terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Ano novo?

Estamos ainda a viver momentos de confraternização. Em Salvador, assim como em muitas partes do mundo, o tom dos discursos é o de boas vindas, boas festas, boas novas. As luzes natalinas espalhadas pela cidade acendem a esperança de que 2009 será melhor que 2008. Será? As notícias que chegam até nós são um tanto desalentadoras. Vejamos algumas manchetes:
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HOMEM MATA ENTEADA E ESFAQUEIA A MULHER (A Tarde Online - 25/12/2008)
FERIADÃO JÁ SOMA 20 HOMICÍDIOS NA GRANDE SALVADOR (A Tarde Online - 26/12/2008)
PREFEITURA AUTORIZA REAJUSTE DA TARIFA DE ÔNIBUS PARA R$ 2,20 (Correio da Bahia - 29/12/2008)
JOVEM É MORTA A FACADAS PELO EX-MARIDO EM ÁGUAS CLARAS (Correio da Bahia - 29/12/2008)
VENDEDOR AMBULANTE É ENCONTRADO MORTO NO TÚNEL AMÉRICO SIMAS (Correio da Bahia - 29/12/2008)
TRAFICANTE ATEIA FOGO EM CINCO PESSOAS EM FEIRA DE SANTANA (A Tarde Online - 27/12/2008)
PARA PAPA, EVITAR COMPORTAMENTO GAY É COMO SALVAR FLORESTAS (O Dia Online - 23/12/2008)
ENCONTRADOS OITO CADÁVERES EM SACOS DE LIXO NO MÉXICO (Correio Braziliense - 24/12/2008)
APÓS TRÊS DIAS DE BOMBARDEIOS DE ISRAEL, MORTOS PASSAM DE 360 NA FAIXA DE GAZA (UOL Notícias - 29/12/2008)
MINISTRO DIZ QUE ISRAEL VAI “ATÉ O FIM” EM GUERRA CONTRA HAMAS (BBC Brasil - 30/12/2008)
ISRAEL DECLARA-SE EM “GUERRA ABERTA” E INSTALA CERCO MILITAR (Estadão - 30/12/2008)
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Renovar é preciso. Porém, de nada adianta trocar o calendário da parede ou a agenda velha por uma novinha em folha, ou ainda, orar com a melhor das intenções (sabemos bem onde fica um lugar cheio de boas intenções). Renovar vai mais além, pois significa alterar para melhor. Mas alterar o quê? O primeiro passo talvez seja alterar nossas consciências, como nos lembra o Fernando Pessoa em seu poema abaixo reproduzido.
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Passaram-se os dias de festa
E o que resta do espírito natalino...

O menino Jesus volta a crescer mendigo
Sem amigos que o entendam, provavelmente...
Sai do berço e volta à cruz gemente,
estranho e distante.

Passou o Natal...
Passou o Ano Novo...

E o encanto dos presentes fica por conta
Da confraternização...
O pobre sentiu-se feliz,
O rico sentiu-se humano
(e todos se enganaram novamente)

É o novo calendário...
É a fantasia!
Mas não muda a realidade
Não muda a crueldade
Não muda a bondade...
Os homens são os mesmos
Os seres são os mesmos
Os pobres são os mesmos
Os ricos são os mesmos
(o governo é o mesmo)

Resta, desconhecida, a energia da Fonte,
Resta, desconhecido, o calor e o brilho da luz:
O Espírito está Vivo mas, resta desconhecido!
E a sua força do bem querer
E a sua força do bom ânimo que se irradia...

E a força humana desta divina alma humana
Ainda exala perfume e poesia...

Passaram-se as festas:
O Natal, o Ano Novo, o engano!

Mas, resta ainda algo de bom em nós...
Resta uma pequena brasa de calor humano
Resta um pirilampo de sinceridade
(alguma coisa que não seja engano)

Quem sabe não seja a consciência
De que após o Natal houve festa de demônios
Festejando as almas das crianças de Herodes?
(festejando as almas das crianças de Nicolau?)
Que houve fuga, e solidão, e tristeza...

Que o menino cresceu no tédio de calar-se sempre,
De distanciar-se sempre, de chorar sempre...
...ao ver a pobreza, e a miséria sempre,
E a maldade sempre, e a angústia sempre...
E ainda ir só à cruz, e só tornar-se um estranho "Cristo",
Oscilando entre uma manjedoura de plástico e uma cruz romana...

Onde está o filho de Mirian?
Onde está o jovem barmitzvá?
Onde está o mestre, o rabi e o profeta?
-perdido entre os fios de barba branca e plástica...
-perdido e entregue à cruz pelos seus algozes, perpetuamente...

Quem sabe, não seja a necessidade e o acaso?
Quem sabe, não seja o tempo e o espaço?
...e, sem razão, gritos que atravessam a noite?

Quem sabe não seja a consciência
De que nada podemos esperar de novo
Senão de nós mesmos, e das nossas mãos,
E dos nossos atos, e da nossa alma...
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Com essa reflexão o Salvador na sola do pé se despede de 2008, esperando que ao final de 2009 as manchetes nos tragam realmente boas novas, repletas de ventos renovadores (por Sílvio Benevides).
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Foto: Sílvio Benevides

