Cara Sophie. Li a carta que X lhe enviou, colocando um ponto final na história que vocês dois escreveram juntos. Vi também, no último sábado, no Museu de Arte Moderna de Salvador, a sua resposta. Não se pode negar que se trata de uma resposta bastante criativa. Os vídeos nos quais diversas profissionais de variadas áreas interpretam a carta do X são o que há de melhor, especialmente o vídeo com a Maria de Medeiros de quem sou ardoroso fã. Sem dúvida, sua criatividade merece ser aplaudida. Entretanto, além da sua louvável capacidade em produzir respostas inventivas, chamou-me a atenção, do mesmo modo, a maneira tendenciosa como tais respostas foram apresentadas, salvo raras exceções como é o caso do vídeo da dançarina indiana, o das bonecas infláveis, o da moça que lê lindamente a carta do X sentada em um banco numa rua onde ocorre uma passeata e, claro, o vídeo com a papagaia Brenda.
Ao final da minha leitura fiquei com a estranha sensação que X é um homem estúpido, insensível e cruel, pois pouco caso fez da sua dor. Injustiça com alguém que, suponho, você amou e que lhe amou. Sim, creio que X a amou deveras. Amou-a do jeito dele. Cada um de nós tem um jeito único de amar. O amor, embora caiba “em um breve espaço de beijar”, não cabe em fórmulas preconcebidas. Amor não é ciência ou receita de bolo. Amor é vida, “é fogo que arde sem se ver”. Exigir do outro aquilo que o outro não pode oferecer é opressão e a opressão é a morte do amor.
Quando você se encostou a X, você bem sabia que ele era “somente nuvem”. Digo isto porque ele lhe propôs ser a quarta e você recusou esse papel. Nuvens são sempre nuvens e se delas nos aproximamos, devemos nos preparar para o momento da queda. Penso que se X não a amasse ou não se importasse com você, ele simplesmente sumiria da sua vida sem se preocupar em lhe dar qualquer satisfação. No entanto, não foi assim que ele procedeu. Ao contrário, escreveu-lhe uma carta, expondo suas razões. Admito que o X está longe de ser um poeta (eu também não sou), mas se é poesia que procura, sugiro que se encoste ao Fernando Pessoa. São dele os seguintes versos: “Todas as cartas de amor são ridículas. / Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. / Também escrevi em meu tempo cartas de amor, / Como as outras, ridículas. / As cartas de amor, se há amor, / Têm de ser ridículas. / Mas, afinal, / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são ridículas. / Quem me dera no tempo em que escrevia / Sem dar por isso / Cartas de amor ridículas. / A verdade é que hoje / As minhas memórias / Dessas cartas de amor / É que são ridículas. / (Todas as palavras esdrúxulas, / Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente ridículas)”. Prenez soin de vous, Sophie. Um abraço, Sílvio Benevides.
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p.s. eu também adoro parêntesis, embora o tenha utilizado apenas uma vez.
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Imagem: Sophie Calle
2 comentários:
Concordo que X amava Sophie. Ele mostrou o carinho dele nas suas palavras na carta, como você disse, ele a amou da forma dele. E acho que ela fez como ele lhe propôs, cuidou bem de si, e foi extramamente criativa. Acho que tanto Sophie, quanto X são vulneraveis, e amam de formas diferentes. Muita gente se limita a achar que amor tem que vir com uma bagagem de coisas, e reestrições, e regrinhas. Amar é simplesmente sentir, e foi o que Sophie e X fizeram. Pra mim, a carta de X afirma esse amor. Ele se foi por que não dava mais pra remar o barco. É uma pena que Sophie ainda queria estar com ele. E, claro, vale ressaltar que a exposição no MAM está belíssima.
Que todas as Sophies por aí cuidem bem delas mesmas.
Sophie faz parte de um punhado de pessoas que ainda acreditam que o outro (não importa quem),
se importa. Sei oque significa encontrar uma situação contrária.
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