabor ímpar.

Não há dúvida de que o Mercado Cultural é o maior e melhor evento de difusão da cultura dos povos da Bahia, do Brasil e de tantos outros espalhados pelo imenso palneta Terra. É um espaço, de fato, onde as misturas ocorrem. Não uma mistura superficial e enganosa, uma misturaê, promovida por quem nada entende de cultura para tantos outros cuja bagagem nada tem, além de ressaca. No Mercado Cultural é diferente, pois suas misturas nos fazem viajar além das nossas fronteiras por meio de apresentações espetaculares nos palcos das cidades por onde passa, debates, conferências e workshops com artistas locais e de outros locais daqui e do resto do mundo. Por tudo isso as misturas promovidas pelo Mercado Cultural se perpetuam muito além das nossas lembranças.

Na sua IX edição o Mercado Cultural trouxe para Salvador uma diversidade inesquecível de sons e ritmos. A viagem teve início na noite do dia 03/12 com a apresentação do Boi de Dona Laurinha (Dário Meira-BA) e do Terno dos Ferreira (Boa Nova-BA). Os grupos, formados por pessoas de diferentes gerações, proporcionaram aos espectadores uma viagem pelas tradições natalinas do nosso povo, que há muito reverencia o nascimento de Jesus, a encarnação do Verbo, com muita música, dança e alegria. Festa para encher os olhos e relembrar os tempos da infância. A noite terminou com a apresentação do grupo paulista A Barca, uma “expedição musical rumo ao maravilhoso”, como eles mesmos se definem, cujo trabalho vai além da criação artística. O grupo faz pesquisas sobre a cultura popular brasileira, sua fonte de inspiração, e realiza trabalhos de criação, documentação, arte-educação, produção cultural e reflexão sobre o ofício do artista e sua responsabilidade sócio-cultural. Magnífico desde a origem ao produto final. Destaque para as vozes sublimes das duas tripulantes Juçara Marçal e Sandra Ximenez. Lindas!

A viagem cultural continuou na noite seguinte, 04/12. Desta vez foram percorridas as paragens históricas da França dos tempos da Joana D’Arc, espetáculo teatral magnificamente escrito por Cleise Mendes, brilhantemente dirigido por Elisa Mendes e extraordinariamente interpretado por Jussilene Santana e companhia (Carlos Betão, Caio Rodrigo, Jefferson Oliveira, Hamilton Lima, Antônio Fábio e Widoto Áquila), em cartaz na Sala do Coro do Teatro Castro Alves (TCA). Simplesmente imperdível! Depois, foi a vez de trilhar as sendas culturais da Galícia e Guiné-Bissau, com a dupla Aló Irmão, formada pelos músicos Narf e Manecas Costa, cujo som toca nossos corações, pois nos fazem relembrar nossa ancestralidade ibero-africana. Por essa razão, o Aló Irmão nos soa tão familiar. Em seguida, chegou o momento de andar por veredas sul coreanas através do som forte e poderosíssimo do Sonagi Project, criado por Jang Jae Hyo, vocalista e percussionista do grupo. Herdeiro da cultura xamã da Coréia, a importância do Sonagi Project, segundo Nicolas Ribalet, produtor cultural, consiste no fato de o grupo ter resistido aos apelos da releitura, tão comum nesses tempos pós-modernos. “O fato é que eles não estão misturando a sua música com jazz ou rock, e que não estão tentando adaptar a tradição aos sons de hoje. Trata-se de cinco jovens que decidiram usar apenas os seus tambores para nos levarem ao seu mundo. Um mundo bem moderno, por sinal. Para nos contar algo novo, algo pessoal e único. Os seus instrumentos são meios modernos, feitos para a expressão, à livre expressão. Técnicas podem variar na criação dos sons necessários para falar e contar histórias. Para cantar ou para chorar. Para percurtir ou para pintar. Através de suas baquetas de bambu, eles traçam a caligrafia musical, direta e instintiva. São poucos caracteres sobre o papel, mas o seu significado é tão amplo quanto o mundo. Esse significado que é tão nosso quanto deles”.

No terceiro dia (05/12), a viagem cultural teve início com o espetáculo de dança da artista Maureen Fleming, cuja performance é tão suave como uma brisa primaveril e vigorosa como as apresentações de uma ginasta olímpica. Acompanhada pelas belas notas do pianista Bruce Bubaker, a dança de Maureen Fleming assemelhava-se, em alguns momentos, aos traços vibrantes do Pieter Pauwel Rubens, especialmente aos que podem ser vistos na sua tela O Juízo Final, na qual corpos caem do firmamento feito plumas que se desprendem dos pássaros em vôo de arribação. Incrível a capacidade do ser humano em criar coisas belas! No momento seguinte da viagem, nos deparamos com as paisagens mexicanas oriundas dos acordes dissonantes de Juan Pablo Villa e das imagens efêmeras do Arturo Lopez. Autoral e experimental, o espetáculo nos faz lembrar dos muros que ainda separam e dilaceram a humanidade. Nada melhor que a arte e a cultura para pulverizá-los como fazia o Arturo Lopez com suas criações fugazes de água, tinta e areia. Nessa viagem cultural também havia espaço para a reflexão sobre os destinos de todos nós em um mundo cada vez mais segregacionista. A noite terminou com o estupendo e vibrante show do Idan Raichel Project. Idealizado por Idan Raichel, o grupo musical surgido em Israel em 2002 mistura sons, ritmos, tradições e almas da África, da América Latina, do Leste Europeu e do Oriente Médio. O resultado é uma miscelânea de talento ímpar, sensualidade e vigor musical contagiante que nos faz pensar que um mundo melhor é, sim, possível, mas somente quando as fronteiras deixarem de existir e os muros (invisíveis ou não) forem derrubados. Na arte isso já ocorre e o Idan Raichel Project é o melhor exemplo. É preciso levar essas misturas adiante, isto é, ao mundo cotidiano e, principalmente, ao mundo da política. Sim, os políticos e embaixadores desse planeta precisam aprender com a arte e os artistas, sobretudo com aqueles que se propõem a derrubar os muros invisíveis que nos separam, como faz de maneira brilhante o israelense Idan Raichel com o seu projeto musical. Projeto esse que chama atenção não apenas pela música, mas, também, pela beleza dos seus integrantes, especialmente os/as vocalistas que, certamente, agrada a árabes, judeus, gregos e troianos. E também aos soteropolitanos das mais variadas tendências! Do México para Israel em um breve espaço de respirar. Só mesmo no Mercado Cultural assim se pode viajar.