Podres Poderes

O mundo a explodir por conta da violência e da intolerância e o papa Bento XVI a propagar a crença de que homens e mulheres homossexuais e transexuais ameaçam o planeta e a humanidade. Em seu pronunciamento de final de ano para clérigos do Vaticano, declarou que a chamada “ordem da criação” deve ser respeitada, insinuando que aqueles cujo comportamento foge aos padrões heterosexistas não a respeitam como mostra a nota abaixo, extraída do jornal Último Segundo/BBC Brasil do dia 23/12/2008:
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Segundo ele, não é “metafísica anacrônica” se referir à “natureza humana como ‘masculina’ ou ‘feminina’”. Isso teria se originado na “linguagem da criação, que, se desprezada, significaria a autodestruição dos humanos”. E acrescentou: “Florestas tropicais merecem, sim, nossa proteção, mas o ser humano... não merece menos que isso”.
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Seria até cômico, se não fosse deveras estúpido e por isso mesmo patético! Nada mais anticristão do que fomentar o ódio e a intolerância. Declarações assim em nada contribuem para difundir o maior legado que Cristo nos deixou: o legado do amor. Enquanto o papa exerce seus podres poderes, homens e mulheres homossexuais, travestis e transexuais são assassinados em nome do equilíbrio ecológico, como mostra a nota abaixo retirada do A Tarde Online do dia 15/05/2008:
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O número total de 122 homicídios de homossexuais registrados em 2007 representa um aumento de 30% com relação aos registros de 2006 e dão ao Brasil o triste título de campeão mundial em crimes desse tipo, muito distante do México, que aparece em segundo lugar com 35 mortes, e dos Estados Unidos, terceiro, com 25. A Bahia, com 18 casos, é o estado com maior incidência desse tipo de crime. A região Nordeste concentra 2 entre cada 3 homícidos cometidos contra homossexuais no Brasil. Em 2007, foram 81 assassinatos. Somente nos quatro primeiros meses de 2008, já foram registrados 43 casos no Brasil, sendo 4 deles na Bahia.
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Isso preocupa o sumo pontífice? Penso que não, já que o Vaticano é contrário à resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o reconhecimento da livre orientação sexual e da identidade de gênero como direitos humanos e porque o Sr. Ratzinger XVI acredita, conforme suas declarações, que a homossexualidade e a transexualidade são uma “destruição da obra de Deus”. Sugiro uma reflexão sobre essa questão e sobre a postagem de ANO NOVO a partir das imagens abaixo e dos versos do Caetano Veloso.
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Garotos a brincar no porto de Jope, região metropolitana de Tel Aviv (Israel), da mesma maneira como fazem os garotos do porto da Barra em Salvador (Brasil).
Fotos: Miguel Nicolaevsky (esq.) e Victor Balde (dir.)
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Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Índios e padres e bichas
Negros e mulheres
E adolescentes
Fazem o carnaval...
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Criança a comer migalhas para matar a fome em alguma parte do planeta
(foto achada no site de busca Google - autoria não encontrada)
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Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais...
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Penso que outros são os riscos e flagelos que ameaçam a humanidade. Sua Santidade, o papa Bento XVI, deveria se preocupar mais com os flagelos que separam a humanidade e as famílias pela dor, pelo sofrimento e pelo ódio e menos com o amor que une os iguais (por Sílvio Benevides).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Da série CURIOSIDADES URBANAS

Da Vila do Pereira à fundação de Salvador

A história oficial da cidade do Salvador tem início em 1549, ano da sua fundação, ocorrida sob a batuta do fidalgo português Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil colonial. No entanto, para além da oficialidade histórica, alguns acontecimentos marcaram a vida da cidade antes mesmo de Tomé de Souza desembarcar onde hoje é o Porto da Barra com o intuito de fundar a Fortaleza do Salvador na Baía de Todos os Santos. Algumas povoações e vilas já existiam na região em torno do sítio onde Salvador foi erguida, a exemplo da Vila do Pereira (ou Povoação do Pereira), que a partir da fundação da fortaleza passou a se chamar Vila Velha. O nome Vila do Pereira, construída nas proximidades do atual Forte São Diogo, no Porto da Barra, se deve ao dono da Capitania da Bahia de Todos os Santos, o também fidalgo português Francisco Pereira Coutinho, homem de maus bofes. Foi-lhe outorgada pelo rei D. João III em 1534 por conta dos serviços que ele prestara à Coroa portuguesa.

Por volta de 1540 estourou uma guerra que destruiu por completo a Vila do Pereira. Consta que a peleja se deu entre os colonos portugueses, cerca de 100, e mais de mil Tupinambás. Essa revolta resultou da maneira como os colonos passaram a administrar a vila, assim como a região em torno, e ao tratamento dispensado aos índios. Gradativamente, eles perderam suas terras e foram reduzidos à condição de escravos. Alguns chegaram a ser vendidos para outras capitanias.

Com a derrota e a conseqüente tomada da vila pelos Tupinambás, Pereira Coutinho fugiu para Porto Seguro. Sua ausência motivou os franceses a retomar os planos de se instalarem na capitania. Frente à ameaça francesa, Pereira Coutinho decidiu regressar à vila. Ao retornar, em 1546, seu barco naufragou na costa sul da Ilha de Itaparica. Foi capturado e posteriormente devorado pelos Tupinambás num ritual antropofágico. Relatos de historiadores dos nossos tempos indicam que fora um índio com apenas cinco anos de idade, irmão de um outro que o próprio Pereira Coutinho mandara matar, quem desferiu com seu tacape o golpe fatal que liquidou com toda a fidalguia do donatário.

Fatos como esse, assim como a vulnerabilidade do terreno no que tange a possíveis ataques de invasores e inimigos da Coroa, fez o rei de Portugal, D. João III, determinar: “E assim informado que o lugar em que ora está a dita cerca não é conveniente para ali fazer assentar a fortaleza e povoação que ora ordeno que se faça, e será necessário fazer-se em outra parte mais para dentro da bahia” (In: LEITE, Anésio Ferreira. “Cidade ao redor da baía”. Revista da Bahia, v.32, n. 34, dez/2001). Por conta disso, a fortaleza que deu origem à cidade do Salvador foi construída no platô que se estende da Rua Chile ao Terreiro de Jesus. Nesse local havia as condições necessárias para garantir tanto a segurança e sobrevivência dos colonos quanto, principalmente, das riquezas por eles produzida (por Sílvio Benevides).

ADENDO

Para não confundir antropofagia com canibalismo, reproduzo aqui um trecho da obra de Luís da Câmara Cascudo que nos ajuda a entender o papel da antropofagia nas sociedades indígenas: “Todos os registros dos séculos XVI e XVII, de origem ameraba, incluem a impressão do cerimonial ritual no ato canibalesco. Não há exemplo de exercer-se a prática sem atender às normas precípuas da tradição. Não se persegue e caça o homem para devorá-lo. Nem todos os prisioneiros merecem o sacrifício. Os cadáveres não são objeto do destino androfágico. É indispensável colher os homens vivos e durante a ação guerreira. Conduzí-los para as aldeias, alimentando-os fartamente, tratando-os com certas regalias e direitos, inclusive a oferta de mulheres. São adornados vistosamente e armados para a simulação defensiva. Uma multidão assiste à crueldade oficial. Convidados ilustres, chefes temidos, guerreiros famosos. Não pode haver clandestinidade no assassinato ritual. Quem o mata não pode participar do banquete. Fica sob a exigência de preceitos incontáveis, com imposição especial, mudo, quase imóvel, com nova pintura, sangria de dente de cutia, tatuagem, e toma novo nome, nome ilustre que custou a vida de um homem valente…” (In: Civilização e Cultura. Itatiaia: Belo Horizonte, 1983).
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Foto: Sílvio Benevides a partir de detalhe do painel do foyer do Teatro Castro Alves.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O ato de governar

O texto abaixo, escrito por Carlos Drummond de Andrade, propõe uma reflexão sobre o ato de governar. Se consultarmos o dicionário, encontraremos várias acepções, que vão desde exercer autoridade soberana e continuada sobre outrem até deixar-se influenciar por, ou ainda orientar-se, regular-se. Entretanto, creio que a acepção mais adequada ao conto do Drummond e ao contexto da nossa cultura política é pensar o ato de governar como a ação de tratar devidamente de seus próprios negócios e interesses. Nada mais adequado ao atual governo soteropolitano. A reflexão está feita. O resto é com o leitor.
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Os garotos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram o Presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
- Pois não – aceitou Martim. – Daqui por diante vocês farão meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a minha segurança. Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará o meu lanche.
- Com que dinheiro? – atalhou Januário.
- Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a caixinha do Governo.
- E o que é que nós lucramos com isso? – perguntaram em coro.
- Lucram a certeza de que tem um bom Presidente. Eu separo as brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual com os professores. Vocês obedecem, democraticamente.
- Assim não vale. O Presidente deve ser nosso servidor, ou pelo menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
- Eu sou o Presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser Presidente é moleza? Já estou sentindo como este cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto e dissolvida a República.

