segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Se você tem fé, aquiete o coração; a vitória chegará (Bezerra de Menezes)

Deus nosso Pai, que sois todo poder e bondade, dai a força àqueles que passam pela provação, dai a luz àquele que procura a verdade, põe no coração do homem a compaixão e a caridade. Deus dai ao viajante a estrela guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso. Pai dai ao culpado o arrependimento, ao espírito a verdade, à criança o guia, ao órfão o pai. Senhor que vossa bondade se estenda sobre tudo que criastes. Piedade, Senhor, para aqueles que vos não conhecem, esperança para aqueles que sofrem. Que a vossa bondade permita aos Espíritos consoladores derramarem por toda a parte a paz, a esperança e a fé. Deus, um raio, uma faísca do vosso amor pode abrasar a terra; deixai-nos beber nas fontes dessa bondade fecunda e infinita e todas as lágrimas secarão, todas as dores se acalmarão. Um só coração, um só pensamento subirá até vós, como um grito de reconhecimento e amor. Como Moisés sobre a montanha, nós vos esperamos com os braços abertos (oh Bondade, oh Beleza, oh Perfeição) e queremos de alguma sorte merecer a vossa misericórdia. Deus dai-nos a força de ajudar o progresso de nossos semelhantes a fim de subirmos até vós; dai-nos a caridade pura, dai-nos a fé e a razão desprovida de vaidade e arrogância; dai-nos a simplicidade que fará das nossas almas o espelho onde se refletirá a Vossa Imagem (Prece de Cáritas psicografada na véspera do Natal de 1873 por Madame W. Krell).
*
Imagem: The spirit of Man - Solitude, por Angélica Tas.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Então é Natal!

Ao entregar-se em plenitude, surge o Verbo como expressão absoluta do Mistério do Amor. O Mistério do Amor se chama Pai e sua expressão absoluta, Filho. Deus não tem nada a dar senão a si mesmo. Quando Deus se dá é Pai. O que surge desta doação é o Filho. No Filho a verdade, a bondade, a beleza e toda riqueza infinita de ser do Pai se projeta, expressa e concretiza. Aqui tudo é infinito e eterno. No Filho o Pai expressa também toda a riqueza, a beleza, abondade, a verdade finitas e temporais que podem ser criadas. O Pai se espelha em toda criação. Porque tudo foi criado no Filho, tudo também começa a espelhar o Filho [...] O projeto de Deus é, pois, fazer-se homem. Um dia no tempo, numa Virgem, se concretizou. Numa noite, numa gruta nasceu e hoje, no Natal, celebramos e, celebrando, atualizamos este evento de doçura humana e divina (por Leonardo Boff).

Agora o Menino veio.
As trevas se fizeram luz.
A noite tornou-se dia.
É o que significa o Natal: a festa da luz, da vidsa e do amor humanitário de nosso Deus.
Feliz Natal!
Feliz Navidad!
Joyeux Noel!
Merry Christmas!
Fröhliche Weihnachten!

*
Imagem: Meu Presépio, por Sílvio Benevides.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

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Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

(por Fernando Pessoa na pessoa do Alberto Caeiro)
*
Imagem: Gesu Bambino (1663), por Carlo Dolci.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Adeus não! À BIENTÔT!

Ensinar é, também, aprender. Aprendi com uma aluna que participa do programa Building Global Friendship da organização Children’s International Summer Villages (CISV), fundada pela psicoterapeuta Dóris Allen, que estabelecer laços afetivos nos ajuda a transpor barreiras e a derrubar os muros invisíveis da intolerância. Ela me relatou que, por meio da sua participação nos programas educacionais promovidos pela CISV, aprendeu, entre outras coisas, que os países não são meras entidades geopolíticas, conforme estudamos nas escolas formais, mas, sim, unidades afetivamente construídas. Hoje, quando ela observa, por exemplo, o mapa-múndi e localiza um país no qual já esteve, vê o rosto do amigo ou amigos que conquistou (sim, amizade é uma conquista). Assim, aquele espaço político-administrativo deixa de ser uma abstração e se transforma numa concretude cunhada pelo afeto.

Pensando nisso, cheguei à conclusão de que é justamente o afeto que me une ao Québec. Quando localizo no mapa o pedaço do mundo denominado de Québec enxergo não uma unidade político-administrativa fria como todas as outras, mas, sim, os belos rostos de duas quebequenses que atendem pelo nome de Christiane e Anne-Marie. Por causa delas o Québec deixou de ser um lugar distante, quase perdido na região norte do planeta. Agora, o Québec é um lugar próximo a Salvador, talvez tão próximo quanto Aracaju, Canudos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou mesmo São Paulo. Os lugares são as pessoas. Nessa perspectiva, a noção de próximo e distante passa, necessariamente, pelo coração. Por isso, quando Christiane partiu, combinamos que não diríamos adeus, pois o tempo do adeus é longo e impreciso, adequado para nos referirmos às abstrações político-administrativas. Bientôt é mais apropriado para quem se uniu de bom grado por meio do afeto. Por isso eu digo à bientôt Québec (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Flor de Lis, por João Cabral.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Politicamente correto

Bem, acredito que se tem realmente um exagero na questão do politicamente correto ultimamente e isso chega como uma atitude norte-americanizada, um jeito de assumir posturas que não condizem com a nossa cultura. O que escola e educadores devem fazer é mostrar o que é preconceito, falar sobre eles e educar, criando seres pensantes e críticos. Não vamos educar para transformar pessoas em “robozinhos”.

Isso de mudar versão de músicas e histórias apenas por mudar não faz sentido algum. O que vale é falar sobre problemas sociais e mostrar que eles existem e estão no nosso dia e que para se acabar com os problemas se deve conhecê-los e discutir sobre eles.

Vivemos em um mundo no qual a informação chega muito mais rápido do que se pode imaginar. Mas o que se fazer com tantas informações? Aceitamos? Acreditamos? Engolimos? Não seria melhor discutir, analisar e saber criticar? O politicamente correto também exagera, também erra. O que devemos é saber colocar na balança o que de fato prejudica e o que de fato é correto. Vamos aproveitar o que é bom e deixar de lado o resto. Histórias, músicas, teorias devem ser aceitas e analisadas pensando no momento em que foram criadas e nos seus objetivos. Algumas, de fato, deve-se questionar, outras, no entanto, não faz o mínimo sentido questionar e, modificar, muito menos.

Meu Cravo e minha Rosa vivem suas crises em todas as cirandas. Por que não aproveitar a música e falar de conflitos, agressividade e parar de se preocupar com o certo e o errado? É pensar em cantar algo que foi feito em uma outra época ou, para os incomodados, é apenas não cantar...Aff!!

Discriminar alguém por idade, cor, orientação sexual, raça, etc., ou menosprezar qualquer atividade profissional FOI, É e SERÁ preconceito. Gente, basta pensar antes de falar! Isso ajuda bastante. Quem não tem preconceitos levante a mão. Alguém levantou? Sendo assim, o politicamente correto tem seu lugar se soubermos por que o estamos aplicando. Desta maneira, ele sempre será bem vindo. Quanto ao preconceito...vamos aprendendo a lidar com ele até superá-lo! Mas, o que é preconceito? Sempre ouvimos falar nessa palavra, mais afinal de contas o que ela realmente significa?

