terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O tempo é um rio

Ser humano é ser composto de substância semelhante à mistura de argila e água que se faz e refaz ao sabor dos ventos, ao sabor das chuvas. Talvez por isso, para suportar a sua fragilidade e fugacidade, o ser humano busque incansavelmente controlar toda a vida ao seu redor. E dessa busca incansável nasceu o tempo, essa categoria que, tal qual um rio, ao passar, tudo leva, tudo traz, por vezes suave, por vezes voraz. Mas o que é o tempo, esse “compositor de destinos; senhor de todos os ritmos”?  

O tempo é, sem dúvida, uma ilusão, uma miragem que sempre nos leva a pensar, refletir sobre tudo que passou e, também, sobre tudo que está por vir. E o que está por vir, o que será? Pode ser um furacão, pode ser um mar de rosas, pode ser sim, pode ser não, pode ser uma dor, uma queda, um abismo, uma brisa ou um frescor imenso que invade o peito e o enche de uma alegria sem fim. Seja isto ou aquilo, o que está por vir, virá amanhã ou depois de amanhã! Assim é a vida. Tão imensa quanto o tempo ou talvez o próprio tempo que passa devagar, átimo após átimo nos deixando à deriva pelo imenso oceano que é a vida. O que está por vir se aproxima bem devagar, fazendo-me pensar que no fundo, bem lá no fundo, o que todo mundo quer e deseja é ser feliz. É isso! Sejamos felizes e deixemos que os outros também sejam. Até! (por Silvio Benevides).
 
Imagem: Dinarte.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A construção da memória histórica

De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, história é um substantivo feminino que diz respeito ao conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade, segundo o lugar, a época e o ponto de vista escolhido. Também significa, entre outras acepções, a ciência que estuda eventos passados com referência a um povo, país, período ou indivíduo específico, ou, ainda, a evolução da humanidade ao longo de seu passado e presente, assim como a sequência de acontecimentos e fatos a ela correlatos. Por extensão, a história também pode ser entendida como o julgamento da posteridade; a memória dos homens. Mas como se constrói essa memória?
 
A construção da memória histórica sempre ocorre a partir do olhar de quem conta a história, ou seja, o olhar do narrador. Esse narrador, por sua vez, ocupa um lugar na estrutura social, isto é, ele pertence a uma determinada classe social, faz parte deste ou daquele gênero, tem esta ou aquela idade ou orientação sexual, traz na pela e na cara as marcas que caracterizam esta ou aquela raça ou etnia, é parte integrante de uma nação, defende ideias, valores, crenças, além de possuir um código moral mais ou menos rígido e assim por diante. E o que isso significa? Significa que, sendo sempre construído a partir de um ponto de vista específico, este conjunto de conhecimento é sempre relativo e deve ser a todo instante submetido à análise criteriosa do contexto no qual e a partir do qual ele foi erigido.

No contexto atual, caracterizado pelo que o pensador espanhol Manuel Castells denominou de informacionalismo, grandes empresas de comunicação se converteram em grandes narradores históricos. Elas dominam grande parte da produção da informação, assim como, a distribuição em larga escala daquilo que produzem, muitas vezes de alcance global. Nesse processo, orientado por interesses ideológicos comprometidos com a reprodução do capital e de tudo o mais que lhe dá sustentação, alguns acontecimentos históricos se convertem em fatos da maior importância para humanidade, enquanto outros, de igual ou de maior importância, são diminuídos, negligenciados ou ainda totalmente ignorados. O mesmo ocorre com as personalidades que os protagonizaram. Um exemplo disso são as mortes do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy e do presidente do Chile, Salvador Allende.

Hoje, 22 de novembro, o assassinato do presidente Kennedy completa cinquenta anos. As manchetes sensacionalistas dos noticiários impressos e televisivos trataram o acontecimento como um dos mais marcantes fatos históricos do século XX ou, ainda, “o atentado que chocou o mundo”. Mas a qual mundo esses noticiários se referem? Concordo que o atentado que pôs fim à vida de John Kennedy foi um fato chocante, mas muito mais por ter sido filmado “em tempo real” do que por sua importância histórica propriamente dita ou qualquer outra coisa. Esse atentado, porém, não foi mais chocante do que o atentado que matou o presidente chileno Salvador Allende e que no último dia 11 de setembro completou quarenta anos. Disposto a resistir ao golpe de Estado perpetrado por setores militares e civis da sociedade chilena, que contaram o apoio financeiro, logístico e bélico-militar do governo dos Estados Unidos, Allende se manteve no La Moneda, sede do governo. A força aérea chilena bombardeou o palácio, matando o presidente cujas ações promoveram grandes mudanças que beneficiaram amplos setores da sociedade, especialmente os mais populares. Contudo, quase nada (para ser otimista) foi dito e/ou divulgado na grande imprensa sobre esse acontecimento. Tampouco o evento foi tratado como um acontecimento marcante para a história da humanidade e do século XX. Por que não? Porque como nos informa o dicionário, a história diz respeito ao conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade, segundo o lugar, a época e o ponto de vista escolhido. E o ponto de vista escolhido, desde quando a história passou a ser narrada, é o de quem sempre esteve no poder e não quer, de modo algum, largar o osso. Na presente era talvez as coisas estejam mudando com a emergência de múltiplas narrativas. Isso, porém, é uma outra história (por Silvio Benevides).