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(ANDRADE, Carlos Drummond de. Governar. In: Histórias para o Rei. Rio de Janeiro: Record, 1998).
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Foto: Sílvio Benevides a partir de grafite Montréalais

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Tradicionalmente pós-moderna

A religiosidade é uma das principais características da cultura baiano-soteropolitana. Religiosidade sincrética, que reinterpreta e combina em um único universo, diferentes tradições míticas, seja de origem européia, ameríndia ou africana. A mistura está na essência da devoção dos baianos, mesmo entre os mais conservadores. Tal qual a Dona Flor do Jorge Amado (vide postagem do dia 28 de outubro de 2008), o povo baiano também escolheu não escolher ao se relacionar com o divino. Tomemos como exemplo o culto a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Salvador, cuja celebração ocorre em 08 de dezembro.

Por ocasião da chegada às terras brasileiras do fidalgo português Tomé de Sousa, fundador de Salvador e primeiro Governador-Geral do Brasil, uma capela em louvor a Nossa Senhora Imaculada Conceição foi erguida à beira da praia. Um dos primeiros registros sobre a existência do pequeno templo (hoje uma suntuosa basílica no bairro do Comércio, na Cidade Baixa) é o de Gabriel Soares de Sousa: “no principal desembocadouro está uma fraca ermita de Nossa Senhora da Conceição, que foi a primeira casa de oração e obra em que Tomé de Sousa se ocupou” (Notícias do Brasil. Lisboa: Alfa, 1989).

O culto a Nossa Senhora da Conceição rapidamente se espalhou e com a chegada dos africanos ele foi re-significado. Nossa Senhora da Conceição, que, de acordo com a tradição católica, é mãe da humanidade, encontrou-se com Iemanjá, que na tradição yorubá é a mãe de todos os orixás. A partir do elemento da maternidade, comum a ambas as divindades, duas tradições religiosas tão diferentes entre si, combinaram-se em um único e harmonioso sentimento religioso por meio da devoção dos fiéis. As razões desta combinação estão ligadas ao sincretismo, que uniu em um mesmo universo alguns santos católicos “com certos deuses trazidos da África pelos escravos quando de sua imigração forçada ao Brasil” (VERGER, Pierre. Notícias da Bahia. Salvador: Corrupio, 1999).

Mas o sincretismo só pode ser entendido na relação entre os devotos e as divindades e não entre as divindades sincretizadas. Isso ocorre porque o sincretismo resulta dos “sentimentos de uma população que através da sua cultura aprendeu, desde cedo, a criar e recriar símbolos, preencher brechas e abrir outras, apontando caminhos e perspectivas” (CAETANO, Vilson. Orixás, santos e festas. Salvador: Editora UNEB, 2003). É exatamente nessa capacidade de criar e recriar símbolos e de apontar caminhos para o porvir que reside toda a grandeza da cultura baiano-soteropolitana, que já nasceu tradicionalmente pós-moderna. Mas eu desconfio que poucos se deram conta do quão precioso é esse nosso açúcar excelente. A maioria permanece de olhos esbugalhados apenas para as drogas inúteis (por Sílvio Benevides).
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Foto: Nossa Senhora da Conceição por Sílvio Benevides

Juntar para espalhar

No último dia 07 de dezembro de 2008 foi encerrada no Teatro Castro Alves, com os shows dos magníficos e estupendos André Abujamra e Fernanda Takai, a oitava edição do Mercado Cultural. Esse ano o tema foi JUNTAR PARA ESPALHAR. De acordo com Ruy Cezar Silva e Benjamin Taubkin, organizadores do evento, “esta foi a frase proferida por Hermato Pascoal durante apresentação na Concha Acústica na primeira edição do Mercado Cultural em 1999. Hermeto usou a expressão para definir o próprio Mercado, referindo-se à intenção de juntar (promover encontros, transmissão de conhecimentos e troca de experiências) e espalhar (construir intercâmbios, distribuir a produção, trabalhar em rede). Tudo isso sob a aura de um projeto que nasceu com a missão de sistematizar, promover e distribuir trabalhos autorais de qualidade, representativos da produção artística independente...retomamos esta frase como tema e meta deste ponto de encontro afetivo, intelectual e espiritual de uma comunidade artística que segue aspirando um futuro cooperativo, com ampliação do convívio entre os criadores e ativistas da cultura das distantes regiões do planeta” (trecho extraído do catálogo promocional do evento e disponível no site do Instituto Via Magia).

O Mercado Cultural é, atualmente, o que há de melhor na cena cultural soteropolitana. Primeiro porque a diversidade é o seu motor propulsor. Diversidade que encanta e fascina, pois seus contornos fazem do mundo um lugar deveras interessante e por demais aprazível para se viver, apesar das vicissitudes. Segundo, porque é um espaço onde é possível desfrutar imagens, cores e sons plurais comprometidos não com uma ordem mercadológica, mas com a arte pela arte e tudo de bom que ela pode oferecer. Isso é um alento para olhos e ouvidos fatigados pela mesmice estúpida imposta pela indústria cultural através de seus veículos de comunicação de massa, que transformam tudo e todos em meros objetos descartáveis de consumo. Terceiro, o Mercado Cultural proporciona uma viagem artística e estética ímpar, na qual é possível ir da Catalunha a Madagascar, de Madagascar a Israel, passando por Cuba, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Brasil, em um breve espaço de três dias. Não há outro lugar em Salvador onde isso seja possível. Só no Mercado Cultural. Vida longa ao Mercado Cultural! (por Sílvio Benevides)
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Imagem: capa do catálogo de divulgação

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sobreviver é cuidar do porvir