O preconceito não passa de um conceito que criamos antes de saber o que aquilo realmente é. Por esse falso conceito muitas vezes maltratamos o próximo e nem pensamos nas conseqüências daquele ato. No mundo existem muitas formas de preconceitos, o mais comum, porém, originam-se no fato de a pessoa ser de uma etnia diferente, ou por ter uma religião diferente da nossa, por ter a cor da pele diferente, por ser de outra classe social, por ter orientação diferente, entre outros (por Gina Carla Reis).
*
Imagem: O cravo e a rosa, por Felipe Camperlingo.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Poema Falado: O Menino Jesus

Mais um Natal se aproxima. Mais uma vez votos de prosperidade são desejados aos corações de boa vontade. Entretanto, fico a pensar se pode haver, de fato, prosperidade em meio a tanta ignorância. Não me refiro à ignorância do saber, mas, sim, à ignorância de sabedoria. Explico. Ao se fazer carne e sangue, o Verbo nos ensinou que o amor é o único caminho. Amai-vos uns aos outros, esse foi o legado do Verbo. Mas será que tal legado é vivido por aqueles que se dizem cristãos? Se sim, por que, a despeito de toda a tecnologia e de tanto dinheiro (concentrado nas mãos de poucos é verdade), a fome é, ainda, um flagelo presente na história da humanidade? Arrisco dizer que o desamor nos leva a abandonar seres humanos a tão amarga sorte. O Poema Falado deste mês de dezembro, época em que os cristãos de todo o mundo comemoram o nascimento do Menino Jesus, o Verbo encarnado, propõe uma reflexão. De autoria da extraordinária Adélia Prado, o texto nos diz: “Sofri sozinha este insuportável, / quando me trouxeram o menino / que parecia dizer/ ‘me pega, diz que não sou órfão, / que tenho pai e mãe, / me fala que não sou um usurpador’. / Atracou-se comigo até dormir. / Mesmo rígida, / fui sua cruz mais branda”. Faço votos de que no ano que se aproxima ninguém se sinta um órfão ou um usurpador. Boa vídeo-leitura (por Sílvio Benevides).


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Imagem: This is África, por José Ferreira.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Assaltos a bancos crescem 61% na Bahia

O número de roubos a bancos teve considerável aumento no primeiro semestre na Bahia, principalmente nas cidades do interior. De janeiro a junho foram registrados 30 assaltos em todo o Estado. Somente no interior foram 26 ocorrências. Fortemente armados e com esquemas operacionais que chegam a serem parecidos com os vistos nos filmes de Hollywood, os criminosos aproveitam a falta de segurança das instituições bancárias e o pouco efetivo policial de alguns municípios para realizarem os furtos, aterrorizando clientes e funcionários. Os dados não mentem. De acordo com o Centro de Documentação e Estatística Policial (CEDEP) o número de assaltos às agências na Bahia teve aumento de 61% em relação ao mesmo período de 2009 (Fonte: Jornal do Cliente, informativo do Sindicato dos Bancários da Bahia – Agosto/2010).

Imagem: Isso é um assalto, por Joaquim Silva.

Medo e insegurança em Salvador

Eu sempre acreditei que aprendemos com as experiências que vivenciamos, sejam quais forem. Entretanto, recentemente, descobri que existem algumas que não nos ensinam nada. Não aprendi nada com experiência que vou relatar. Estava eu, tranquilamente, aguardando minha vez na fila de um banco quando de repente só se escutavam gritos. Um barulho danado e surge na minha frente um homem trajando um macacão laranja, se passando por um trabalhador de obras públicas com uma pistola prata na mão e gritando: TODO MUNDO NO CHÃO! Ele olhava dentro do meu olho e mostrando sua cara. Não apresentava nenhum medo na ação. Apenas repetia: TODO MUNDO NO CHÃO! E NINGUÉM PEGA CELULAR OU LEVA BALA! Parecia cena em câmera lenta e ao mesmo tempo acelerada. Eu, já no chão, não via mais nada, apenas ouvia e sentia meu coração disparado e pensava: “será que sairemos bem”? Pessoas eram ameaçadas e agredidas. Os bandidos queriam o gerente, gritavam. Queriam o dinheiro do cofre e gritavam, gritavam...

Era um filme (REAL) que ninguém sabia o final. Pior, não vimos o começo, estávamos todos no meio do filme intitulado PESADELO. Tudo muito rápido. Muita agressividade. Medo, pânico, violência e o mais terrível, a incerteza de como aquilo terminaria. Talvez 10 minutos de terror que pareceram horas. Não acabava. O mais “incrível” é que eu rezei para a polícia não chegar, pois eu tinha apenas uma certeza no momento: se a polícia chegasse, de certo, ocorreria um tiroteio. Um instante... Fez-se silêncio. “Levantem, acabou”. “Vocês estão bem? Alguém machucado”?

Alguns funcionários agredidos e abalados, pessoas foram assaltadas, pessoas estavam nervosas, mas havia acabado e eu estou aqui contando, escrevendo, me livrando desse momento. Quero apenas poder dormir e acordar bem. A polícia chegou 30 minutos depois e os bandidos já tinham ido embora. Estávamos vivos! Quem perdeu dinheiro ficou para esclarecimentos à polícia e quem nada perdeu foi liberado. Livres, mas os bandidos estão livres também. Para que serviu essa experiência (experiência?!)? Qual a minha contribuição para mudar essa situação? O que fazer? INSEGURANÇA! TENHO MAIS MEDO! (por Gina Carla Reis)

Imagem: Medo, por Francis Leonardo Cirino.

Ao menos nos resta a POESIA

Para quem acredita que escrever exorciza. Para quem acredita que brincar de poesia ajuda a suportar melhor certas "experiências". Para você, que poderia ser qualquer uma ou um de nós, digo que ainda nos resta a POESIA.

E se os gritos fossem de alegria
E se quando tirassem o macacão, saltassem palhaços
E se a pistola fosse uma flor
E quando deitasse no chão, você dormisse
E ao gritarem: “chamem o gerente”
Ouvisse: “chama, gente!”
E os corações acelerassem e acordassem
Tanta gente se cumprimentando
E a vida no castelo continuasse
Enfim,
O feitiço acabou.

Essa postagem é de autoria da Sumaia Leão com base no relato escrito por Gina Carla Reis. Ele nos revela que é possível, sim, acreditar que algum dia o bem triunfará, enfim. Antes, porém, será preciso contaminar o mundo e a humanidade com o vírus da Poesia.
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Imagem: Borboleta no Pampilho, por Jorge Freitas Soares

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Utopias para um futuro presente

Com este tema, a X Edição do Mercado Cultural buscará um aprofundamento da sua missão histórica de reflexão e ação, troca de experiências e difusão de ideias e projetos criativos. Nesta oportunidade, iremos ao encontro da pergunta e da busca de respostas para questões que afetam todo o planeta.

A cultura do medo, presente nas organizações e na sociedade, afeta até as crianças e os jovens que temem a violência, a falta de trabalho e a devastação ambiental. Que alternativas temos para estes temores? Como encaminhar os nossos anseios por uma cultura de paz, respeito à diversidade cultural e preservação da biodiversidade? Como estimular e difundir práticas inovadoras e soluções? Como construir referências para um convívio sincero e ético? Como embasar as nossas ações no ser e não no ter?

O X Mercado pretende reunir artistas, educadores, filósofos, historiadores, sociólogos, ambientalistas e outros participantes da comunidade de ativistas e intelectuais que engendram propostas e soluções para um futuro que já bateu às nossas portas, por isso presente.

Aparentemente grandes estas questões serão abordadas também através das soluções cotidianas, apontadas pelos fazeres e saberes das comunidades envolvidas: músicos e agricultores, filósofos e atores, escritores e comerciantes, professores e poetas, sonhadores e sambadores – todos na grande assembléia anual do X Mercado Cultural.

Em Salvador o X Mercado Cultural acontecerá de 02 a 05 de dezembro no Teatro Castro Alves. Como sempre, artistas de vários países se apresentarão, entre eles, Matthias Loibner (Áustria), Coetus (Espanha), Noreum Machi (Coréia), Komanti (Guiana Francesa) e Oudaden (Marrocos) e o Balé do Teatro Castro Alves (Brasil). O Salvador na sola do pé saúda o X Mercado Cultural que virá para alegrar e exaltar esta cidade exausta de contemplar tanto lixo (Fonte: Mercado Cultural).

Utopias for a Present Future

With this theme, the X Edition of the Mercado Cultural seeks to deepen into its historic mission of reflection and action, experience exchange and creative ideas and projects diffusion. At that time, we will move towards the question and the seeking of answers to matters which affect the whole planet.