A jornada cultural promovida pelo Mercado finalizou no dia 06/12 com um encontro deveras inusitado. A noite começou com a apresentação do Samba de Dona Dete, oriundo da zona rural de Dário Meira (BA). De acordo com a organização do Mercado Cultural, “a influência do candomblé é marcante nos toques dos atabaques, nos cantos e nas danças – todos decorrentes de cerimônias religiosas que elaboram [e liquefazem] os problemas e celebram as alegrias do dia-a-dia da comunidade”. Guardiães de uma tradição secular, a apresentação do Samba de Dona Dete no palco do TCA foi como apreciar um belo pássaro preso em uma gaiola. Belo, mas incompleto, pois aprisionado. Em seguida aterrissa no centro daquela grande arena teatral um cometa arrasador vindo dos paramos de Pernambuco. Era o grupo Bongar, composto por seis primos, herdeiros culturais do Terreiro de Xambá, do Quilombo do Portão do Gelo, região de Olinda. O som forte e pulsante do Bongar mistura a musicalidade do Coco da Xambá, uma vertente do Coco, típico do Nordeste do Brasil, com ciranda, maracatu, candomblé, entre outros ritmos da cultura brasileira. Para Guitinho, o vocalista do grupo, o melhor de participar do Mercado Cultural foi descobrir que na Bahia se faz música de verdade e que a cultura daqui não é só o que a TV mostra. Seria bom que muito mais gente tivesse ouvido essa observação. Depois do samba e do coco entrou em cena a diva coreana (ao menos era o que parecia ser) Chae Soo-Jung e sua Korean Traditional Music Performance Company. Segundo o material de divulgação do Mercado Cultural, a companhia musical coreana “participa do esforço em buscar o que é novo na música, ela almeja fazê-lo mantendo-se fiel à essência da música tradicional coreana. A Companhia está comprometida em preservar e levar as qualidades tradicionais da música coreana aos públicos contemporâneos”. Um espetáculo encantador, sobretudo, para nós que temos pouco ou nenhum contato/acesso à cultura oriental, em especial da Coréia. Agora responda: onde mais se pode ouvir samba, coco e música tradicional coreana? Coisa assim só se vê no Mercado Cultural.

E essa viagem multicultural chegou ao fim. O mais estranho de tudo foi constatar que um evento de tamanha magnitude, responsável por conectar Salvador ao que há de melhor e mais criativo na produção artístico-cultural do Brasil e do resto do mundo costuma ser ignorado pela imprensa local. Um evento como esse deveria ser exaustivamente divulgado nos veículos de comunicação porque não é todo dia que os soteropolitanos têm a oportunidade de interagir com uma produção artística de alto nível e comprometida mais com a preservação e difusão de valores culturais e estéticos do que com o lucro, único propósito da produção de massa, para a qual não falta espaço de divulgação. Esse comportamento dos nossos veículos de comunicação é estranho e lastimável. Mas esse fato é um fato menor. O importante é que nada diminui a beleza e magnitude do Mercado Cultural cujo encerramento, este ano, em Salvador, deixou muita saudade. O bom é saber que o Mercado continuará até 12/12 com sua caravana que passará por Ibirataia (08/12), Ipiaú (09/12), Dário Meira (10/12) e Boa Nova (11 e 12/12) com o Festival de Reisados, feira de artes e apresentações de artistas que estiveram no palco do TCA, como o Sonagi Project e o grupo Bongar. Quanto a Salvador, em 2010 teremos mais. Vida longa para o Mercado Cultural! (por Sílvio Benevides)
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Imagens: Patrícia Carmo (cartaz Joana D'Arc); Rose Vemelho (cartaz Mercado Cultural); Sílvio Benevides.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Deu no Jornal Nacional

Já foi dito nesse espaço que “sobreviver é cuidar do porvir” e que “um espaço público não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos”, mas, também, para os que virão. Pensar apenas no presente além de egoísmo é uma imensa burrice. Cuidar do porvir significa planejar o futuro no presente para que as gerações vindouras não paguem pelos erros daquelas que as precederam. Nesse sentido a política tem um importante papel. Cabe à política definir os rumos do futuro no presente. Uma boa política é aquela que pensa não apenas no imediato, mas, também, e, sobretudo, no futuro da coletividade. O que vem ocorrendo em Salvador é uma aberração sob qualquer perspectiva ou ponto de vista, seja político, social, econômico ou mesmo religioso.

No último sábado o Jornal Nacional noticiou a degradação da Lagoa do Abaeté, famosa em todo o país graças ao Dorival Caymmi. O desmatamento e a especulação imobiliária estão acabando com um dos pontos mais conhecidos de Salvador. Quem perde? Os moradores do em torno da Lagoa e a cidade como um todo, pois perde mais uma área verde, assim como um cartão postal que poderia, se preservado, atrair muito mais visitantes que, certamente, ajudariam a incrementar o turismo da cidade, gerando emprego e renda para muitos. A burrice pode não matar, mas que faz um grande estrago na vida de todos, ela faz. Leiam abaixo a matéria do Jornal Nacional.

Dunas ameaçam casas e Lagoa do Abaeté em Salvador: o motivo é o crescimento desordenado e sem planejamento de ruas e condomínios que crescem e invadem as dunas.

A Lagoa do Abaeté, um cartão postal de Salvador, está secando. Culpa do desmatamento e da ocupação desordenada, que ameaçam também quem mora na região. A famosa lagoa já encolheu 30% e o nível da água está quatro metros mais baixo. “A cada cinco anos a Lagoa do Abaeté desce um metro. A tendência é que no futuro essa lagoa belíssima, grande, se transforme em um poço pequeno”, explicou o ambientalista Lutero Miranda.

Os motivos da seca estão na vizinhança e são os mesmos que põem em risco as casas de pelo menos 5 mil moradores. Em uma área de preservação ambiental, ruas e condomínios crescem sem planejamento e invadem as dunas. Começaram a construir uma área de lazer e um caminho de acesso à praia. Para isso, derrubaram a vegetação que fixa areia. Resultado: solta, como em um deserto, a duna começou a se movimentar e agora ameaça engolir uma parte do bairro.

Com o vento, uma chuva constante de areia vai parar dentro das casas. Em um condomínio, a montanha de areia já passou da altura do muro e pode soterrar as garagens. “Havia uma quadra e um parque infantil onde as crianças brincavam, agora já não se vê mais”, contou o taxista Gilberto Costa.