A despeito das críticas que possam ser feitas ao trabalho do oceanógrafo francês Jacques Cousteau (1910-1997), sua entrevista ao jornalista Nathan Gardels, reproduzida adiante, traz reflexões relevantes no que tange ao futuro da humanidade. A primeira diz respeito à idéia, já comentada na postagem do dia 19 de novembro de 2008, de que a política não pode existir se for orientada tão somente pela lógica do curto prazo, pois como nos lembra a Hannah Arendt “um espaço público não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos”. Ignorar o porvir, portanto, significa sacrificar o futuro, ou pior, preparar a chegada do fim. A segunda reflexão importante que a entrevista traz diz respeito à necessidade de repensarmos com urgência muitos valores em voga atualmente, como o individualismo exacerbado, o consumo predatório e a idéia de que as “regras” que regem o mercado são suficientes para garantir o bom funcionamento das sociedades e o bem-estar dos povos, conforme apregoam os ideólogos do neoliberalismo. Por falar nisso, onde eles estão nesse momento de turbulência nos mercados mundiais, cada vez mais dependentes da ajuda dos Estados? Ao menos a crise atual que vem assolando os mercados financeiros no mundo todo trouxe algo de positivo: o neoliberalismo, definitivamente, não é a solução para os problemas da humanidade. Como bem o disse o economista Eduardo Gianetti da Fonseca em entrevista ao Jornal Nacional do dia 06 de outubro de 2008, a crise atual “pode ser uma pausa para a reflexão e colocar certos valores nos seus devidos lugares. Colocar as finanças no centro da existência humana não é um bom caminho para a nossa realização, para a nossa felicidade” e para o futuro da humanidade e do planeta Por essa razão os homens públicos de Salvador e as elites locais precisam refrear seu egoísmo e parar de se preocupar apenas com o próprio umbigo. Caso contrário, o futuro desta cidade e de sua gente será terrível (por Sílvio Benevides).
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(Foto: Sílvio Benevides - Grafite pintado no muro da Estação Ferroviária de Periperi)

"Não façamos a tolice de destruir o planeta"

Segue abaixo a entrevista do oceanógrafo francês Jacques Cousteau (1910-1997) ao jornalista Nathan Gardels, editor da Summing Up the Century, publicada no Brasil pelo jornal O Estado de São Paulo na sua edição do dia 22 de setembro de 1996 e reproduzida no livro do Delson Ferreira, Manual de Sociologia: dos clássicos à sociedade da informação (São Paulo: Atlas, 2001. p. 192-197).