Imagem: Ampulheta Borboleta por Jim Tsinganos

domingo, 27 de outubro de 2013

FLICA 2013: Os neoracistas e seus racismos anacrônicos


Início da mesa "Donos da terra?", na Flica 2013.
Terminou neste domingo (27/10/13) a terceira edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica). Durante os cinco dias da festa o acontecimento mais significativo, sem dúvida, foi a manifestação contra o racismo, ocorrida no sábado (26/10) durante a mesa “Donos da terra? Os neoíndios, velhos bons selvagens”, que tinha como debatedores os cientistas sociais Demétrio Magnoli (USP) e Maria Hilda Baqueiro (UFBA), mediados  pelo educador Jorge Portugal.

O debate teve início com um questionamento, no mínimo insólito, levantado pelo mediador: teria sobrado tanto índio assim para se precisar de tanta terra? Muita gente na platéia ficou perplexa com a pergunta, sobretudo porque ninguém esperava que um debate que se pretendia sério e isento de qualquer juízo de valor ou mesmo tomada de qualquer partido, conforme alardeou a organização do evento antes mesmo a mesa iniciar suas atividades, começasse justamente com um questionamento tão capcioso.

Ao finalizar sua pergunta, o mediador passou a palavra para a Maria Hilda Baqueiro, que fez questão de frisar que as terras destinadas aos assentamentos indígenas não são, de fato, terras indígenas, mas, sim, terras da União e reservas florestais. Sendo assim, a União pode, a qualquer momento que julgar necessário, remanejar esses povos para onde avaliar ser mais adequado. Ademais, continuou ela, embora no Brasil a população indígena seja maior que a população indígena do Canadá e dos Estados Unidos, conforme havia mencionado o mediador do debate, os portugueses foram responsáveis por um dos maiores genocídios da história da humanidade. Em seguida, o Jorge Portugal cedeu a palavra para o Demétrio Magnoli, que explanou sobre o que ele chama de narrativas sobre os índios brasileiros.

Para o sociólogo da Universidade de São Paulo, existem quatro grandes narrativas sobre os índios brasileiros, construídas ao longo da história nacional. A primeira foi criada pelos missionários jesuítas, que desejavam “salvar” almas. A segunda, criada pelo movimento romântico brasileiro no período imperial, retratava um índio que não existia nem nunca existiu. A terceira, a do Marechal Rondon e dos irmãos Villas-Bôas, visava integrar o índio à sociedade brasileira. Por fim, a narrativa dos neoíndios, forjada, segundo ele, por ONG’s vinculadas a organizações internacionais. De acordo com o Demétrio Magnoli, esta última narrativa foi responsável por banir das escolas brasileiras de maneira irresponsável a narrativa de integração do índio à sociedade nacional proposta pelo Marechal Rondon e pelos irmãos Villas-Bôas, e com isso, criou-se no Brasil, segundo ele, uma nação racialista, dividida em raças, e não uma sociedade integrada, uniforme, verdadeiramente democrática.

Protesto pacífico contra o racismo realizado na Flica 2013.
Diante de tais impropérios, Maria Hilda Baqueiro deu uma verdadeira lição sobre história indígena no Brasil, deixando bem claro e explícito para os presentes o total desconhecimento do sociólogo uspiano sobre o tema do debate e o quão suas palavras e idéias estavam imbuídas de um senso comum bem rasteiro e de juízos de valor de uma camada social brasileira que não deseja, de modo algum, abrir mão dos seus privilégios de classe. Quando o Demétrio Magnoli pediu a palavra para contestar a Maria Hilda Baqueiro, uma voz gritou em alto e bom som: RACISTA! Era o início do protesto. Um grupo de jovens estudantes abriu uma faixa na qual se podia ler “Contra as cotas, só racista” e, assim, conseguiram impedir a reprodução de um discurso racista tão fartamente reproduzido pelos grandes veículos de comunicação, por meio de intelectuais como o Demétrio Magnoli, assumidamente contrário às políticas de ações afirmativas, das quais as políticas de cotas fazem parte.