Os próprios moradores reconhecem que foram imprudentes. “Nós mesmos que causamos esse prejuízo e agora estamos pagando pelo erro”, disse o presidente da Associação de Moradores, Marcos Alves. O engenheiro Leandro Amaral, especialista em meio ambiente, diz que a solução é replantar as áreas desmatadas nas dunas, e esperar muitos anos para que elas se recuperem. “A gente não sabe o prazo, mas se você comete alguma agressão à natureza, ela vai lhe cobrar”, declarou (por José Raimundo e Geraldo Maldonado para o JN).
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Imagem: Lagoa do Abaeté por Kalila Pinto

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Une lettre pour Sophie

Cara Sophie. Li a carta que X lhe enviou, colocando um ponto final na história que vocês dois escreveram juntos. Vi também, no último sábado, no Museu de Arte Moderna de Salvador, a sua resposta. Não se pode negar que se trata de uma resposta bastante criativa. Os vídeos nos quais diversas profissionais de variadas áreas interpretam a carta do X são o que há de melhor, especialmente o vídeo com a Maria de Medeiros de quem sou ardoroso fã. Sem dúvida, sua criatividade merece ser aplaudida. Entretanto, além da sua louvável capacidade em produzir respostas inventivas, chamou-me a atenção, do mesmo modo, a maneira tendenciosa como tais respostas foram apresentadas, salvo raras exceções como é o caso do vídeo da dançarina indiana, o das bonecas infláveis, o da moça que lê lindamente a carta do X sentada em um banco numa rua onde ocorre uma passeata e, claro, o vídeo com a papagaia Brenda.

Ao final da minha leitura fiquei com a estranha sensação que X é um homem estúpido, insensível e cruel, pois pouco caso fez da sua dor. Injustiça com alguém que, suponho, você amou e que lhe amou. Sim, creio que X a amou deveras. Amou-a do jeito dele. Cada um de nós tem um jeito único de amar. O amor, embora caiba “em um breve espaço de beijar”, não cabe em fórmulas preconcebidas. Amor não é ciência ou receita de bolo. Amor é vida, “é fogo que arde sem se ver”. Exigir do outro aquilo que o outro não pode oferecer é opressão e a opressão é a morte do amor.

Quando você se encostou a X, você bem sabia que ele era “somente nuvem”. Digo isto porque ele lhe propôs ser a quarta e você recusou esse papel. Nuvens são sempre nuvens e se delas nos aproximamos, devemos nos preparar para o momento da queda. Penso que se X não a amasse ou não se importasse com você, ele simplesmente sumiria da sua vida sem se preocupar em lhe dar qualquer satisfação. No entanto, não foi assim que ele procedeu. Ao contrário, escreveu-lhe uma carta, expondo suas razões. Admito que o X está longe de ser um poeta (eu também não sou), mas se é poesia que procura, sugiro que se encoste ao Fernando Pessoa. São dele os seguintes versos: “Todas as cartas de amor são ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. / Também escrevi em meu tempo cartas de amor, / Como as outras, ridículas. / As cartas de amor, se há amor, / Têm de ser ridículas. / Mas, afinal, / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são ridículas. / Quem me dera no tempo em que escrevia / Sem dar por isso / Cartas de amor ridículas. / A verdade é que hoje / As minhas memórias / Dessas cartas de amor / É que são ridículas. / (Todas as palavras esdrúxulas, / Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente ridículas)”. Prenez soin de vous, Sophie. Um abraço, Sílvio Benevides.
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p.s. eu também adoro parêntesis, embora o tenha utilizado apenas uma vez.
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Imagem: Sophie Calle

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sobre o Muro de Berlim e outros muros

Como se sabe, a história é constituída de processos contínuos, alguns longos outros nem tanto. Contudo, alguns acontecimentos conseguem se impor como verdadeiros marcos/símbolos de um processo histórico. Um desses marcos, que nesse ano completa duas décadas, é a queda do Muro de Berlim.

O Muro de Berlim, fruto da insensatez humana, é/foi o principal símbolo da chamada Guerra Fria, conflito não declarado entra as maiores potências pós-Segunda Guerra Mundial, União Soviética e Estados Unidos. Idealizado por Walter Ulbricht, o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA), o muro foi erguido em 1961 e dividiu mais do que um país ou uma cidade. Ele dividiu histórias de vida, famílias, amigos, amores, sonhos e alegrias. Muitas foram as tentativas de fuga de alemães do lado oriental para o ocidental. A primeira vítima fatal foi o jovem Peter Fechter, em 17 de agosto de 1962. Alvejado por soldados da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada “terra de ninguém”, falecendo pouco depois de ser recolhido pela polícia alemã oriental.

As vítimas, porém, não se reduziram aos mortos. Uma berlinense que à época da construção do muro tinha 16 anos me revelou que da noite para o dia ela ficou sem amigos, colegas, escola e sem família. Ela morava com sua mãe e seu pai no lado ocidental da cidade. Seus amigos, colegas de escola e demais parentes, no lado oriental. O muro os impediu de se verem por 28 anos. Durante esse tempo, seu pai adoeceu gravemente e faleceu. Nenhum parente ou amigo recebeu autorização do regime comunista para cruzar as fronteiras, ou seja, o muro, a fim de acompanhar as cerimônias fúnebres. A Berlim desse período, segundo ela, era uma cidade lúgubre e deprimente.

Mas o tempo passou e os ventos da mudança começaram a soprar. A década de 1980 trouxe transformações significativas. Do ponto de vista político, representou a derrocada do socialismo como doutrina política e utopia humana, tanto para o chamado socialismo real da União Soviética e dos países comunistas da Europa Oriental, como para as esquerdas ocidentais, principalmente. A queda do Muro de Berlim em 1989 foi o ápice dessa virada política e de uma crise das grandes narrativas históricas, as quais privilegiavam tão somente um ator social como agente de transformação da ordem estabelecida, ou seja, a classe operária.

Esses acontecimentos possibilitaram a emergência de novas práticas sociais e um estilo de organização da ação coletiva distinto das práticas adotadas pelos movimentos sociais tradicionais. Na verdade, as organizações surgidas nesse contexto, ou herdeiras diretas dele, reivindicavam um distanciamento tanto em relação ao Estado autoritário, quanto em relação às práticas populistas e clientelistas (e pelegas) que, historicamente, caracterizam as relações políticas mais gerais, sobretudo em sociedades como a brasileira. Os novos movimentos buscavam, então, novos caminhos para a mobilização da sociedade civil e um outro padrão de relacionamento com as instituições públicas.