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Nathan Gardels – Aos 85 anos, o senhor viveu boa parte deste século. Durante a maior parte do tempo o senhor esteve preocupado em explorar o mar e compreender o meio ambiente. Sob esse ponto de vista, quais foram as maiores descobertas do século XX?
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Jacques Cousteau – A espécie humana provavelmente prejudicou a Terra no século XX mais do que em qualquer época anterior da história humana. Os danos foram gerados por duas fontes – a explosão demográfica combinada com o abuso da economia. Hoje, há 5,6 bilhões de pessoas na Terra. Em meados de 60 anos – em 2050 – haverá 10 bilhões. Esse é o principal problema dos nossos tempos. O aumento radical do consumo que deverá acompanhar esse crescimento provocará uma sobrecarga quase fatal nas fontes do planeta. Apesar de a taxa de natalidade estar começando a cair em alguns lugares muito populosos, como a Indonésia, isso apenas traz esperanças para a segunda metade do século XXI. Nada mudará antes de 2050, pois 60% da população não-européia do mundo atual tem menos de 16 anos. Quando essas pessoas tiverem filhos, dobrarão seu número. Durante 60 anos, vivemos uma luta entre o consumismo e o capitalismo. Quando o comunismo entrou em colapso, o motivo era óbvio: um sistema planejado e centralizado não tinha vez no mercado. No Ocidente, esse fato provocou satisfação. É um grande erro. Uma economia liberal é boa, mas há uma grande diferença entre uma economia liberal – ou empresa livre que atende às leis da oferta e da demanda – e um sistema de mercado. O sistema de mercado, como estamos vivendo atualmente, está trazendo mais danos ao planeta do que qualquer outra coisa, pois tudo tem um preço, mas nada tem valor. Como o longo prazo não tem valor no mercado de hoje o destino das gerações futuras não é considerado na equação econômica. Por causa dessa formidável confusão entre preço e valor, há uma irrealidade fundamental acerca da atual vida econômica; ela se tornou uma abstração. O sistema de mercado está mais preocupado com coisas que não existem do que com as coisas que existem. As “derivadas” financeiras – principalmente a especulação da especulação - são um bom exemplo da distância que existe entre o mercado e a realidade. O valor real é derrotado no jogo. A realidade não é mais considerada. Assim, não só estamos destruindo a diversidade de espécies nas florestas tropicais ou no oceano, que levou um milênio para se formar, mas também estamos vendendo o futuro em nome do lucro imediato. A calota de gelo polar, por exemplo, está derretendo como conseqüência do aquecimento global. Isso resulta da queima de combustíveis fósseis a um preço que não inclui o valor da calota polar em manter uma temperatura estável e o nível do mar, o que permite que a vida ao longo das costas deste planeta de água – onde está concentrada a maioria das pessoas – seja viável. A lista de devastação do planeta a curto prazo é bastante longa: lixo radioativo, proliferação nuclear e mercado clandestino de material fóssil, edifícios em áreas inundadas, alteração dos ritmos das estações como conseqüência de projetos como Assuan, as catástrofes químicas de Bhopal e Seveso. A erosão do solo e a poluição dos oceanos são formas muito mais perniciosas de degradação ambiental. O dinheiro é uma poderosa ferramenta de troca, mas é um perigo terrível para o planeta. O que o mercado produz hoje é sanidade no varejo e loucura no atacado.
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Nathan Gardels – A destruição ecológica surge não só como parte de um grande plano demoníaco, mas como resultado das práticas banais do dia-a-dia, desde dirigir um carro até usar sacolas plásticas no supermercado, cortar árvores e colocar o gado para pastar. Essa é a parte de sanidade do varejo. Esses hábitos cotidianos podem ser alterados por meio de uma revolucionária mudança de mentalidade que encare a autolimitação como um princípio religioso?
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Jacques Cousteau – Como um indivíduo pode se controlar quando ele é forçado de manhã à noite a comprar coisas que não precisa? Eu tenho uma experiência própria. Um dia, em Paris, no inverno, saí às 7 horas da manhã e cheguei às 7 horas da noite. Eu tinha comigo um contador. Toda vez que eu recebia qualquer tipo de propaganda de coisas que não precisava, clicava o contador. No final do dia o aparelho havia registrado 183 cliques. Com você pode se controlar quando a cada instante é abordado pela mensagem: “Compre e todas as mulheres cairão nos seus braços”? Eu perdôo o pobre rapaz que compra aquele produto de que não precisa. Como ele pode resistir? É um trabalho da sociedade – e não do indivíduo – controlar esse consumismo destrutivo. Não sou a favor de uma espécie de estadismo ecológico. Não. Mas quando você está dirigindo nas ruas e vê o farol vermelho, você pára. Você não acha que o farol vermelho é uma tentativa de refrear a sua liberdade. Pelo contrário, você sabe que ele está ali para protegê-lo. Por que não fazer o mesmo com a economia? Não fazemos. A culpa está nas instituições da sociedade e não nas virtudes do indivíduo.
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Nathan Gardels – A democracia, o mercado e a sociedade de consumo oferecem às pessoas o que elas quiserem, no momento que desejarem – ou seja, agora. Assim, o futuro não terá um corpo político em tal sistema e, portanto, não terá voz ativa. O fim do comunismo nos deixou descrentes acerca do futuro. Mas agora que a democracia e o mercado estão triunfantes precisamos encontrar um meio de lembrar o futuro. Como podemos fazer isso?
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Jacques Cousteau – Com o fim da Guerra Fria, precisamos de um outro tipo de revolução, uma revolução cultural, uma mudança fundamental no modo de pensar. É por isso que nossa esperança está na juventude – e na educação. A sobrevivência deste planeta depende da descoberta de um modo de incorporar a perspectiva a longo prazo – as conseqüências para as futuras gerações – às decisões atuais daqueles que virão ao poder no governo ou nos negócios. Hoje, ninguém parece se preocupar com o futuro. Por quê? As pessoas precisam de informações objetivas. Os governos estão sujeitos às preocupações eleitorais a curto prazo. As empresas estão ocupadas com balanços trimestrais para verificar suas condições financeiras. As Nações Unidas, que deveriam cuidar do futuro, podem apenas dar conselhos, não podem dar decisões efetivas. E, infelizmente, as universidades, refletindo o espírito do mercado, não estão produzindo cidadãos melhores, mas incitando-os a uma espécie de competição feroz visando apenas ao sucesso e ao dinheiro. Os jovens hoje em dia estão caindo na armadilha social da mentalidade a curto prazo. Divulgar essa fraqueza da nossa sociedade contemporânea parece ser, para mim, a maior prioridade. Para essa finalidade, a Cousteau Society juntou-se à Unesco para criar uma rede mundial de programas em universidades – da Bélgica ao Brasil, da Índia à China e aos Estados Unidos – que adotará o que chamamos de “aproximação ecotécnica”. O principal objetivo é promover a aproximação interdisciplinar do gerenciamento ambiental, de forma que suas preocupações sejam refletidas no treinamento para todos os cursos, de administração de empresas e economia a engenharia e ciências naturais. Essa longa marcha pelas instituições para mudar a mentalidade das gerações futuras é a idéia principal. É importante também atingir a geração mais jovem, que é bastante influenciada pela mídia. Como muitas outras entidades, a Cousteau Society publica livros e vídeos para crianças, para que o fato de pensar nas gerações futuras seja parte de sua visão cotidiana de mundo. Por exemplo, publicamos uma revista ilustrada chamada Cousteau Junior, em francês. A história em quadrinhos de Ted Turner tem o Capitão Planeta e outros personagens. O único raio de esperança que temos é a imaginação dos jovens e a consciência dos problemas que este planeta enfrentará como conseqüência da explosão demográfica nos próximos 50 anos.
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Nathan Gardels – Devido às tendências do nosso sistema de consumo democrático em se preocupar com fatos a curto prazo, interesses imediatos, o ex-presidente francês François Mitterrand criou o “conselho de anciãos” como uma forma de chamar a atenção para o longo prazo. Esse tipo de aproximação é útil em uma escala global?
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Jacques Cousteau – Mitterrand criou uma comissão, em 1993, para “defender os direitos das futuras gerações”, da qual eu era presidente. Abandonei o posto em 1995, quando o presidente Jacques Chirac anunciou a realização de testes nucleares. Minha visão era de que a defesa do futuro dos nossos descendentes só poderia acontecer em clima de tolerância, o que é incompatível com a ameaça nuclear. Manter um potencial nuclear no período pós-Guerra Fria, quando não há inimigo, não é nada mais que uma competição de arrogância. Tão útil quanto essa idéia de um corpo sensato – uma espécie de corte suprema que fica acima do mercado – seria um “conselho de jovens”, em vez de um conselho de anciãos. A idéia de um grupo de anciãos vem do fato de que, nas civilizações passadas, eles uniram mundos; o outro mundo também estava presente neste. Há também o argumento de que os velhos têm “experiência”. O problema é que a experiência ensina a temer mudanças. A experiência destrói a imaginação. A experiência torna as pessoas conservadoras. O que vamos enfrentar amanhã requer força da imaginação, não o testemunho do passado.
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Nathan Gardels – Então, o que o senhor está tentando fazer em seus esforços educacionais é criar uma contracultura para o mercado, na qual os valores duradouros superem os preços a curto prazo e na qual os direitos das futuras gerações estejam integrados nas decisões atuais?
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Jacques Cousteau – O mercado é uma contracultura! Estamos falando de criar uma cultura em que nada esteja sujeito ao abuso da economia.
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Nathan Gardels – A maioria das pessoas do G-7, o grupo dos sete países mais industrializados do mundo tem carros e refrigeradores. O que acontecerá ao mundo quando um bilhão de chineses se tornarem consumidores como nós – se simplesmente adotarem dietas à base de carne e peixes?
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Jacques Cousteau – Se a dieta dos chineses melhorar a ponto de todos eles comerem peixe regularmente, o oceano não conseguirá alimentá-los. Nos últimos anos, simplesmente esvaziamos os oceanos. Quando comecei a mergulhar, todo alimento marinho – moluscos e peixes de água doce e salgada – representava um décimo do consumo de proteínas do mundo. E havia, naquela época, apenas 1,7 bilhão de pessoas. Hoje, a indústria pesqueira tornou-se bastante sofisticada e eficiente. Os cardumes de peixes podem ser rastreados eletronicamente; sabemos as épocas de desova. Mas agora há mais de 5 bilhões de pessoas para alimentar. O resultado é que a porcentagem de toda a pesca do mundo corresponde a apenas 3% do consumo de proteínas da espécie humana. E esse número deverá passar para 2% e depois para 1%, até desaparecer completamente quando chegarmos à marca de 10 bilhões de pessoas. Teremos esgotado a capacidade de produção do oceano. No momento, virtualmente todos os peixes são capturados pelo Ocidente. O peixe que costumava alimentar os povos primitivos ao longo das costas foi tirado de seu mercado e vendido para os ricos consumidores urbanos do Ocidente. Isso é uma cultura ou uma contracultura? Essa é a verdade sobre a pesca. Então, não há meio de os chineses sobreviverem graças ao oceano. Nenhum meio. E, aproveitando o seu exemplo, não há meio de os gases atmosféricos do planeta permanecerem estáveis se metade dos chineses resolverem dirigir carros ou usar refrigeradores que funcionam com CFC’s. Falamos da China porque é um dos locais onde o crescimento populacional estará mais concentrado. A principal questão é: em um mundo de 10 bilhões de pessoas, terão todos as mesmas chances? Haverá grande escassez em alguns lugares, mas realmente acredito que a vida no planeta poderá ser suportável se acabarmos com as desigualdades. Não me refiro à “igualdade”. As pessoas não são iguais. Algumas podem saltar mais alto do que outras, mas não 20 vezes mais alto. Em uma sociedade, as pessoas poderão compreender uma diferença de 10 para 1, mas não de 2000 para 1. Elas não tolerarão mais uma situação, como vemos atualmente, em que apenas 60 seres humanos possuem mais riquezas do que a África inteira e boa parte da Ásia juntas. Mas e os grandes animais, as girafas e os elefantes? Serão os primeiros a desaparecer, pois não haverá espaço para eles, para correr, comer, viver. Haverá pessoas demais competindo no mesmo habitat. A única alternativa viável para os animais será uma espécie de resgate, ao estilo da Arca de Noé, colocando casais de cada espécie em um grande zoológico. Acho que isso oferece uma imagem do tipo de mundo que as futuras gerações da espécie humana devem encontrar.
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Nathan Gardels – Tirando o triunfo da cultura sobre a contracultura, sua visão do destino da espécie humana então parece com o que aconteceu com o povo da Ilha da Páscoa, tema de seus filmes?
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Jacques Cousteau – Sim. A Ilha da Páscoa é a metáfora do planeta Terra, a não ser que mudemos o rumo. A lição da Ilha da Páscoa foi a de que a escassez de recursos leva ao genocídio e, então, a um colapso social. Não há mistério nisso. Cerca de 50 pessoas chegaram à Ilha da Páscoa no século 7 e proliferaram para mais de 70 mil no século 17. durante esses dez século, eles derrubaram todas as árvores, as chuvas desgastaram o solo e elas não puderam mais se alimentar. A sociedade era dividida em sacerdotes, escultores daqueles grandes ídolos diante do mar e camponeses. Como resultado da escassez nessa pequena ilha, a ordem social foi derrubada e iniciou-se uma guerra total contra os privilégios dos sacerdotes e escultores. Refugiados em uma fortaleza em uma extremidade da ilha, eles foram finalmente vencidos pelos camponeses. Inúmeras pessoas foram mortas – e comidas, porque havia pouco alimento. Depois disso, o índice populacional caiu e surgiu uma segunda cultura, que não se desenvolveu. Eles entenderam o que acontecera como um aviso de Deus: a superpopulação destruiu o meio ambiente e a cultura, e resultou em um genocídio. Também poderíamos ver a experiência da Ilha da Páscoa como um aviso de Deus para não cometermos a mesma tolice em todo o planeta.
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(Foto: retrato de Jacques Cousteau retirado do site Dusty Moth Music)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O futuro é agora

