segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os ventos de 1989: impotência e revolta na América Latina

A nova Era que surgiu ao redor do mundo em 1989 coincidiu com mudanças significativas na América Latina. O denominador comum desse processo foi o fim das ditaduras e a crise do neoliberalismo.

A América Latina em 1989 parecia ter sido assolada por grandes eventos. No Paraguai, o ditador Alfredo Stroessner foi deposto por um golpe. Na Venezuela, a população se rebelou contra o recém-eleito presidente Carlos Andrés Pérez, defensor da política econômica neoliberal, e a repressão às escaramuças custou centenas de vidas. Na Argentina, estourou uma devastadora hiperinflação e o presidente Alfonsín foi obrigado a renunciar, para ser substituído por Carlos Menem. Em meio à desastrosa crise econômica, uma onda de revoltas desencadeada pelo grupo guerrilheiro Sendero Luminoso irrompeu no Peru e mais de 4 mil pessoas morreram, tanto por conta das ações da guerrilha, quanto por conta da repressão do Estado. Os Estados Unidos invadiram o Panamá e depuseram seu principal aliado, o General Noriega. No Brasil, foi realizada a primeira eleição direta para presidente da República após o golpe militar de 1964. Fernando Collor de Mello venceu o pleito com uma pequena diferença em relação ao segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente. Na Nicarágua, teve fim a guerra entre o Contras e o governo Sandinista. No Chile, ocorreram as primeiras eleições diretas após 17 anos de ditadura militar.

Prenúncio do apocalipse ou de uma nova era? Querer interpretar a realidade latino-americana a partir de um modelo único pode gerar grandes equívocos e imprecisões. Entretanto, é possível afirmar que os acontecimentos de 1989 tiveram dois denominadores comuns: a redemocratização e o neoliberalismo. A saída dos dois últimos ditadores do continente, Stroessner no Paraguai e Pinochet no Chile, marcou o fim de uma era de ditaduras militares que iniciara por volta dos anos 1930. Somente Venezuela, Costa Rica e México mantiveram-se imunes a esse processo de eterno retorno ao militarismo.

Então, pode-se dizer que o ano de 1989 também foi para a América Latina, assim como o foi para a Alemanha e o Leste Europeu, um “Ano de Milagres”, conforme o descreveu o historiador britânico Timothy Garton Ash? Será difícil encontrar entre os intelectuais latino-americanos um consenso sobre o fim da Guerra Fria como a desobstrução dos caminhos da democracia liberal por dois motivos. Primeiro, os anos de “transição” ou redemocratização tiveram início em 1980, quando ocorreu o enfraquecimento político e econômico dos regimes militares do Equador, do Brasil e da Argentina, o que abriria espaço para as mudanças de 1989. Segundo, a democracia formal não cumpriu suas promessas de inclusão e diminuição das desigualdades sociais históricas.

Impotência neoliberal

O Chile, em particular, é um exemplo de como a constelação de poderes erigida pelos ditadores militares continuou a existir por muito tempo ainda sobre a capa de democracia após 1989. Sobre a ditadura militar, o Chile tinha sido um laboratório experimental do neoliberalismo por excelência. O “modelo chileno” conduziu o país para uma nova sociedade de mercado marcada pelo medo e pelo individualismo. Até mesmo após a saída de Pinochet do poder, a “democracia guardada”, a qual tinha ajustado a ditadura assim como o consenso neoliberal entre políticos, a mídia e as elites na nova constituição. Os efeitos da “noite da ditadura” persistiram. A verdadeira virada ocorreu somente quando Pinochet foi preso em Londres em 1998.

Em 1989, o agora notório Consenso de Washington foi alcançado. À época, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e outras instituições financeiras decidiram pela continuidade do financiamento aos países em desenvolvimento somente se eles reestruturassem radicalmente as suas economias. A receita era privatização, desregulamentação e liberalização comercial e fiscal. Argentina e Equador e, mais tarde, México e Brasil se submeteram imediatamente aos ditames neoliberais.

A reestruturação econômica promoveu a modernização. Porém, ainda havia um preço elevado a pagar por conta da privatização de empresas públicas debilitadas, uma vez que nenhuma rede social foi criada para absorver a mão-de-obra excedente ou desempregada. Para países como Argentina, Brasil e Chile a transformação capitalista desse período conduziu somente à impotência e a mais desigualdade social.

Crise de representatividade

Que a democracia liberal não havia caminhado necessariamente de mãos dadas com melhorias nas condições de vida da população era particularmente notável na Venezuela, visto até aqui como um modelo latino-americano de democracia. Quando o recém-eleito presidente Carlos Andrés Pérez quebrou suas promessas de campanha menos de duas semanas após tomar posse, impondo um austero programa neoliberal, irrompeu a maior revolta da história venezuelana. Ao contrário do que tradicionalmente ocorria na América Latina, o “Caracazo”, série de fortes protestos e distúrbios sociais ocorridos a partir de Caracas, é considerado como a primeira grande insurgência popular contra o neoliberalismo em todo o mundo. O presidente Hugo Chávez declarou os movimentos de 1989 como o nascimento da “Revolução Bolivariana”.

A experiência de insurreição e repressão conduziu o continente latino-americano a uma profunda crise de representatividade. Os velhos partidos já não possuem a mesma força de outrora e os movimentos sociais emergiram como uma nova entidade política significativa. A crise de representatividade gerada pela impotência neoliberal logo se transformou em sucessivas revoltas (por Silvia Fehrmann - tradução: Sílvio Benevides).
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Fonte: The Fall Of The Wall – New Perspectives On 1989 - Shaping Freedom. Copyright: Goethe-Institut e. V., Online-Redaktion July 2009.
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Imagem: Sílvio Benevides.

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