Mas caiu um muro e outros foram erguidos. A Berlim de hoje, embora efervescente e bela, ainda possui as marcas da separação. Refiro-me não àquelas que podem ser vistas no asfalto das ruas e avenidas para lembrar a todos que ali havia o muro que dividiu a cidade por mais de duas décadas. Essas marcas viraram história e atração turística. Outras marcas persistem. São os muros invisíveis que separam os outrora alemães ocidentais dos orientais e os alemães dos turcos. A Alemanha, assim como a Europa, foi invadida por uma onda de intolerância contra imigrantes. Tudo de ruim que lá acontece, culpam-se os imigrantes, sejam eles árabes, africanos ou latinos.

O tempo passa, mas os muros insistem e persistem. Berlim. Israel–Cisjordânia. Estados Unidos–México. Coréia do Norte–Coréia do Sul. Chipre grega–Chipre turca. Espanha–Marrocos. Arábia Saudita–Iêmen. Índia–Paquistão. Tailândia–Malásia. Botswana–Zimbabwe. Belfast. Bagdá. Hoek van Holland. Pádua. Alguns muros são famosos, outros nem tanto. Uns são grandes, outros pequenos. Construídos, na sua maioria, por tijolos, arame farpado, corrente elétrica, blocos de cimento e sensores infra-vermelhos, são, na verdade, ligados por um único cimento: o da desconfiança, do egoísmo, do medo, do ódio e da intolerância, que separa e segrega os homens pela cor da pele, pela religião, pela cultura, pela riqueza (ou falta dela), pelo grau de instrução, pela aparência, pelas potencialidades físico-motoras, pela orientação sexual, etc. Que muros nos dividem? Muros invisíveis tão duros quanto qualquer muro de pedra, argamassa e tijolo. Não adianta falar de democracia e direitos humanos se a cada dia muros invisíveis ou não são erguidos. Que as comemorações pela queda do Muro de Berlim nos façam lembrar sobre a importância em derrubarmos todo e qualquer muro seja em Berlim ou Salvador (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Gregor Ter Heide (Elkawe). Berliner Mauer Anfang am 1990.

Os ventos de 1989: impotência e revolta na América Latina

A nova Era que surgiu ao redor do mundo em 1989 coincidiu com mudanças significativas na América Latina. O denominador comum desse processo foi o fim das ditaduras e a crise do neoliberalismo.

A América Latina em 1989 parecia ter sido assolada por grandes eventos. No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner foi deposto por um golpe. Na Venezuela, a população se rebelou contra o recém-eleito presidente Carlos Andrés Pérez, defensor da política econômica neoliberal, e a repressão às escaramuças custou centenas de vidas. Na Argentina, estourou uma devastadora hiperinflação e o presidente Alfonsín foi obrigado a renunciar, para ser substituído por Carlos Menem. Em meio à desastrosa crise econômica, uma onda de revoltas desencadeada pelo grupo guerrilheiro Sendero Luminoso irrompeu no Peru e mais de 4 mil pessoas morreram, tanto por conta das ações da guerrilha, quanto por conta da repressão do Estado. Os Estados Unidos invadiram o Panamá e depuseram seu principal aliado, o General Noriega. No Brasil, foi realizada a primeira eleição direta para presidente da República após o golpe militar de 1964. Fernando Collor de Mello venceu o pleito com uma pequena diferença em relação ao segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente. Na Nicarágua, teve fim a guerra entre o Contras e o governo Sandinista. No Chile, ocorreram as primeiras eleições diretas após 17 anos de ditadura militar.

Prenúncio do apocalipse ou de uma nova era? Querer interpretar a realidade latino-americana a partir de um modelo único pode gerar grandes equívocos e imprecisões. Entretanto, é possível afirmar que os acontecimentos de 1989 tiveram dois denominadores comuns: a redemocratização e o neoliberalismo. A saída dos dois últimos ditadores do continente, Stroessner no Paraguai e Pinochet no Chile, marcou o fim de uma era de ditaduras militares que iniciara por volta dos anos 1930. Somente Venezuela, Costa Rica e México mantiveram-se imunes a esse processo de eterno retorno ao militarismo.

Então, pode-se dizer que o ano de 1989 também foi para a América Latina, assim como o foi para a Alemanha e o Leste Europeu, um “Ano de Milagres”, conforme o descreveu o historiador britânico Timothy Garton Ash? Será difícil encontrar entre os intelectuais latino-americanos um consenso sobre o fim da Guerra Fria como a desobstrução dos caminhos da democracia liberal por dois motivos. Primeiro, os anos de “transição” ou redemocratização tiveram início em 1980, quando ocorreu o enfraquecimento político e econômico dos regimes militares do Equador, do Brasil e da Argentina, o que abriria espaço para as mudanças de 1989. Segundo, a democracia formal não cumpriu suas promessas de inclusão e diminuição das desigualdades sociais históricas.

Impotência neoliberal

O Chile, em particular, é um exemplo de como a constelação de poderes erigida pelos ditadores militares continuou a existir por muito tempo ainda sobre a capa de democracia após 1989. Sobre a ditadura militar, o Chile tinha sido um laboratório experimental do neoliberalismo por excelência. O “modelo chileno” conduziu o país para uma nova sociedade de mercado marcada pelo medo e pelo individualismo. Até mesmo após a saída de Pinochet do poder, a “democracia guardada”, a qual tinha ajustado a ditadura assim como o consenso neoliberal entre políticos, a mídia e as elites na nova constituição. Os efeitos da “noite da ditadura” persistiram. A verdadeira virada ocorreu somente quando Pinochet foi preso em Londres em 1998.

Em 1989, o agora notório Consenso de Washington foi alcançado. À época, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e outras instituições financeiras decidiram pela continuidade do financiamento aos países em desenvolvimento somente se eles reestruturassem radicalmente as suas economias. A receita era privatização, desregulamentação e liberalização comercial e fiscal. Argentina e Equador e, mais tarde, México e Brasil se submeteram imediatamente aos ditames neoliberais.

A reestruturação econômica promoveu a modernização. Porém, ainda havia um preço elevado a pagar por conta da privatização de empresas públicas debilitadas, uma vez que nenhuma rede social foi criada para absorver a mão-de-obra excedente ou desempregada. Para países como Argentina, Brasil e Chile a transformação capitalista desse período conduziu somente à impotência e a mais desigualdade social.