The culture of fear, present within organizations and society, affects even children and young people who fear violence, unemployment and environmental devastation. Which alternatives do we have to these dreads? How can we forward our anxieties for a culture of peace, respect towards cultural diversity and preservation of biodiversity? How can one stimulate and diffuse innovative practices and solutions? How can one build references for a sincere and ethical relationship? How can we base our actions on being and not owning?

The X Mercado intends to unite artists, educators, philosophers, historians, sociologists, environmentalists and other participants from the community of activists and intellectuals which produce alternatives and solutions for a future that has already knocked on our doors, therefore present.

Apparently big, these issues will be addressed also through daily life solutions, pointed out by the actions and wisdoms of the communities involved: musicians and farmers, philosophers and actors, writers and traders, teachers and poets, dreamers and sambadores – all at the great annual assembly of the X Mercado Cultural.

In Salvador the X Mercado Cultural will happen from 02 to 05 of December in the Castro Alves Theatre. As always, artists from many countries could be seen, between them, Matthias Loibner (Austria), Coetus (Spain), Noreum Machi (Korea), Komanti (French Guiana) e Oudaden (Morroco) and Castro Alves Theatre Ballet Group (Brazil). The Salvador na sola do pé greets the X Mercado Cultural that will come to gladden and to elevate this city impregnated of trash (Source: Mercado Cultural).
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Imagem: The child in us, by Sergi Barisashvili

Vergonha!

O Museu da Memória no Chile agregou ao seu arquivo milhares de documentos que confirmam apoio dos EUA ao golpe militar e ao posterior governo de do ditador Augusto Pinochet. Na verdade essa documentação apenas afirma o que as esquerdas latino-americanas afirmavam desde os idos anos da década de 1960, ou seja, que o governo estadunidense participou de forma direta nos sucessivos golpes e regimes de exceção que varreram toda a América Latina do México à Argentina. Uma vergonha para uma nação que se diz defensora das liberdades democráticas e se arvora em alardear ter a democracia como princípio norteador basilar.

O apoio norte-americano ao golpe militar que derrubou o Presidente chileno Salvador Allende, a 11 de Setembro de 1973, não é um tema inédito, mas agora há dados novos. O Museu da Memória e dos Direitos Humanos em Santiago do Chile acaba de receber mais de 20.000 documentos desclassificados que trazem novas informações sobre o envolvimento dos EUA no golpe que deu início à ditadura de Pinochet.

“Desejamos que o seu governo seja próspero. Queremos ajudá-lo e não obstruir o seu trabalho”. Estamos em Junho de 1976, passaram já quase três anos após o bombardeamento do Palácio de La Moneda em Santiago e a morte de Allende. O secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger prepara-se para fazer um discurso na Organização dos Estados Americanos sobre direitos humanos, mas antes volta-se para o general Augusto Pinochet e manifesta-lhe o seu apoio. Depois acrescenta: “Está a ser vítima de todos os grupos de esquerda do mundo e o seu maior pecado não foi outro senão derrubar um governo que se converteu ao comunismo”.

Esta conversa entre o secretário de Estado norte-americano e o ditador chileno, que ontem foi citada pelo diário espanhol “El Mundo”, é uma das que se encontram transcritas nos documentos que agora passaram a fazer parte dos arquivos do Museu da Memória. Mas nos mais de 20.000 documentos entregues pelo director do projecto dedicado ao Chile no arquivo da Universidade George Washington, Peter Kornbluh, é também expressa “de forma muto clara” a intervenção da Administração do Presidente Richard Nixon.

Peter Kornbluh, autor de várias obras sobre a ditadura chilena, adiantou ao “El Mundo” que Kissinger “foi o arquitecto do programa para derrotar Allende entre 1970 e 1973”. Alguns dos documentos agora disponibilizados, cerca de 2000, provêem da CIA, enquanto outros são transcrições de conversas de Kissinger ou informações sobre como Pinochet e o chefe da polícia secreta Chile DINA, Manuel Contreras, tentaram encobrir o assassínio em Washington do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Allende, Orlando Letelier.

Kornbluh considera que os documentos serão um contributo para os processos judiciais sobre violações de direitos humanos na ditadura que se prolongou até 1990 e em que foram mortos mais de 3000 opositores (por Isabel Gorjão Santos para o Público 20).
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Imagem: Bandeira do Chile

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Envelhecer é uma BENÇA

Envelhecer. Verbo transitivo direto que significa tornar-se velho ou mais velho. Em sentido figurado pode, também, ser entendido como fazer perder ou perder o viço, o frescor, o brilho, o colorido, ou, ainda, tornar-se desusado, fora de moda ou sem emprego, sem serventia. Como quer que o termo seja empregado, envelhecer não é nada fácil. Nunca foi. Entretanto, nos dias que correm envelhecer parece ser ainda mais difícil do que já fora em épocas pretéritas.

Ao contrário do que acontecia nas sociedades pré-modernas, mais apoiadas na tradição, o envelhecimento nas sociedades modernas e industrializadas passou a ser uma experiência mais e mais isolada da vida social. De acordo com o sociólogo alemão Norbert Elias, o que antes se constituía numa experiência mais pública, vivenciada no domínio da família extensa, incluindo, em alguns casos, até mesmo vizinhos, na modernidade tornou-se uma experiência solitária e excludente. Embora nas sociedades contemporâneas o Estado proteja mais o idoso, da violência física óbvia, por exemplo, ao mesmo tempo estas sociedades o isolam, pois envelhecer, hoje, é quase um desvio de caráter. Ostentar e exibir a velhice, mesmo saudável, passou a ser uma afronta ou, em alguns casos, uma atitude de mau gosto.

Não é por acaso que isso ocorre. Ainda de acordo com Norbert Elias, envelhecer e morrer indicam que o controle humano sobre a natureza e, também, sobre a vida, tem limites. Envelhecer e morrer, portanto, nos põem em contato direto com esses limites e, mais, ainda, com o fim. Segundo Elias, “não é fácil imaginar que nosso próprio corpo, tão cheio de frescor e muitas vezes de sensações agradáveis, pode ficar vagaroso, cansado e desajeitado. Não podemos imaginá-lo e, no fundo, não o queremos. Dito de outra maneira, a identificação com os velhos e com os moribundos compreensivelmente coloca dificuldades especiais para as pessoas de outras faixas etárias. Consciente ou inconscientemente, elas resistem à idéia de seu próprio envelhecimento e morte tanto quanto possível” (Envelhecer e morrer, 2001:80).

Sendo assim, do mesmo modo que Norbert Elias afirmou que “a morte é um problema dos vivos”, podemos dizer que o envelhecimento é um problema dos jovens. E é precisamente esse um dos principais temas abordados pelo espetáculo BENÇA, do Bando de Teatro Olodum, em cartaz no Teatro Vila Velha até o dia 28 de novembro.

Escrito e dirigido por Márcio Meirelles, o espetáculo Bença discute, entre outras coisas, a experiência do envelhecimento nos seus mais variados aspectos. As mudanças do corpo, a gradual perda nas sociedades atuais de poder e status das pessoas que envelhecem, a vivência e experiência acumuladas, os cabelos brancos que proliferam, a sabedoria que prospera. Sabedoria manifestada por meio de opiniões reveladas, de visões de mundo formadas ao longo do tempo, de histórias contadas de pais para filhos e assim por diante. O espetáculo que nos envolve bem devagar, feito uma brisa marinha nas tardes de janeiro, nos ensina que envelhecer e morrer não é o fim para quem constrói sua vida sobre o chão das suas tradições, do amor, do respeito e da dignidade. Valores estes outrora tão bem cultivados pelas sociedades tradicionais, a exemplo das comunidades do candomblé, que, hoje, porém, estão paulatinamente a se perder em nome de uma modernidade vazia. Pedir “bença” aos mais velhos não é anacronismo. É, isto, sim, respeito às nossas raízes e histórias que nos formaram, ao nosso passado, enfim, sem o qual não pode haver o porvir. Pedir “bença” significa reconhecer que fazemos parte da linha contínua do tempo que se transforma, mas nunca se esgota. Por isso jamais morremos. Parabéns ao Banto de Teatro Olodum por tão belíssimo e inesquecível espetáculo (por Sílvio Benevides).
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BENÇA - Concepção, encenação, cenário e texto: Márcio Meirelles / Co-direção: Chica Carelli / Coreografia: Zebrinha / Direção musical e programação de bases: Jarbas Bittencourt / Preparação de canto: Marcelo Jardim / Figurino e adereços: Zuarte Júnior / Costureiras: Ruth Brito Cunha e Sarai Santos / Iluminação: Filipe Pires / Imagens e edição: Maíse Xavier, David Gabiru e Banto de Teatro Olodum / Músicos: Maurício Lourenço e Daniel Vieira (Nine) / Elenco: Arlete Dias, Auristela Sá, Cássia Valle, Cell Dantas, Clésia Nogueira, Ednaldo Muniz, Elane Nascimento, Fábio Santana, Gerimias Mendes, Jamíle Alves, Jorge Washington, Leno Sacramento, Merry Batista, Rejane Maia, Rídson Reis, Sergio Laurentino, Telma Souza e Valdinéia Soriano.
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Imagem: Cartaz do espetáculo Bença. Foto: João Meirelles. Programação visual: Camilo Fróes.