O espaço público é o espaço da coletividade. E é para o bem-estar da coletividade que a ação política deve se voltar. Entretanto, de acordo com a filósofa alemã Hannah Arendt, para que a ação política transforme as causas defendidas por cada um em causas da coletividade é necessário que ela supere sua mortalidade terrena, isto é, que transcenda “a duração da vida de homens mortais”. Sem essa transcendência, segundo ela, nenhuma política ou esfera pública pode existir, pois “um espaço público não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos”, mas, também, para os que virão.

Infelizmente, tudo leva a crer que os homens públicos desta cidade repleta de alegrias e encantos infindos nunca leram a Hannah Arendt. Se já a tivessem lido de certo não pautariam suas ações pela ganância e estupidez. O resultado dessas atitudes hoje tomadas não será testemunhado apenas pelas gerações futuras. Ao menos em Salvador as atuais gerações já podem colher os frutos amargos e podres do imediatismo que tem regido o Poder Executivo local, conforme atesta a nota publicada pela revista Veja na sua edição 2087 do dia 19 de novembro de 2008, abaixo reproduzida.

DIGA AO POVO QUE FUI – Neste ano, o prefeito de Salvador, João Henrique (PMDB), mudou a legislação local para permitir empreendimentos imobiliários nas matas próximas às praias da cidade. A medida voltou-se contra ele próprio. Sua casa no elegante condomínio de Alphaville foi tomada por mosquitos, escorpiões e até por barbeiros, insetos transmissores da doença de Chagas. O problema é tamanho que a mulher de João Henrique, Maria Luiza, decidiu que o casal se mudará. Segundo ambientalistas, a infestação foi provocada pelo desmatamento aprovado pelo prefeito.

Como é possível perceber, não precisaremos esperar muito tempo para sentirmos os efeitos nocivos das ações de uma gente cujo egoísmo, como bem o disse o Gilberto Gil, já virou um aleijão (por Sílvio Benevides).
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(Imagem: charge do Millôr Fernandes)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Alguma coisa está fora da ordem?

Os vários veículos de comunicação local noticiaram a chegada dos três primeiros trens do metrô. Fabricados na Coréia do Sul, os trens foram desembarcados na manhã do dia 07/11/2008 no porto da cidade no bairro do Comércio. A previsão é que os outros três trens cheguem a nós em janeiro de 2009. Mas os soteropolitanos terão de esperar mais algum tempo para usufruir desse serviço. Embora os trens tenham chegado os trilhos por onde eles correrão ainda não foram instalados.

O processo de montagem dos trilhos já foi iniciado com a soldagem eletrônica das barras de 25 metros que irão compor as barras longas de 120 metros. Após o término dessa fase terá início o polimento dos trilhos que permitirão uma melhor fluidez dos vagões. Em seguida, tem início o processo de soldagem luminotérmica (para união das barras longas). Segundo os engenheiros Levi Pitanga e Thomaz Baker, responsáveis pela obra, tais procedimentos, além de proporcionar conforto aos passageiros durante as viagens, reduzirão os custos de manutenção. A montagem dos trilhos se encerra com a colocação dos dormentes, que dão suporte ao carril, e dos lastros de brita.