Crise de representatividade

Que a democracia liberal não havia caminhado necessariamente de mãos dadas com melhorias nas condições de vida da população era particularmente notável na Venezuela, visto até aqui como um modelo latino-americano de democracia. Quando o recém-eleito presidente Carlos Andrés Pérez quebrou suas promessas de campanha menos de duas semanas após tomar posse, impondo um austero programa neoliberal, irrompeu a maior revolta da história venezuelana. Ao contrário do que tradicionalmente ocorria na América Latina, o “Caracazo”, série de fortes protestos e distúrbios sociais ocorridos a partir de Caracas, é considerado como a primeira grande insurgência popular contra o neoliberalismo em todo o mundo. O presidente Hugo Chávez declarou os movimentos de 1989 como o nascimento da “Revolução Bolivariana”.

A experiência de insurreição e repressão conduziu o continente latino-americano a uma profunda crise de representatividade. Os velhos partidos já não possuem a mesma força de outrora e os movimentos sociais emergiram como uma nova entidade política significativa. A crise de representatividade gerada pela impotência neoliberal logo se transformou em sucessivas revoltas (por Silvia Fehrmann - tradução: Sílvio Benevides).
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Fonte: The Fall Of The Wall – New Perspectives On 1989 - Shaping Freedom. Copyright: Goethe-Institut e. V., Online-Redaktion July 2009.
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Imagem: Sílvio Benevides.

Novos olhares sobre a ditadura militar na Bahia

Foi lançado hoje (16/11/2009) no Centro de Cultura da Câmara Municipal de Salvador o livro “Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes”, organizado pelo historiador e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Regime Militar (NERM) Grimaldo Carneiro Zachariadhes. O lançamento contou com a presença da vereadora Aladilce Souza (PC do B), da presidente do Tortura Nunca Mais da Bahia, Diva Santana, e do cientista político Joviniano de Carvalho Neto, que encerrou o evento com uma conferência sobre os trinta anos do II Congresso da Anistia, realizado em Salvador entre os dias 15 e 18 de novembro de 1979.

O livro é uma coletânea de artigos elaborados por pesquisadores baianos de diferentes áreas do conhecimento que discutem e analisam fatos relacionados ao período do regime militar na Bahia. De acordo com Diva Santana, esse trabalho tem duas grandes missões: primeiro, possibilita que os baianos conheçam sua própria história; segundo, demonstra a importância da Bahia no processo de redemocratização do Brasil. “Esse livro devolve à Bahia o seu protagonismo na luta pela redemocratização”, enfatizou. Para o cientista político Joviniano de Carvalho Neto o lançamento do livro “Ditadura militar na Bahia” é de suma importância, pois “preenche uma lacuna na historiografia nacional e da memória da sociedade brasileira”. Em breve o Salvador na sola do pé discorrerá com mais detalhes sobre esse importante trabalho (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Capa do livro editado pela Edufba.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sem educação não pode haver crescimento

Durante o IV Interculte – Encontro Interdisciplinar de Cultura, Tecnologias e Educação, evento acadêmico promovido pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE) de Salvador (BA), o jornalista Gilberto Dimenstein falou para a Rádio JA sobre jornalismo, educação e novos métodos de aprendizado e ensino no mundo contemporâneo, marcado pelo informacionalismo.

Para Dimenstein uma das principais características do mundo atual é a geração de uma enorme quantidade de conhecimento em prazos cada vez mais curtos. Como as pessoas não foram treinadas para acompanhar todo esse movimento na mesma velocidade, passamos a vivenciar um mundo com um excesso de confusão, pois há muita informação sem que tenhamos capacidade para selecionar o que nos interessa de fato ou não. No que tange à educação, todo esse processo obriga o professor a rever o seu papel. Segundo ele, hoje, o profissional de educação não pode mais atuar como um transmissor de conteúdo, mas, sim, como um mestre que deve auxiliar o indivíduo a ter estrutura para selecionar as informações e conteúdos relevantes para o seu processo de formação/aprendizagem. Essa percepção sobre o papel do professor, embora atual, norteou os trabalhos do Anísio Teixeira, o baiano mais contemporâneo e inovador de todos os tempos, de acordo com Dimenstein, pois na visão deste educador, não se educa para se ter um bom desempenho escolar, mas, sim, para o desenvolvimento do intelecto e da capacidade de julgamento. Em outras palavras, educa-se para a vida. “Estudar pedagogia sem conhecer o Anísio Teixeira, é o mesmo que estudar física sem conhecer o Einstein ou biologia sem conhecer o Mendel, o Darwin”, disse o jornalista.

Sobre o papel da educação no desenvolvimento de uma nação Dimenstein foi categórico. Não há como construir um país crítico com uma população dotada de um baixo nível de raciocínio lógico abstrato. Segundo ele, com uma educação pública e privada deficitária, como é o caso da brasileira, com salas de aula lotadas, entre outros graves problemas, não pode haver distribuição de renda em níveis desejados, pessoas não se capacitam para ingressar em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e a população não se torna apta para analisar criticamente uma proposta de governo. “Não há nação independente com pessoas dependentes devido à ignorância do conhecimento”, enfatizou. Por tudo isso ele sustenta a idéia de que a luta por educação de qualidade é a nova campanha abolicionista brasileira. Na sua visão, o modelo atual de escola (pública e, também, privada) que se tem no Brasil é um sucesso “porque foi feito para não funcionar e não funciona” (por Sílvio Benevides).

A Rádio JA da UNIJORGE, sob a produção de Cleber Silva, Eliaquim Aciole e Renato Silva e orientação do Prof. Max Bittencourt, realizou entrevista com o jornalista Gilberto Dimenstein. Clique aqui para acessar a entrevista na íntegra.
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Imagem: Gilberto Dimenstein (autoria não encontrada).

A celebração dos mártires

Nos caminhos dos morros secos da Chapada Diamantina, na Bahia, a ditadura militar também deixou suas marcas de terror. Foi lá que no dia 17 de setembro de 1971, o Exército brasileiro encerrou a perseguição ao capitão Carlos Lamarca, ao seu parceiro Zequinha Barreto e ao professor Luiz Antônio Santa Bárbara. Mesmo tendo ocorrido há 38 anos, as marcas dessa chacina ainda permanecem na região. Até por isso, com o nome de Celebração dos Mártires, há 10 anos a história é recontada no dia 17 de setembro em evento organizado pelo bispo da diocese de Barra, Luiz Flávio Cappio que, na última edição, anunciou a construção de um santuário no local do assassinato, nas veredas do povoado de Pintada, onde uma cruz já está erguida.