domingo, 7 de novembro de 2010

Poema Falado: Se eu morresse amanhã

Não é a primeira vez que o tema morte aparece nesse espaço. Como já foi dito em outra ocasião, morrer é um verbo intransitivo que denota perda da vida, da existência. Para uns morrer é o fim, conforme definiu Heidegger ao escrever que a morte é a “nulidade possível das possibilidades do homem e de toda forma do homem”. Para outros, porém, morrer significa renascer para outra vida, como a borboleta renasce quando morre o casulo, a semente ao germinar a árvore ou o ovo ao romper-se em ave. Seja como for, ninguém é indiferente à morte, a única e inexorável certeza de nossas existências. No mês em que se homenageiam todos aqueles que se foram e deixaram profundas saudades, o Poema Falado trás o texto “Se eu morresse amanhã”, escrito por Álvares de Azevedo: “Se eu morresse amanhã, viria ao menos / Fechar meus olhos minha triste irmã; / Minha mãe de saudades morreria / Se eu morresse amanhã! /Quanta glória pressinto em meu futuro! / Que aurora de porvir e que manhã! / Eu perdera chorando essas coroas / Se eu morresse amanhã! / Que sol! que céu azul! que dove n'alva / Acorda a natureza mais loucã! / Não me batera tanto amor no peito / Se eu morresse amanhã! / Mas essa dor da vida que devora / A ânsia de glória, o dolorido afã... / A dor no peito emudecera ao menos / Se eu morresse amanhã”. Característico do período romântico, o texto é dito pelo saudoso Paulo Autran e vem acompanhado da maravilhosa música do André Sperling, Tristes Dias. Boa leitura audiovisual (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Differences, by Nishant Nischal

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Dilma Rousseff eleita presidente do Brasil

O Brasil elegeu ontem, 31 de outubro de 2010, a primeira mulher presidente: Dilma Rousseff, que venceu a disputa eleitoral com 56,05% dos votos válidos. Seu adversário do PSDB, José Serra, teve 43,95%.

Dilma Rousseff afirmou em seu primeiro pronunciamento como presidente eleita que fará um governo com foco na erradicação da pobreza, no fortalecimento da economia nacional e não poupará esforços para desencadear uma reforma política que eleve os valores republicanos. A nova presidente do Brasil abriu seu discurso assumindo o compromisso de “honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural”, afirmou.

No decorrer do seu pronunciamento, Dilma Rousseff fez questão de frisar que o compromisso fundamental do seu governo será a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros. “Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem. Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte. A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida”, enfatizou.

A presidente também discorreu sobre sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o período em que esteve à frente do Ministério de Minas e Energia e, posteriormente, da Casa Civil. “Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu país e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida. Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós. Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta”, finalizou.

Mas o momento mais contagiante do pronunciamento da Dilma Rousseff foi quando ela fez menção ao seu passado de luta contra a ditadura militar. “Quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade [...] Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”. Espero que os imbecis de plantão guardem bem essas palavras e parem, de uma vez por todos, de depreciar nossa história, nossa gente e nossa democracia, comparando-a a aberrações como o nazismo. Que o Brasil e todo o seu povo tenham sido os grandes vitoriosos desse processo eleitoral que ontem se encerrou e que continuem a ser os vencedores ao longo dos quatro anos que estão por vir, afinal, como escreveu o filósofo grego Aristóteles, um governo exercido de forma apropriada é aquele cujas ações visam o bem comum, isto é, que promovem o bem-estar de todos os membros da comunidade, permitindo-lhes exercer seus potenciais próprios e, também, viver uma vida virtuosa, plena de realizações. É isso que espero do governo da primeira mulher eleita presidente do Brasil (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Roberto Stuckert Filho

Adeus não! Até breve?!

Em seu pronunciamento após a divulgação oficial do resultado das eleições, o candidato derrotado José Serra (PSDB) declarou: “Minha mensagem de despedida nesse momento não é um adeus, mas um até logo. A luta continua, viva o Brasil”. Que a luta continua, não nos resta a menor dúvida. Para o bem da sociedade brasileira e para nossa democracia é bom que ela jamais cesse. Entretanto, tudo indica que o até logo do Serra é tão provável quanto a seleção haitiana de futebol se consagrar campeã na Copa de 2014.

Ser derrotado em uma eleição não significa, necessariamente, dizer adeus à política profissional. Na história da nossa República existem exemplos que comprovam essa premissa. O mais notório deles, sem dúvida, é o próprio Lula, que se elegeu presidente após três derrotas eleitorais consecutivas. Contudo, no caso do Serra os caminhos a trilhar pelo partido deverão ser outros, caso o PSDB queira, de fato, continuar lutando.

A campanha feita pelo PSDB foi uma das mais grotescas, talvez, a mais grotesca, da história política do Brasil. Ao optar pelas baixarias de toda espécie e aos ataques pessoais sem nenhum fundamento, o partido deu um tiro no próprio pé. Para quem assistia o horário eleitoral, parecia que o PSDB não tinha nenhuma proposta para apresentar ao país. A imagem era a de um partido vazio de ideias e ideais políticos. Ademais, ao ignorar o papel do Fernando Henrique Cardoso na história política do Brasil, o PSDB deixou a impressão que uma prática muito comum no partido é cuspir no prato no qual se como e se comeu. Um vexame!

Como se não bastasse tudo isso, novas lideranças despontam como forças importantes dentro e fora do partido, a exemplo do Aécio Neves e do Beto Richa, conforme escreveram os jornalistas Catia Seabra e Breno Costa para o Folhapress: “Sem enfrentar resistência de um Geraldo Alckmim mergulhado no governo de São Paulo, Aécio trabalhará para atrair tucanos. Na última sexta, logo após o debate da Globo, Aécio fez uma avaliação sobre a campanha do Serra: “Não se faz campanha sem emoção”. Outro tucano que desponta no cenário nacional, o governador eleito do Paraná, Beto Richa, se dedicará à tarefa de administrar o Estado. Para evitar uma crise no calor da eleição, a escolha do novo presidente do PSDB foi adiada em seis meses, de novembro para maio de 2011. Além da chamada despaulistanização, o partido discutirá a reconstrução da sua imagem”.