Por conta de todo esse processo, além da finalização das estações, os trens recém-chegados deverão entrar nos trilhos somente no final de junho de 2009, de acordo com Carlos Chamadoira, diretor de operações da Companhia de Transporte de Salvador (CTS). Enquanto isso, os vagões tão esperados ficarão armazenados num pátio auxiliar de manutenção da CTS. Toda essa situação me faz lembrar a canção do Caetano Veloso, “aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”. Valha-nos Deus! Alguma coisa está fora da ordem ou se trata apenas de uma má impressão? (por Sílvio Benevides)

(Foto: Prefeito João Henrique por Walter Carvalho - Agência A TARDE)

Mais do mesmo

O sistema metroviário de Salvador ligará o centro da cidade (Estação da Lapa) à Rótula do Abacaxi (Estação Acesso Norte). Nesse trajeto haverá três estações intermediárias – Campo da Pólvora, Brotas e Bonocô – totalizando 6,5 Km de extensão. O projeto inicial previa a construção de duas linhas. A primeira delas deveria ter sido concluída em 2003. Isso não ocorreu, entre outras coisas, devido a problemas no repasse de verbas, greves e denúncias de superfaturamento que provocaram diversas paralizações, ocasionando o atraso nas obras. Hoje, 950 operários empenham-se para concluir os trabalhos dessa primeira fase do metrô que iniciaram em 1999. Todo esse atraso transformou o metrô de Salvador em motivo de piada e galhofa de toda espécie, como é possível ver no vídeo abaixo.
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Inauguração do metrô de Salvador
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É isso aí. Falta de respeito gera mais desrespeito. E pior. Gera DESCRENÇA. No caso do metrô de Salvador, descrença nas instituições públicas. Mas tudo bem. “Nóis sofre, mas nóis goza”. Até quando será assim? (por Sílvio Benevides).
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(Foto: retirada do site SkyscraperCity)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Há muito tempo estamos perdidos

Estamos perdidos há muito tempo. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média se abate progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Por toda a parte se diz: o país está perdido!... Algum opositor do atual governo?... Não!*
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O texto acima foi escrito por Eça de Queiroz em 1871 sobre a sociedade portuguesa de sua época. Qualquer semelhança é mera coincidência? Deixo a resposta para os leitores. Mas tratando-se de coincidências elas não param por aqui. Entre Brasil-Salvador e Portugal-Lisboa há mais coincidências do que se pode imaginar. Sobre isso, porém, o Salvador na sola do pé discorrerá numa outra oportunidade.
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(Foto: retrato do Eça de Queiroz retirado do site da Biblioteca Nacional de Portugal)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Triste Salvador!

As eleições municipais chegaram ao fim. Em Salvador o atual prefeito João Henrique (PMDB) foi reeleito com 58,46% dos votos válidos. A capital baiana ficará por mais quatro anos entregue à sanha voraz da especulação imobiliária que avança de forma predatória sobre a cidade.

Os próximos quatro anos serão decisivos para Salvador no que tange ao que se costuma chamar de qualidade de vida. O futuro é totalmente incerto. O que se viu durante o mandato do prefeito reeleito foi uma cidade mergulhada num trânsito caótico, sem perspectiva de melhora, um transporte público deficiente, que nem de longe atende às necessidades da população, e o pouco que restou de suas matas sendo devastado para dar lugar a condomínios de luxo, o que certamente não resolverá o déficit habitacional. Isso sem falar da saúde e da educação que nunca foram prioridade. Em nome da geração de emprego (temporários, é preciso frisar) estamos vendendo nossa cidade.

Salvador tinha tudo para ser uma cidade de destaque no século XXI: uma cultura rica e diversificada, belezas naturais exuberantes, espaços verdes que garantiriam temperaturas agradáveis e o controle climático, entre tantas outras características tão valorizadas em tempos de aquecimento global. No entanto, graças à inépcia do Executivo, à omissão do Judiciário e do Legislativo, à ganância burra do empresariado e do egoísmo insano das elites locais nosso açúcar excelente está sendo trocado por drogas inúteis que farão a alegria de uns poucos negociantes e brichotes sagazes feito raposas. Triste Salvador! Só nos resta orar para que sobrevivamos à tamanha tristeza e devassidão pública (por Sílvio Benevides).
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(Foto: retrato do Prefeito João Henrique retirado do blog Política Livre)
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Salvador e suas belezas
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Vídeo produzido pelos estudantes de Jornalismo João Lins, Thais Pina e Yolanda Poirey, do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), como exercício da disciplina Práticas Investigativas.
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Quem é Dona Flor?

Com essa questão o antropólogo brasileiro Roberto da Matta deu início à sua conferência realizada no dia 23/10/2008 no auditório Zélia Gattai do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE). O evento integrou a programação do 3º Encontro Interdisciplinar de Cultura e Educação (Interculte), promovido anualmente pela instituição.

Quando iniciou seus estudos sobre a cultura nacional, em 1966, Roberto da Matta optou por falar a partir de temas que a academia brasileira da época costumava ignorar, a exemplo do carnaval, da praia e do futebol. Segundo ele, debruçar-se sobre o cotidiano do povo brasileiro nos faz perceber que esse é um país de muitas qualidades, ao contrário do que sustentava nossa herança intelectual, totalmente influenciada por teorias européias.

A intelectualidade brasileira costumava ver tudo errado no Brasil e em seu povo mestiço. Essa visão pessimista, da qual também compartilhou o Jorge Amado em sua fase comunista, a exemplo do que ocorre em seu primeiro livro, cujo desfecho conclui que o país do carnaval não tem solução, costumava nortear as análises sociológicas sobre a nação brasileira. Para Roberto da Matta, a Dona Flor, concebida na fase posterior ao rompimento do Jorge Amado com o Partido Comunista Brasileiro, é uma representação do Brasil, isto é, um símbolo de continuidade e ruptura com o nosso passado-presente personalista, tradicional e também pessimista.

Para o antropólogo, a Dona Flor não é uma vítima do destino, como foram a Capitu do Machado de Assis e a Heloísa do José de Alencar, ou, ainda, como a Madame Bovary do Gustave Flaubert e a Luiza do Eça de Queiroz. Dona Flor, de acordo com ele, rompe com a tradição literária ocidental na qual todas as mulheres que tiveram mais de um homem se ‘estreparam’ (sic). Ela faz o seu destino e foi bem sucedida na empreitada.

Mas a Dona Flor representa mais que isso. Representa também um universo intermediário que absorve universos opostos sem nenhum conflito existencial ou algo parecido. Ela consegue viver de maneira intensa dois amores sem contrariar os padrões morais da sua época, afinal, ambos, Vadinho e Teodoro, eram seus esposos legítimos. Da mesma maneira agem os brasileiros em geral, conforme Roberto da Matta.