Neste ano as comemorações contaram com a presença de representantes dos governos federal e estadual, em campanha pela revisão da Lei de Anistia. Entre outros, estiveram lá o ministro Franklin Martins, o assessor especial da presidência da República, Carlos Tibúrcio, três secretários estaduais, o deputado federal Emiliano José (PT-BA), autor do livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, e o ex-governador Waldir Pires. Dom Cappio e representantes do governo evitaram dividir o mesmo palco, por conta das divergências quanto à transposição das águas do rio São Francisco, que levaram o bispo a fazer greve de fome. Mas o ministro Franklin Martins diluiu as divergências ao declarar: “Nós podemos falar à luz do dia o que fizemos. Eles não podem vir aqui à praça e dizer o que fizeram. Eles têm vergonha”.

A aparição e as declarações de Martins foram uma clara demonstração de que há força no governo federal a tese de rever a Lei de Anistia. “Zequinha e Lamarca não foram mortos só no dia 17 de setembro. Eles continuaram a ser mortos através do tempo. Não a morte física, mas a morte moral quando os acusavam de serem traidores, desertores, assassinos e terroristas. Os inimigos queriam assassiná-los moralmente para que o povo não reconhecesse o que eles eram. Mas aqueles que conviveram com eles sabem quem foram”, disse Martins, visivelmente emocionado.

Participaram também daquela celebração o filho de Carlos Marighela, Dirceu Rodrigues, Ieda Chaves e Dulce Maia (ex-exilados da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR – que foram trocados pelo embaixador alemão Von Holleben, sequestrado em 1970); o cineasta Edgard Navarro, autor do filme Porta de Fogo (1982), sobre os últimos dias de Lamarca; a mãe de Santa Bárbara, Dona Maria; os irmãos de Zequinha Barreto, Olderico e Divá; e membros do Instituto Zequinha Barreto de Osasco, região metropolitana de São Paulo (por Pedro Caribe e Thais Barreto).
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Imagem: Carlos Lamarca (Agência Estado).

Nota sobre a UFBA Latina

O Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), em co-realização com a administração central da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e com o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento (CICEF), lançou publicamente no último dia 06 de novembro a Iniciativa UFBA Latina (INULAT), que tem como objetivo desenvolver atividades que aproximem a UFBA das iniciativas de integração regional nas quais o Brasil é ator fundamental – notadamente no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e na União de Nações Sul-americanas (UNASUL). Através da Iniciativa será realizada a Caravana da Integração – o percurso por terra por estudantes selecionados por nove países da América do Sul entre os meses de janeiro e fevereiro de 2010. A INULAT conta também com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Assessoria Internacional e do Conselho Estadual de Juventude, e da Associação Cultural Caballeros de Santiago (por INULAT).
Imagem: Sílvio Benevides

domingo, 1 de novembro de 2009

Liberdade

Uma antiga propaganda de jeans dizia que liberdade é uma calça velha azul e desbotada que se deve usar do jeito que o indivíduo quiser. Essa idéia além de indicar que a liberdade não requer elucubrações sofisticadas para ser compreendida, indica também que ela significa uma possibilidade de se fazer aquilo que se quer conforme se escolha. Ser livre, portanto, consiste na possibilidade de escolha, que, uma vez feita, pode ser repetida sempre que se queira de acordo com a situação. O poeta Fernando Pessoa traduziu esse pensamento da seguinte maneira: “Ai que prazer não cumprir um dever. Ter um livro para ler e não o fazer! Ler é maçada. Estudar é nada. O sol doira sem literatura. O rio corre, bem ou mal, sem edição original. E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal, como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma, esperar por D. Sebastião, quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, flores, música, o luar, e o sol, que peca só quando, em vez de criar, seca. O mais do que isto é Jesus Cristo, que não sabia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca...LIBERDADE é o tema do poema falado deste mês. Boa Leitura!

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Imagem: Nuno Manuel Baptista - Liberdade

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Site reúne acervo de Prêmio Vladimir Herzog

Foi lançado oficialmente no último dia 24/10 o site com o conteúdo dos trabalhos vencedores dos prêmios Vladimir Herzog de Anistia e de Direitos Humanos desde a sua primeira edição, em 1979. O projeto foi elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e pelo Centro de Informação da ONU para o Brasil em parceria com o Instituto Vladimir Herzog e o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.

O novo site vai possibilitar aos internautas, em especial jornalistas e estudantes, o acesso a todas as informações das reportagens premiadas ao longo dos últimos 30 anos de realização do Prêmio. O foi digitalizado e todo o acervo estará disponível para pesquisa. Esse material já pode ser consultado no endereço http://www.premiovladimirherzog.org.br/.

Ivo Herzog, explica que o novo portal tem um importante objetivo de preservar o acervo do Prêmio Vladimir Herzog. “Foi feito um trabalho exaustivo de pesquisa e conseguimos os arquivos completos de quase todos os trabalhos. Esse é um registro histórico e uma forma de preservar e democratizar todo o conteúdo já premiado”. Herzog acrescenta que ainda faltam 205 reportagens para serem digitalizadas. “São materiais cujos arquivos se perderam. Portanto, pedimos aos premiados que verifiquem o site e nos ajude a completá-lo” (Fonte: Instituto Vladimir Herzog).

O caso Vladimir Herzog – Em 19 de abril de 1976, deu entrada na Justiça Federal de São Paulo, sendo distribuída para a 7ª Vara Cível, uma ação declaratória intentada por Clarice Herzog e seus filhos Ivo e André, contra a União Federal, pleiteando que fosse declarada a responsabilidade da União pela prisão, torturas e morte do jornalista Vladimir Herzog, marido e pai dos autores.

A inicial relatou que Vladimir era brasileiro naturalizado, professor e jornalista da TV Cultura – Canal 2 e que na noite de 24 de outubro de 1975 compareceu às dependências do DOI/CODI do II Exército, por solicitação de seus agentes, a fim de prestar esclarecimentos.

Fizeram-no apresentar-se no dia seguinte, à Rua Tomás Carvalhal, 1.030, na capital paulista. No final da tarde do mesmo dia, o Comando do II Exército fez distribuir nota na qual comunicava a morte de Vladimir Herzog, e entre outras inverdades dizia que o jornalista “admitiu exercer atividades no PCB; que, por volta das 15 horas, deixado, sozinho, em uma sala, redigiu declaração dando conta de sua militância no Partido Comunista; que, aproximadamente, às 16 horas, ao ser procurado na sala onde ficara, foi encontrado morto, enforcado em uma tira de pano”.

A nota afirmava que, solicitada a perícia, pelo técnicos foi constatada a ocorrência de suicídio e que “o cadáver de Vladimir Herzog foi encontrado, junto à janela, em suspensão incompleta e sustido pelo pescoço, através de uma cinta de tecido verde” e que “o traje que vestia o cadáver compunha-se de um macacão verde de tecido igual ao da referida cinta”. O fato provocou a maior repercussão em todo o país.