Espero que a lição tenha sido aprendida e apreendida. O marketing político, tão ovacionado nas eleições contemporâneas, nada mais é do que um mero meio e, não, um fim, pois política se faz com ideias e ideais, ou seja, com convicções, como bem disse o Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Isto é nº 2130: “O que é política? É você ter convicções e tentar fazer que os outros tenham as mesmas que você. Veja o que aconteceu no caso do Obama. Quem tinha os recursos, a máquina toda, era a Hillary, mas ele sintonizou com o país em dado momento. O Lula também está sintonizado neste momento”. Perguntado se a “marquetagem” atrapalha, não teve dúvida. “Atrapalha. O povo não te pega. Por exemplo, eles (os profissionais de marketing) fizeram o Lula ficar calado um ano, no início do governo, para não dizer bobagem. Quando o Lula começou a falar, ele ganhou. Estamos fazendo campanhas engessadas”. O recado está dado pelo Fernando Henrique Cardoso e pelos eleitores do Brasil. Da próxima vez, esperamos mais convicções e nenhuma baixaria (por Sílvio Benevides).
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Imagem: NANI

Vitória e derrota deixam lições para a cidadania

Dizem os reflexivos que a derrota ensina mais que a vitória. Desconte-se o caráter de compensação desta idéia, pois a verdade é que a eleição concluída ontem deixa muitas lições tanto para a vencedora Dilma Rousseff, quanto para o derrotado José Serra. Representantes dos respectivos projetos políticos do PT e do PSDB, Dilma e Serra terão perdido uma grande oportunidade de impulsionar o crescimento, em todos os sentidos, do Brasil se fecharem os ouvidos aos recados das urnas: o eleitor não quer que se anulem as diferenças entre o vencedor e o derrotado, mas não aceita que o país seja objeto de personalismos e de cisões religiosa, moral ou mesmo ideológica.

“Agora, a gente vai testar melhor ainda a nossa capacidade de se reunir em torno do projeto e não em torno de uma pessoa”, traduziu o governador Jacques Wagner (PT) a grande missão do seu partido. “Esta é a missão mais importante da minha vida”, proclamou a primeira mulher presidente do Brasil em seu pronunciamento (ver na íntegra abaixo) após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar a vitória. “Que este fato inédito se torne natural”, assinalou Dilma.

Os oposicionistas elegeram onze governadores. Só o PSDB elegeu oito governadores nos dois turnos. Serra promete uma oposição qualificada, mas não esconde propósitos e anuncia o início de “uma luta de verdade”. Que ambos, vencedora e derrotado, tenham consciência das suas graves responsabilidades. Assim, como o povo baiano que ontem foi para as ruas comemorar, mas que a partir de hoje já espera para seus grandes problemas respostas equivalentes à expressiva vitória, de 70,85% dos votos, que concedeu à primeira presidente do Brasil (por Adilson Borges para o A Tarde).
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Imagem: Lula e Dilma Rousseff por SIMANCA.

Íntegra do pronunciamento da presidente eleita Dilma Rousseff

Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui. Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida. Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode! Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

- Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.

- Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa.

- Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto.

- Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição.

- Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões. O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família. É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.

Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.
Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte. A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro. Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas. Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável. Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos. Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública. Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público. Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo. Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros. As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades. Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.

Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais. Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança. O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas. Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas. Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde. Me comprometi também com a melhoria da segurança pública. Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos. Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo. A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade. É aquela que convive com o meio ambiente sem agredi-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa. Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental. Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política. Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei. Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho. Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento. Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida. Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós. Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado. Saberei consolidar e avançar sua obra. Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo. Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união. União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país. Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país. Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela. Muito obrigada (por Dilma Rousseff, Presidente do Brasil)!
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Imagem: Pronunciamento de Dilma Rousseff em 31.10.2010 - por Ichiro Guerra.

Quem?

Desconfio de que já contei esta história em crônica muito antiga, mas de forma incompleta. Agora, com a proximidade das eleições, acredito que ela deva ser relembrada. O escritor Álvaro Lins foi editorialista do “Correio da Manhã”, chefe da Casa Civil na Presidência de JK e embaixador em Portugal, onde, aliás, criou um caso internacional dando asilo a um adversário do regime salazarista. Muitos o consideram o crítico literário mais completo do Brasil. Sua entrada na Academia Brasileira de Letras foi uma noite memorável, pois chegou atrasado duas horas para a cerimônia.

Em Lisboa, ele decidiu visitar a Suíça, sendo ali recebido com todas as honras. Na manhã do seu primeiro dia em Genebra, depois de ler os jornais locais, deu um giro pela cidade em companhia de um funcionário do governo. Andou pelas ruas, de carro e a pé. Em dado momento, comentou: “Li nos jornais que hoje é dia de eleições gerais. Mas não estou vendo nenhum movimento especial, nenhuma fila, nenhum posto eleitora”. O funcionário explicou: “Senhor embaixador, hoje, realmente, é dia de eleições gerais, e elas estão se processando normalmente”.

“Mas como? Não vejo nenhum movimento… nenhuma fila… parece um dia qualquer. “Não precisamos de filas. Cada quarteirão tem uma urna em local determinado. O eleitor chega e deposita sua cédula. À meia-noite, as urnas são recolhidas e, no dia seguinte, o resultado é proclamado.”

Álvaro Lins ouviu, abaixou a cabeça, pensou um pouco e perguntou: “Mas digamos… um eleitor pode depositar na mesma urna ou em outras muitas cédulas de um só candidato, dez, vinte… cem… e aí como é que fica?” Foi a vez de o funcionário suíço ficar espantado: “Mas senhor embaixador, QUEM faria isso?” ( por Carlos Heitor Cony para Folha de S. Paulo, 30.09.10)
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Imagem: Anjo Palhaço, por DDi Arte.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Onde vamos parar com tanta violência?

Não é novidade para ninguém que a violência se tornou um dos mais graves problemas das sociedades contemporâneas. A sensação de medo e insegurança aumenta a cada dia. No Brasil, por exemplo, é muito comum ouvir relatos de pessoas que já sofreram ou presenciaram atos de violência seja em casa, na rua, na escola, no trabalho ou nos espaços reservados para o lazer.

Como se já não bastassem as velhas e tão conhecidas formas de violência contra a pessoa humana, novas modalidades estão a surgir, sobretudo, nos grandes centros urbanos do mundo, graças ao desenvolvimento tecnológico, que tem possibilitado a criação de armas muito sofisticadas e de altíssima periculosidade como fitinhas feitas com papel crepom, confetes, serpentinas, rolinhos de fita adesiva, copinhos de plástico e bolinhas de papel, entre outros armamentos com enorme potencial destrutivo.

Dos Estados Unidos nos chegam relatos sobre serial killers que têm utilizado fitinhas feitas com papel crepom para estrangular suas vítimas. A gravidade da situação levou o Congresso estadunidense a discutir um projeto de lei que visa dificultar a venda desse tipo de material. Do outro lado do Atlântico, na Espanha, o governo proibiu o uso de confetes e serpentinas após uma série de atentados praticados com esses perigosos artefatos em diversos prédios públicos de Barcelona e Madrid. Desconfia-se que grupos separatistas sejam os responsáveis por esses atos criminosos, mas nenhum deles, até hoje, assumiu a autoria desses atentados. O fato é que os espanhóis estão em pânico, pois nunca se sabe quando os terroristas voltarão a atacar.

Em Angola, país da costa ocidental africana, um estudante de 15 anos foi internado em estado grave após ter pisado acidentalmente em uma mina confeccionada com rolinho de fita adesiva. Apesar de o jovem ter sobrevivido, sua perna esquerda teve de ser amputada. Enquanto em Angola os rolinhos de fita adesiva mutilam milhares de pessoas, no Zimbabwe, país da África Austral, os copinhos de plástico são o problema. Na última semana uma mulher foi presa após ter atingido mortalmente a cabeça do seu marido com um copinho de plástico transparente. As autoridades policiais do país revelaram que é cada vez maior o número de homicídios praticados com copos plásticos de todas as cores. Por esse motivo, o governo local proibiu a fabricação e importação dessa perigosa arma, considerada por muitos especialistas como armas de destruição em massa.

No Brasil, tudo leva a crer que bolinhas de papel são as responsáveis pela drástica redução da população de tucanos. Estas aves bicudas ao serem atingidas pelas tais bolinhas costumam sofrer um forte abalo sísmico. A tontura que as acomete pode levá-las à morte em poucos minutos. Felizmente, os avanços na medicina veterinária têm possibilitado novos tratamentos à base de tomografia computadorizada, que permite uma sobrevida maior aos penosos bichinhos. Espero que o governo brasileiro não fique de braços cruzados frente à tão grave fato. Por enquanto, são apenas os tucanos os atingidos. E quando as bolinhas passarem a atingir cidadãos de bem, como é que vai ficar? Essa nova modalidade de violência precisa ser severamente combatida antes que seja preciso convocar as forças armadas para que os brasileiros possam caminhar em paz pelas ruas de suas cidades sem correr o risco de serem abatidos por uma bolinha de papel perdida (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Charge do NANI.