O brasileiro costuma ter dificuldade em separar o mundo público (das relações puramente racionais e impessoais) do mundo privado (das relações marcadas pela afetividade), criando um dualismo entre esses dois universos da vida social. Roberto da Matta esquematiza esse dualismo públicoXprivado, na dicotomia casa e rua. A primeira representando o universo particular, enquanto a segunda, o universo coletivo. Todavia, da Matta vai dizer que para se entender a realidade brasileira, não é possível operar apenas nesse dualismo, pois se corre o risco de deixar de fora uma importante estrutura que caracteriza a nossa identidade, uma vez que o universo das interações sociais brasileiras é relacional. Trata-se do universo intermediário que matiza esse dualismo rígido.

Roberto da Matta propõe, então, que examinemos a relação do triângulo ritual e o espaço intermediário que ele cria nas nossas relações cotidianas. Para ele, não é suficiente analisar o Brasil apenas do ponto de vista dualístico, isto é, em termos de casa/rua, norte/sul, negros/brancos, senhores/escravos, oprimidos/opressores, litoral/interior, império/república, arcaico/moderno. É preciso considerar um terceiro elemento que perpassa esse dualismo. Por exemplo: negro/branco/mulato – negro/branco/índio – índio/branco/caboclo – sim/não/mais ou menos – ordem (rituais cívicos) / desordem (festas populares) / cerimoniais neutros (rituais/festas religiosas).

Assim é o brasileiro de acordo com o esquema teórico do Roberto da Matta. E a Dona Flor o representa bem, afinal, ela além de misturar o universo da casa (Teodoro) e da rua (Vadinho), escolheu não escolher. Quando não se escolhe, disse ele, permite-se ver os fatos a partir de diferentes ângulos: do perto e do longe, da luz e do escuro, etc. Dona Flor é essa relação substantiva, concreta que aparece no mundo das idéias e nas relações cotidianas dos brasileiros. Por isso ele afirmou que o dilema da Dona Flor é o dilema do Brasil, um país repleto de preconceitos velados. Ao mesmo tempo que condenamos certos comportamentos, atitudes e pessoas, não admitimos jamais que somos preconceituosos, pois nossa cordialidade não nos permite fazê-lo. “Não temos preconceito nenhum, desde que nossos filhos e filhas não namorem as pessoas “erradas”, não tenham amizades “erradas”; fora isso, não temos preconceito nenhum”. Ironizou. Para o antropólogo, os brasileiros não aprendem a conviver com o outro de forma igualitária porque costumamos privilegiar nossos relacionamentos. Disse também que os elementos da impessoalidade devem ser separados da pessoalidade porque "numa sociedade onde todos agem como bem querem, ninguém chega a lugar algum". Concluiu. Quando perguntado sobre quem ou o que personificaria a malandragem do Vadinho hoje no Brasil, ele respondeu: “Tá tudo na política”! (por Sílvio Benevides)
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(Foto: Roberto da Matta por Sílvio Benevides)

Absurdo e mais absurdos

Por que o brasileiro em geral e o soteropolitano em particular tem dificuldade em respeitar o outro ou regras simples de conduta instituídas para facilitar a vida em sociedade? Em Salvador os casos de abuso e desrespeito são uma constante. Não é preciso caminhar muito pelas ruas da cidade para flagrar, por exemplo, pessoas, a poucos centímetros da lixeira, jogando lixo no chão; motoristas avançando o sinal vermelho, ou então parados sobre a faixa de segurança, ou, ainda, estacionados em local proibido, como se pode observar na foto que ilustra essa postagem, tirada na Avenida Princesa Isabel, na Barra.

Flagrantes de desrespeito não ocorrem somente em situações cotidianas. Na última apresentação da Ana Carolina em Salvador, realizada no sábado 26/10/2008, o desrespeito ao público foi total. O show, marcado e anunciado para começar às 19:00, iniciou às 21:50. Para se ter uma idéia do tamanho do desrespeito, às 20:00 as luzes do palco ainda estavam sendo ajustadas. Refletores eram tirados e recolocados no lugar sem a menor preocupação com a platéia, totalmente exposta a acidentes que por desventura pudessem ocorrer. Enquanto isso, os responsáveis pelo show, as produtoras 2GB EMPREENDIMENTOS e MAURÍCIO PESSOA PRODUÇÕES, alheios à insatisfação de uma platéia exausta, tocavam insistentemente o mesmo CD da Vanessa da Mata, como se isso fosse minimizar o desrespeito. Não houve sequer a preocupação em dar uma satisfação ao público. Em casos como esse, o melhor a fazer é boicotar qualquer espetáculo ou show produzido pela 2GB EMPREENDIMENTOS e pela MAURÍCIO PESSOA PRODUÇÕES. Por que continuar prestigiando quem desconhece o sentido da palavra respeito?
Até quando seguiremos aceitando sucessivos desrespeitos como algo natural? Por que insistir em práticas desrespeitosas se o respeito é a base de toda e qualquer relação, seja entre indivíduos ou entre indivíduos e instituições? Continuar com a lógica do desrespeito, do jeitinho e da improvisação só nos levará à balbúrdia, na qual todos, sem distinção, perdem (por Sílvio Benevides).
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(Foto: Sílvio Benevides)

Grau Dez!

Falar da qualidade artística bem acima da média e do talento da cantora Ana Carolina já pode ser considerado lugar comum. Suas músicas e virtuose vocal emocionam e impressionam até mesmo aos ouvidos mais exigentes. Ana Carolina é uma profissional completa. Ela compõe, toca vários instrumentos, tem presença cênica e canta como poucas são capazes de cantar. A garganta da moça é poderosa e não há como negar esse fato. O bom de tudo isso é que ela consegue ser ainda melhor ao vivo. Seu último show em Salvador, realizado em 26/10/2008, embora estivesse aquém do seu potencial e a despeito do enorme atraso sem nenhuma satisfação por parte da produção e da cantora, mostrou que ela é sem dúvida uma das melhores artistas da MPB na atualidade e, arrisco dizer, de todos os tempos. Envolvente do início ao fim, Ana Carolina fez a platéia cantar e extravasar suas emoções num espetáculo cuja “coisa mais linda de se ver” foi a interação constante entre a cantora e seu público (ou deveria dizer súditos?). Não é qualquer um que consegue transcender a condição de artista para se tornar ídolo. Ana Carolina atingiu esse estágio. Por isso, parodiando os grandes Ary Barroso e Lamartine Babo, ela é Grau Dez! E assim será por muito tempo, caso não passe a desrespeitar o público com os seus atrasos enfadonhos e injustificáveis (por Sílvio Benevides).
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(Foto: Ana Carolina por Sílvio Benevides)