Em 30 de outubro de 1975, o general-comandante do II Exército instaurou inquérito policial para apurar as circunstâncias em que ocorreu o “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog, que concluiu, como era esperado, pela ocorrência de suicídio.

Ocorre que Rodolfo Konder compareceu, espontaneamente, no dia 7 de novembro de 1975, às 16 horas ao escritório de advocacia dos drs. José Carlos Dias, Maria Luiza Flores da Cunha Bierrembach, José Roberto Leal de Carvalho e Arnaldo Malheiros Filho, no centro de São Paulo, e ali, na presença dos referidos advogados e, mais ainda, do dr. Prudente de Moraes, neto, do prof. Gofredo da Silva Telles Jr., do dr. Hélio Pereira Bicudo e do padre Olivo Caetano Zolin, prestou declarações que esclareceram a morte de Vladimir Herzog.

“Às seis horas da manhã do dia 24 de outubro do corrente, tocaram a campanhia de minha casa, e, quando fui atender, vi que eram três agentes da Polícia, os quais me disseram que eu deveria acompanhá-los para prestar alguns esclarecimentos. Fui levado numa caminhonete até as dependências do DOI, na rua Tomás Carvalhal, 1.030, endereço este que vim a conhecer posteriormente. Na estrada colocaram-me um capuz de pano preto na cabeça e me levaram para o interior do DOI. Lá dentro me fizeram tirar a roupa e me deram um macacão do Exército, e eu fiquei sentado num banco com o macacão e o capuz. Fiquei cerca de uma hora esperando, tempo que eu não posso calcular com certeza por terem me tirado o relógio, e fui chamado para o interrogatório. Fui levado para o primeiro andar, pois estava no térreo, e alguém começou a me fazer perguntas sobre minhas atividades políticas. Esta pessoa eu não posso identificar porque eu estava com o capuz na cabeça. Ela começou a se exasperar e me fazer ameaças, porque não estava satisfeita com as respostas que eu dava, e chamou umas duas pessoas para a sala de interrogatório, pediu a uma delas que trouxesse a “pimentinha”, que é uma máquina de choques elétricos e, a partir daí, eu comecei a ser torturado. Uma pessoa que mais tarde pela voz eu identifiquei como o chefe da equipe, e era forte, barrigudo, moreno, de cara rasgada. Este homem que batia com as mãos e gritava que ele era um anormal, o que eu achei muito estranho. Depois instalaram nas minhas mãos, amarrando no polegar e no indicador as pontas de fios elétricos ligados a essa máquina; a ligação era nas duas mãos e também nos tornozelos. Obrigaram-me a tirar os sapatos para que os choques fossem mais violentos. Enquanto o interrogador girava a manivela, o terceiro membro da equipe, com a ponta de um fio, me dava choques no rosto, por cima do capuz e, às vezes, na orelha, para isso levantando um pouco o capuz, para que o fio alcançasse a orelha. Para se ter uma idéia de como os choques eram violentos, vale a pena registrar o fato de que eu não pude me controlar e defequei, e, freqüentemente, perdia a respiração. (...)

No sábado de manhã, percebi que Vladimir Herzog tinha chegado. Como o capuz é solto, por baixo dele, quando a vigilância não é severa, pode-se ver os pés das pessoas que estão perto. Ao meu lado estava sentado George Duque Estrada, o Estado de S. Paulo, e eu comentei com ele que Vladimir Herzog estava ali presente, isto porque Vladimir Herzog era muito meu amigo e nós comprávamos sapatos juntos, e eu o reconheci pelos sapatos. Algum tempo depois, Vladimir foi retirado da sala. Nós continuamos sentados lá no banco, até que veio um dos interrogadores, levou a mim e ao Duque Estrada a uma sala de interrogatório no andar térreo, junto à sala em que nós nos encontrávamos. Vladimir estava lá, sentado numa cadeira, com o capuz enfiado e já de macacão. Assim que entramos na sala, o interrogador mandou que tirássemos os capuzes, por isso que nós vimos que era Vladimir, e vimos também o interrogador, que era um homem de 33 a 35 anos, com mais ou menos 1,75 metro de altura, uns 65 quilos, magro, mas musculoso, cabelo castanho-claro, olhos castanhos apertados e uma tatuagem de uma âncora na parte interna do antebraço esquerdo, cobrindo praticamente todo o antebraço. Ele nos pediu que disséssemos ao Vladimir ‘que não adiantava sonegar informações’. Tanto eu como Duque Estrada, de fato, aconselhamos Vladimir a dizer o que sabia, inclusive porque as informações que os interrogadores desejavam ver confirmadas já tinham sido dadas por pessoas presas antes de nós. Vladimir disse que não sabia de nada e nós dois fomos retirados da sala e levados de volta ao banco de madeira onde nos encontrávamos, na sala contígua. De lá, podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador e depois de Vladimir e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a “pimentinha” e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio, e os gritos de Vladimir se confundiam com o som do rádio. Lembro-me bem que durante esta fase o rádio dava a notícia de que Franco havia recebido a extrema-unção, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Vladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de determinado momento, a voz de Vladimir se modificou, como se tivessem introduzido alguma coisa em sua boca; sua voz ficou abafada, como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde os ruídos cessaram. Depois do almoço, não sei exatamente a que horas, o mesmo interrogador veio me perguntar sobre uma reunião política na minha casa, realizada em 1972, com a presença de um homem de cabelos grisalhos. Eu não me lembrava dessa pessoa, embora me lembrasse de um único encontro realizado em minha casa naquele ano, com a presença de uma outra pessoa, esta de cabelos escuros. O interrogador saiu novamente da sala e dali a pouco voltou para me apanhar pelo braço e me levar até a sala onde se encontrava Vladimir, permitindo mais uma vez que eu tirasse o capuz. Vladimir estava sentado na mesma cadeira, com o capuz enfiado na cabeça, mas agora me parecia particularmente nervoso, as mãos tremiam muito e a voz era débil.”

“Que o declarante, da mesma forma que todos os outros presos que teve oportunidade de ver nas dependências do DOI, foi deixado apenas com o macacão, o capuz e os sapatos, sendo que das pessoas que usavam sapatos com cordão para amarrar os cordões eram retirados, não ficando nenhum instrumento que pudesse ser usado contra a vida.”
“Que quando iniciou-se a tortura de Vladimir o declarante, estando na sala ao lado, chegou a ouvir sons de pancadas que lhe eram desferidas.”