Em defesa do laicismo do Estado brasileiro

Uma democracia forte exige que o Estado seja autônomo, isto é, suas ações e decisões não podem estar subordinadas a interesses particularistas ou individuais. O Estado é uma instituição que representa a coletividade, a sociedade. Deste modo, os interesses da sociedade, assim como os valores que ela defende, devem ser a prioridade e os princípios norteadores do Estado. Se, por exemplo, a sociedade defende os Direitos Humanos como um valor supremo, o Estado deve tratar esse valor da mesma maneira. Por isso, o Estado deve ser laico e esse laicismo é fundamental para a construção e fortalecimento da democracia. Semana passada o Salvador na sola do pé discutiu essa questão na postagem “Que país é esse”. Nesta semana, volta ao mesmo tema, divulgando a Carta aberta da ABGLT às candidaturas de Dilma Roussef e José Serra, para demonstrar a importância do laicismo para a edificação de uma sociedade mais justa, mais plena e menos violenta. Diz a carta:
Prezada Dilma e Prezado Serra,

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT é uma entidade que congrega 237 organizações da sociedade civil em todos Estados do Brasil. Tem como missão a promoção da cidadania e defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero.

Assim sendo, nos dirigimos a ambas as candidaturas à Presidência da República para pedir respeito: respeito à democracia, respeito à cidadania de todos e de todas, respeito à diversidade sexual, respeito à pluralidade cultural e religiosa.

Respeito aos direitos humanos e, principalmente, respeito ao laicismo do Estado, à separação entre religião e esfera pública, e à garantia da divisão dos Poderes, de tal modo que o Executivo não interfira no Legislativo ou Judiciário, e vice-versa, conforme estabelece o artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Nos últimos dias, temos assistido, perplexos, à instrumentalização de sentimentos religiosos e concepções moralistas na disputa eleitoral.

Não é aceitável que o preconceito, o machismo e a homofobia sejam estimulados por discursos de alguns grupos fundamentalistas e ganhem espaço privilegiado em plena campanha presidencial.

O Estado brasileiro é laico. O avanço da democracia brasileira é que tem nos permitido pautar, nos últimos anos, os direitos civis dos homossexuais e combater a homofobia. Também tem nos permitido realizar a promoção da autonomia das mulheres e combater o machismo, entre os demais avanços alcançados. O progresso não pode parar.

Por isso, causa extrema preocupação constatar a tentativa de utilização da fé de milhões de brasileiros e brasileiras para influir no resultado das eleições presidenciais que vivenciamos. Nos últimos dias, ficou clara a inescrupulosa disposição de determinados grupos conservadores da sociedade a disseminar o ódio na política em nome de supostos valores religiosos. Não podemos aceitar esta tentativa de utilização do medo como orientador de nossos processos políticos. Não podemos aceitar que nosso processo eleitoral seja confundido com uma escolha de posicionamentos religiosos de candidatos e eleitores. Não podemos aceitar que estimulem o ódio entre nosso povo.

O que o movimento LGBT e o movimento de mulheres defendem é apenas e tão somente o respeito à democracia, aos direitos civis, à autonomia individual. Queremos ter o direito à igualdade proclamada pela Constituição Federal, queremos ter nossos direitos civis, queremos o reconhecimento dos nossos direitos humanos. Nossa pauta passa, portanto, entre outras questões, pelo imediato reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e pela criminalização da discriminação e da violência homofóbica.

Cara Dilma e Caro Serra, por favor, voltem a conduzir o debate para o campo das ideias e do confronto programático, sem ataques pessoais, sem alimentar intrigas e boatos.

Nós da ABGLT sabemos que o núcleo das diferenças entre vocês (e entre PT e PSDB) não está na defesa dos direitos da população LGBT ou na visão de que o aborto é um problema de saúde pública.

Candidato Serra: o senhor, como ministro da saúde, implantou uma política progressista de combate à epidemia do HIV/Aids e normatizou o aborto legal no SUS. Aquele governo federal que o senhor integrou também elaborou os Programas Nacionais de Direitos Humanos I e II, que já contemplavam questões dos direitos humanos das pessoas LGBT. Como prefeito e governador, o senhor criou as Coordenadorias da Diversidade Sexual, esteve na Parada LGBT de São Paulo e apoiou diversas iniciativas em favor da população LGBT.

Candidata Dilma: a senhora ajudou a coordenar o governo que mais fez pela população LGBT, que criou o programa Brasil sem Homofobia, e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, com diversas ações. A senhora assinou, junto com o presidente Lula, o decreto de Convocação da I Conferência LGBT do mundo. A senhora já disse, inúmeras vezes, que o aborto é uma questão de saúde pública e não uma questão de polícia.

Portanto, candidatos, não maculem suas biografias e trajetórias. Não neguem seu passado de luta contra o obscurantismo.

A ABGLT acredita na democracia, e num país onde caibam todos seus 190 milhões de habitantes e não apenas a parcela que quer impor suas ideias baseadas numa única visão de mundo. Vivemos num país da diversidade e da pluralidade.

É hora de retomar o debate de propostas para políticas de governo e de Estado, que possam contribuir para o avanço da nação brasileira, incluindo a segurança pública, a educação, a saúde, a cultura, o emprego, a distribuição de renda, a economia, o acesso a políticas públicas para todos e todas (por ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)!
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Imagem: Charge do Benett.

Difícil entender

Entender a política do ponto de vista das Ciências Sociais não é tarefa das mais difíceis ou complicadas. Todavia, compreender sua dinâmica do ponto de vista prático é algo bastante difícil, talvez, impossível. Tomemos como exemplo a campanha eleitoral do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para a Presidência da República. O candidato José Serra alardeia aos quatro cantos do país que fez a lei dos genéricos, o bolsa escola, que, posteriormente, no governo Lula, virou bolsa família, que peitou os grandes laboratórios farmacêuticos com o intuito de implementar no Brasil o maior e melhor programa de combate a AIDS do mundo, entre tantos outros feitos extraordinários. Ora, a dúvida que fica é a seguinte: e o Fernando Henrique Cardoso onde entra nessa história toda? Afinal de contas quem presidiu o Executivo nacional durante oito anos (1995-2003) foi o José Serra ou o Fernando Henrique Cardoso? Algumas coisas são, de fato, bem difíceis de entender. Mas, um dito popular nos fornece algumas pistas: andam cuspindo no prato que outrora comeram e se lambuzaram (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Charge de Amarildo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Que país é esse?

Há muito o Legião Urbana questiona: “Nas favelas, no senado sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse”? Isso é o que eu também me pergunto. Nosso Estado se diz laico. Nossos políticos, como representantes desse Estado, defendem (ou deveriam defender) o laicismo. Entretanto, em pleno processo eleitoral para a Presidência da República os principais candidatos reduziram o debate político àquilo classificado por Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de “agenda obscurantista”, ao passo que, segundo ele, “teríamos de debater sobre educação, infra-estrutura, política externa”, ou seja, assuntos de interesse da coletividade.

O termo laicismo diz respeito ao princípio da autonomia das atividades humanas legítimas, entendidas como toda e qualquer atividade que não crie obstáculo, impeça, atrapalhe, destrua ou impossibilite as demais atividades necessárias à sobrevivência e/ou bem-estar dos seres humanos organizados em sociedade. Estas devem se desenvolver de acordo com regras próprias e não a partir de regras impostas de fora, cujos interesses ou fins diferem daqueles que serviram de inspiração para as atividades humanas legítimas.

Na Era Moderna os Estados passaram a reivindicar autonomia perante a Igreja, diferenciando, assim, os assuntos de foro íntimo e privado, como a fé, por exemplo, dos assuntos relacionados ao bem-estar da coletividade, como a atribuição de deveres e a garantia de direitos. Essa diferenciação foi uma grande conquista da humanidade, pois contribuiu, sobremaneira, para que os privilégios reservados exclusivamente à aristocracia e ao clero fossem, pouco a pouco, estendidos a todos os cidadãos. Essa foi a base sobre a qual os Estados modernos fundamentaram os seus princípios norteadores. Apesar de ser herdeiro desse processo, o Brasil, por vezes, parece caminhar na contramão da Modernidade.