Vladimir Herzog foi cruelmente torturado, e, depois disso, redigiu a declaração que o comprometia com agremiação política ilegal. O fato de haver rasgado o papel comprova que repudiou totalmente a suposta confissão, obtida mediante métodos violentos. Ademais, não poderia ter se suicidado com o cinto do macacão, pois, segundo Rodolfo Osvaldo Konder, “o macacão que lhe deram para vestir nas dependências do DOI, a exemplo de todos os outros, não tinha cinto” (Fonte OAB – Seção de São Paulo).
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Imagem: acervo do InstitutoVladimir Herzog

Campanha de combate ao câncer de pênis

Não lavar o pênis diariamente pode causar muitas doenças. Entre a cabeça do pênis (glande) e a pele (prepúcio) é produzida uma gordura, ou sebo, branco, chamado esmegma que deve ser limpo todos os dias, pois pode causar mau cheiro e facilitar o aparecimento de doenças e infecções. Uma das doenças que pode aparecer é o câncer no pênis. É verdade, não lavar o pênis pode causar um tumor maligno muito agressivo e que muitas vezes é necessário cortar fora parte ou o pênis inteiramente. No Brasil, anualmente, 1.000 homens perdem seu órgão sexual por causa disso.

A estimativa da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) é que mais de três mil homens tenham a doença, que pode ser evitada de maneira muito simples: higiene genital adequada. Lavar o pênis é muito simples e deve ser feito todos os dias. Lave com água e sabão e não esqueça de puxar a pele para trás para lavar a cabeça do pênis (glande).

O câncer de pênis é uma doença que mutila o homem, tanto na parte física, quanto na alma. São mil amputações por ano no país. Apesar disso, é um dos cânceres mais evitáveis que existe no mundo. É associado à falta de higiene na área genital”, esclareceu o médico Aguinaldo Nardi, coordenador de campanhas públicas da SBU.

De acordo com dados levantados pela SBU o estado de São Paulo, maior população do país, com 40 milhões de habitantes, é o que também concentra o maior índice de casos: 24,26%. Em seguida, vem o Ceará, com 12,87%, Maranhão com 10,66% e Rio de Janeiro, com 9,19%. A Bahia ocupa o 12º lugar no ranking com 1,10% dos casos. O que mais assusta os profissionais da SBU não é ter São Paulo, com mais de 40 milhões de habitantes em primeiro lugar, mas sim ter Ceará e Maranhão, que juntos têm um pouco mais de 1/4 dos paulistanos, em segundo e terceiro lugares.

Se olharmos as estatísticas, veremos que, em números, São Paulo está em primeiro lugar, mas quando se verifica a naturalidade dessas pessoas, curiosamente percebemos que a maior parte delas vem de cidades do interior do Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Pará e Minas Gerais”, diz o presidente da SBU, Dr. Sidney Glina.

Dados levantados pelo Data/SUS nos últimos cinco anos ratificam a pesquisa da SBU ao mostrar que a amputação do órgão – medida tomada quando a doença é grave – tem aumentado cerca de 10% ao ano. Este número leva a entidade a acreditar que o país esteja em segundo lugar no ranking mundial da doença, atrás apenas da Índia, país com a maior incidência mundial, com taxas de 3,32 casos a cada 100 mil habitantes

Sempre que você notar qualquer coisa diferente no seu pênis, uma ferida ou ferimentos que não cicatrizam mesmo após tratamento médico; caroços que não desaparecem, mesmo após tratamento, e que apresentam secreções e mau cheiro; vermelhidão ou coceira duradoura na cabeça do pênis (glande), especialmente nos homens cuja pele do pênis (prepúcio) é excessiva, a popular fimose; manchas esbranquiçadas ou perda de pigmentação em áreas do pênis; surgimento de tumores no pênis ou na virilha (íngua); uma bolha qualquer, corrimento ou tiver ardor na hora de urinar, procure logo um médico e não faça sexo até ter certeza que não tenha a doença. Não use pomadas ou remédios caseiros. Vá ao médico mesmo que a ferida desapareça sozinha. Não tenha medo, pois se for descoberto no começo, o câncer de pênis pode ser facilmente tratado e as chances de cura do paciente são bem grandes.

Doenças venéreas ou sexualmente transmitidas, que são pegas quando se faz sexo aumentam a chance de se ter um tumor. Por isto use camisinha quando fizer sexo com muitas parceiras ou muitos parceiros. Não é difícil evitar essas doenças. É só usar camisinha nas relações sexuais e no caso do câncer de pênis, lavar com água e bastante sabão diariamente! (Fonte: Sociedade Brasileira de Urologia)
VÍDEO DA CAMPANHA
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Imagem: Cartaz da campanha promovida pela SBU

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Morrer: a possibilidade do impossível

Morrer. Verbo intransitivo que denota perda da vida, da existência. Nessa acepção, a morte é interpretada como falecimento, isto é, como um fenômeno que ocorre na ordem das coisas naturais. Sendo, então, um fato natural como todos os outros fatos naturais, a morte, vista a partir dessa perspectiva, não tem significado específico para o homem. Morre-se e ponto final. É assim com todo e qualquer ser vivente seja este um insignificante vírus ou protozoário ou o mais brilhante dos seres humanos. A morte iguala tudo e todos. Na prática, porém, não é o que se observa. A insistente característica humana de selecionar, segregar, separar e classificar persiste até no momento da morte. Basta caminharmos pelos cemitérios de qualquer cidade para percebermos que nem mesmo nestes lugares as pessoas se dão conta de que as diferenças entre os seres humanos são da ordem superficial das coisas. Não quero aqui negar as diferenças genotípicas, fenotípicas ou culturais. Seria no mínimo estúpido se assim fizesse. Mas tais diferenças servem apenas para distinguir os seres humanos de maneira superficial. Como já escreveu o Antoine de Saint-Exupéry em O pequeno príncipe, “o essencial é invisível aos olhos”. Entretanto, os olhos são cegos e seguem pela vida afora sem se aperceberem que, como definiu Heidegger, a morte é a “nulidade possível das possibilidades do homem e de toda forma do homem” (In: Possibilità e libertà). Mas os seres humanos preferem não enxergar esse fato, por acreditarem que a existência humana é a mais importante, a mais significativa de todo o universo. Sem a humanidade, o universo simplesmente deixa de existir. Por conta disso, erguem túmulos, jazigos e mausoléus suntuosos, porque ostentam fartura e imponentes, pois exibem uma arte intensa, grave e profundamente bela na esperança de apaziguar a angústia de seres finitos, tão relevantes como a mais reles barata (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Cemitério do Campo Santo (Salvador-BA), por Sílvio Benevides.