Nas últimas semanas a campanha eleitoral desceu a níveis inimagináveis, em se tratando de um Estado moderno e laico como o Brasil. O que temos acompanhado na propaganda eleitoral (ou deveria dizer eleitoreira?) é a morte agonizante do debate político e o triunfo deprimente de um jogo sujo, marcado por um forte cunho fundamentalista. Para promover o desgaste da imagem da candidata Dilma Rousseff perante o eleitorado, os responsáveis pela campanha adversária optaram por difundir a idéia de que ela seria a favor do aborto, da descriminalização das drogas e, também, da parceria civil entre homossexuais. A fim de defender-se, Dilma Rousseff assumiu uma postura duvidosa e furtiva em relação a esses temas. Na sua “Carta aberta ao Povo de Deus” (vide abaixo), a candidata petista se esmerou em redigir um texto débil, vazio e tosco no qual, em momento algum, defende a autonomia do Estado brasileiro frente às atividades humanas legítimas.

A Dilma Rousseff, que outrora pegou em armas para defender as liberdades democráticas e, por conseguinte, o laicismo do Estado, ameaçado pela intervenção militar, não teve a mesma coragem para defender as mesmas liberdades democráticas ameaçadas pelo obscurantismo fundamentalista cristão, cujos interesses obscuros, além de ameaçar o laicismo do nosso Estado, buscam, entre outras coisas, enterrar em definitivo o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e o Projeto de Lei 122 (PL-122), que criminaliza a homofobia. Como se vê, os fundamentalistas cristãos não pensam ou almejam um Estado para todos/as, mas, sim, para alguns, tal qual ocorria em tempos pré-modernos.

Sendo um Estado laico, o Brasil não pode ficar refém de mentes obscuras e retrógradas que, de forma espúria, pervertem a mensagem de paz, amor e tolerância de Jesus Cristo para disseminar o ódio, a intolerância e o desrespeito, atirando ao lixo os princípios democráticos e os direitos humanos, valores tão duramente conquistados pela humanidade. O que espero do presidente de uma nação democrática como o Brasil é o óbvio, ou seja, a defesa veemente dos mais altos valores e princípios da democracia e não atitudes covardes perante o obscurantismo que tanto mal já fez à humanidade, responsável, inclusive, pela morte de Cristo na cruz (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Charge de Angeli.

Carta aberta ao Povo de Deus (por Dilma Rousseff)

Olá meus amigos, irmãos e irmãs brasileiros.

Quero me dirigir a vocês com o carinho e o respeito que merecem todos aqueles que junto conosco, lutam, trabalham e sonham com um Brasil cada vez melhor, mais justo e mais perto da premissa do evangelho que é “desejar ao próximo aquilo que queremos para nós mesmos”.

Aliás, o sonho e o compromisso do evangelho são, em muitos aspectos, o sonho e o compromisso de um governante sensível e comprometido com o povo e com os menos favorecidos. Exemplo visto e vivenciado pelo nosso querido presidente Lula e seu governo, do qual me orgulho de ter feito parte e dado uma parcela significativa de contribuição.

Não temos como negar que os programas “Bolsa Família”, “Minha Casa Minha Vida”, e tantos outros que assistem as populações mais carentes traduzem esse compromisso na prática. É uma forma de resgatar os valores da vida, da cidadania e da dignidade humana, valores universais que trazem em si a semente do evangelho. Valores estes que nosso governo tem se esmerado em perseguir e que nos impulsionam a buscar mais um mandato.

Como cidadãos comprometidos não podemos aceitar passivamente as injustiças sociais, a violência, a fome, a miséria, as condições subumanas das favelas brasileiras e tantas outras distorções sociais, que a meu ver tem o dedo imperfeito do homem e não o desígnio de um Deus perfeito.

Sabemos que em situações de pobreza, desigualdade social e violência os que mais sofrem são as crianças e os jovens. São eles as maiores vítimas de uma sociedade insensível e injusta, onde poucos sempre têm as melhores oportunidades.

A família sempre foi e será baluarte de uma sociedade quanto mais estruturada é a família, menos caos social teremos. É no desajuste familiar que vemos nascer o abandono infantil gerando os chamados meninos de rua. É na violência doméstica que temos a semente dos adolescentes infratores marcados pela dor vivenciada em seus próprios lares. É no caos familiar que temos os altos índices de agressões contra mulheres e mães indefesas. Isso nos leva ao compromisso de fazer da família o foco principal de nosso governo. Respeitar o elo sagrado das famílias e lutar para que todas elas tenham dignidade, respeito e valor será o norte de nosso próximo governo.

Compreendemos o quanto as igrejas, todas sem distinção de denominações cristãs, são importantes e necessárias nesse projeto de apoio e resgate da família e da sociedade.

As igrejas já fazem suas ações sociais independentemente das ações do Governo. Elas são responsáveis por uma grande e invisível rede social, isso é louvável e traz em si a necessidade da mão amiga do Estado, dando sua contrapartida, tanto em termos de facilitação do acesso às políticas públicas, como em termos de organização de um diálogo constante com o Governo. Compromisso este que assumo em meu eventual governo. Quero construir esse diálogo com as intenções que tem sido os grandes amortecedores do sofrimento humano. Entendo seu valor, sua luta e seu trabalho impulsionado pela missão do evangelho.

Lembro também minha expectativa de que cabe ao Congresso nacional a função básica de encontrar o ponto de equilíbrio nas posições que envolvam valores éticos e fundamentais, muitas vezes contraditórios, como aborto, formação familiar, uniões estáveis e outros temas relevantes tanto para as minorias como para toda sociedade brasileira.

Assim sendo, meus amigos, quero terminar reafirmando minha posição de que qualquer ação só é eficaz com determinação e fé e que é a esperança que motiva a nossa caminhada.

Rogo a Deus que me dê forças para cumprir minha missão, para que juntos possamos transformar nossa paixão em ação em favor desse nosso Brasil que está nascendo.

Peço sua oração e seu voto para que eu tenha a oportunidade de continuar o projeto deste Brasil que está finalmente dando certo, não apenas para alguns poucos privilegiados, mas para todos.

Um abraço de sua amiga e companheira,

Dilma Rousseff.
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Imagem: Charge de Angeli.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Em favor da política e da nação brasileira

Quando falo de política com os meus educandos e educandas tento fazê-los perceber o quão importante ela é para nossas vidas. Desde as atividades mais simples e corriqueiras, como atravessar uma rua, por exemplo, até decisões mais complexas, como dar ou não apoio ao governo do Irã perante a comunidade internacional, a política se faz presente, organizando e orientando a vida social. É por meio dela que nos mobilizamos para defender ou reivindicar direitos, para mudar ou preservar nossa realidade, nossa história. É por meio da política que os direitos por nós reivindicados e pelos quais lutamos são transformados em leis. Esta é a principal função dos membros do Poder Legislativo, os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. É por meio da política, também, que as leis se transformam em políticas públicas, aquelas que podemos perceber no nosso dia-a-dia, seja na escola, no ambiente de trabalho, no hospital, nos supermercados e feiras livres, nas tarifas dos transportes públicos, ou, ainda, no salário nosso de cada mês. Esta é uma das inúmeras atribuições do Poder Executivo representado, no caso brasileiro, pelo Presidente da República, governadores e prefeitos. É sobre o papel e a importância da política em nossas vidas que falo aos estudantes nas minhas aulas de Comunicação e Política. Entretanto, a despeito dessa ênfase, as conversas em sala de aula sobre o tema, inevitavelmente, trazem a tona o seu lado podre. Refiro-me a uma espécie de labor político completamente vazio de idéias e ideais, porém, repleto de torpeza. Não critico meus alunos por enfatizarem o lado negativo da atividade política, afinal, temos razões de sobra para assim procedermos, especialmente nesse momento eleitoral.
Nas semanas que antecederam as eleições de 03 de outubro recebi por e-mail diversas mensagens sobre a candidata do PT, Dilma Rousseff. Em todas elas, impropérios descabidos. Algumas eu respondia, outras, no entanto, eu ignorava. Contudo, as mensagens não pararam de chegar e se intensificaram após o resultado da apuração que confirmou o segundo turno das eleições. Uma destas mensagens, atribuída ao ator Carlos Vereza, depois de comparar o PT ao partido nazista alemão e o processo eleitoral de 2010 à Kristallnacht, ou seja, a Noite dos Cristais, que marcou em 1938 o início da perseguição dos judeus pelos nazistas, terminava da seguinte maneira: “Não podemos nem pensar em colocar como Presidente do Brasil uma mulher terrorista, que passou a vida assaltando bancos, matando pessoas inocentes, arrombando casas, roubando e matando. Só uma pessoa internada num manicômio seria capaz de votar numa bandida para presidente de um País”. Confesso que não saberia definir o que é mais escabroso. Comparar a democracia brasileira atual ao nazismo ou defender a idéia de que os opositores do regime militar que ingressaram na luta armada eram bandidos.

Eu, sinceramente, não acredito que um homem como o Carlos Vereza, talentoso, inteligente e que, como poucos, sabe muito bem como é fazer teatro/arte sob a vigilância cerrada de uma ditadura militar tenha escrito um texto tão pífio. Uma enorme falta de respeito a todos aqueles militantes políticos de esquerda que pegaram em armas para livrar o país do autoritarismo militar. Achar que a luta armada foi um erro de estratégia e um erro político, tudo bem, eu aceito e, até certo ponto, concordo. Mas comparar os militantes da luta armada com bandidos é um absurdo e, no mínimo, um desrespeito para com aqueles que, literalmente, deram sangue por esse país para que hoje o direito da livre expressão das idéias possa ser exercido por qualquer pessoa sem o temor da tortura ou qualquer outro tipo de represália. Criticar sim! Ser duro sim, mas sem desrespeitar a nossa história e, principalmente, a memória dos cidadãos de bem!

Outra mensagem, cuja autoria não é atribuída a ninguém, isto é, trata-se de uma mensagem anônima (um ato típico dos covardes), iniciava da seguinte maneira: “Para contribuir com a política de meu país e mostrar que Dilma já deu as suas contribuições para o avanço do Brasil, peço aos meus amigos que me enviem, se for possível: fotos dela lutando pela democracia e não pelo comunismo [...] uma foto da Dilma, exemplo: nas Diretas Já; uma foto da Dilma em uma passeata pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita [...] uma foto dela no Impeachment do Collor [...] uma foto ou vídeo de algum trabalho social de que ela já tenha participado; uma foto ou vídeo em que ela se mostre autenticamente simpática; uma foto com a família”. Mesmo não tendo sido eleitor da Dilma, não posso deixar de me indignar com esse tipo de “campanha”(?!). Esses ataques são fruto de gente rancorosa ou, no mínimo, desinformada. Reflitam comigo.

Dilma Rousseff foi nos anos 1960 uma militante de esquerda que aderiu à luta armada contra a ditadura militar. Naqueles tempos lutar contra a ditadura significava lutar a favor da democracia e da liberdade de expressão. Ademais, quem foi que disse que o comunismo é incompatível com a democracia? Sabemos muito bem que o comunismo é, sim, compatível com regimes democráticos, basta lembrarmos a experiência da antiga Tchecoslováquia em 1968, que, infelizmente, foi sufocada pela então toda poderosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Lamentavelmente, as experiências comunistas/socialistas que o mundo, de fato, conheceu e vivenciou não foram democracias, mas, sim, ditaduras comunistas, como ditaduras foram aquelas que ocorreram em alguns países capitalistas europeus como a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco, Portugal de Salazar e em todos os países da América Latina, inclusive no nosso Brasil, que nunca foi comunista, mas nem por isso esteve imune às ditaduras do Estado Novo de Getúlio Vargas e do “novo Estado” instituído com o Golpe Militar de 1964. Portanto, ditaduras, ou seja, ausência de democracia, não são exclusividade de regimes comunistas.

Vamos à outra questão. Como já disse, penso que a luta armada no Brasil foi um equívoco das organizações de esquerda que optaram por essa via. Entretanto, respeito muito aqueles que dela fizeram parte, pois se houve alguém que, literalmente, deu o sangue por esse país, foram os homens e mulheres que pegaram em armas para defender a democracia brasileira e a liberdade política e de expressão da sua população. Quase todos/as (senão todos) foram torturados/as, pagaram com suas vidas, desapareceram e outros carregam até hoje os traumas dessa terrível experiência, a experiência da tortura física e psicológica. Se não há foto ou vídeo da Dilma nos porões da ditadura isso ocorreu porque os próprios torturadores não permitiram que jornalistas cobrissem esse fato, porque no Brasil da ditadura a imprensa estava amordaçada. Do mesmo modo, se não há foto ou vídeo da Dilma em passeatas pela Anistia ampla geral e irrestrita é porque, tendo sido presa em 1970 juntamente com outras tantas mulheres ousadas e corajosas, que se atreveram a desafiar o regime militar, ela, muito provavelmente, se encontrava sob vigilância dos carrascos da ditadura. Se não há fotos dela, como minhas também não há, no Impeachment de Collor ou na Constituinte, talvez isso tenha ocorrido porque ela, assim como eu, talvez estivesse envolvida com outros afazeres. Nos regimes democráticos não somos obrigados a participar de passeatas ou qualquer outro tipo de manifestação pública. Somos livres para exercermos nossa cidadania da maneira que julgamos ser a melhor. Se, do mesmo modo, não há fotos dela com a família, talvez seja pelo fato da candidata Dilma ser uma mulher discreta. Sua vida política é pública, mas sua vida familiar e pessoal não. Nas democracias temos o direito à privacidade. Quanto a ser simpática, não temos nenhuma obrigação de sê-lo, nem mesmo nos regimes democráticos. Depois, simpatia é uma questão de ponto de vista, portanto, algo bastante subjetivo para ser avaliado objetivamente.

Os impropérios continuam sendo difundidos pela internet. Alguns até mesmo em sites oficiais de deputados federais outrora liberais e, hoje, democratas. Um destes, desta vez foi atribuído à jornalista Marília Gabriela. Ela teria confessado o seu medo da candidata Dilma, comparando-a a pais autoritários e diretores escolares carrascos. Tudo mentira, segundo a própria Marília Gabriela. “Não tem nada a ver comigo, não escrevo daquela forma, não tem meu estilo. Qualquer pessoa criteriosa vai perceber que uma jornalista como eu não iria fazer isso, assumir uma gracinha dessas. Eu vivo de entrevistas. Gostaria de entrevistar todos os candidatos. Não cometeria essa estupidez”, afirmou a jornalista, que declarou, também, buscar assistência jurídica com os seus advogados a fim de encontrar um meio para punir os responsáveis por esse ato que pode ser classificado de falsidade ideológica, um crime, de acordo com nossas leis brasileiras.

Tudo indica que o vale tudo foi deflagrado. Mentiras, enganções, leviandades e dissimulações parecem reger o tom da dança eleitoral. Quero deixar claro que não sou nem contra nem a favor da Dilma Rousseff. Sou a favor da política, pois, como já disse, ela é fundamental para a vida em sociedade. E foi por acreditar na política que eu decidi escrever esse texto. Não apenas para externar minha indignação, mas, sobretudo, para fazer valer a idéia de que política é coisa séria e digna, destinada aos homens e mulheres de bem. Sendo assim, ela não pode ser confundida com esse lodo fétido, cujo jorrar favorece tão somente aqueles de alma e coração espúrios e em nada contribui para o debate político, para o fortalecimento da nossa democracia e da nossa cidadania e, muito menos, para o desenvolvimento do Brasil como uma nação “gigante pela própria natureza” (por Sílvio Benevides).
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Imagem: RobertoStuckert Filho