Performance realizada durante o protesto.
A manifestação/protesto ocorreu de maneira extremamente pacífica. Nada foi depredado e nenhum dos presentes teve a sua integridade física ameaçada, ao contrário das inverdades caluniosas publicadas pelo periódico Correio da Bahia, que em nota não assinada distorceu deliberadamente os fatos, numa velha manobra bem conhecida de certos veículos de comunicação, que tentam de todas as maneiras apresentar à população em geral os movimentos sociais contra-hegemônicos como movimentos hostis à ordem democrática. Mas qual ordem democrática esses veículos defendem quando distorcem fatos e publicam calúnias?

Os meninos e meninas que protestavam apenas gritavam palavras de ordem e pediam para que o tema da mesa contemplasse a discussão sobre as cotas raciais. A organização da Flica, de maneira intransigente, se recusou a atender a reivindicação dos manifestantes. Diante disso, os meninos e meninas também se recusaram a negociar e passaram a exigir a saída do Demétrio Magnoli da mesa e o cancelamento da mesa da noite, da qual participaria o filósofo e ensaísta pernambucano Luiz Felipe Pondé. Devido ao impasse que se formou, a organização da Flica decidiu encerrar a mesa e anunciou que ela voltaria a ocorrer às treze horas de portas fechadas, deixando bem claro o conceito que eles têm sobre democracia. Como os meninos e meninas que protestavam, assim como aqueles que apoiavam o movimento, se recusaram a sair para evitar que fossem impedidos de adentrar o recinto no turno vespertino, a organização do evento cortou o ar-condicionado do salão, a comunicação wi-fi e, também, impediu que as pessoas tivessem acesso a água e aos sanitários. E como se não bastasse tudo isso, os meninos e meninas é que foram acusados de anti-democráticos, intransigentes e radicais.
Performance que lembrava o genocídio de negros e índios.

O que esses meninos e meninas fizeram foi uma verdadeira demonstração do espírito democrático, pois reivindicavam o direito de fala de sujeitos historicamente forçados a se calar e, mais que isso, defendiam, em última instância, dois dos pilares fundamentais da democracia, que são a igualdade e a liberdade, haja vista que todo e qualquer discurso, assim como todo e qualquer veículo de comunicação, que difunda ou ajude a difundir idéias e ideais racistas, sexistas, homofóbicos, fascistas e nazistas atentam contra a liberdade e a igualdade (igualdade essa que não suprima as desigualdades e especificidades ontológicas e identitárias) de povos e indivíduos, como, também, atentam contra os direitos humanos e a história já nos mostrou isso. Sendo assim, tais discursos são um atentado contra a democracia. Ser democrático não é permitir que qualquer um fale qualquer coisa. Ser democrático é lutar em defesa da dignidade humana. Espero que os organizadores da Flica, os neoracistas e os reacionários de plantão que lá estavam tenham aprendido e apreendido a lição dada por esse grupo de jovens que demonstraram para o Brasil e para o mundo porque que Cachoeira sustenta o título de cidade heróica, pois é o berço das lutas contra a escravidão no Brasil e das lutas por liberdade (por Silvio Benevides).

Imagens: Silvio Benevides.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O Menino do Gouveia



Estendido junto a mim na cama suspirativa do chateau, depois de ter sido enrabado duas vezes, tendo na mão macia e profissional a minha respeitável porra, em que fazia umas carícias aperitivas, o menino do Gouveia, isto é, o Bembem, contou-me pitorescamente a sua história com todos os não-me-bulas de sua voz suave de puto matriculado.

- Eu lhe conto. Eu tomo dentro por vocação; nasci para isso como outros nascem para músicos, militares, poetas ou até políticos. Parece que quando me estavam fazendo, minha mãe, no momento da estocada final, peidou-se, de modo que teve todos os gostos no cu e eu herdei também o fato de sentir todos os meus prazeres na bunda.

Quando cheguei aos meus treze para catorze anos, em que todos os rapazes têm uma curiosidade enorme em ver uma mulher nua, ou pelo menos um pedaço de coxa, um seio ou outra parte do corpo feminino, eu andava a espreitar a ocasião em que algum criado, ou mesmo meu tio, ia mijar, para deliciar-me com o espetáculo de um caralho de um homem.

Não sei por que era, eu sentia uma atração enorme para o instrumento de meus prazeres futuros.

Havia então, entre os empregados, um que possuía uma parativelas que era mesmo um primor de grossura e comprimento, fora a cabeçorra formidável. Uma destas picas que nos consolam até a alma!

Entretanto, o que mais aguçava a minha curiosidade e me dava um desejo insofrível, era poder ver a porra de meu tio. Este, porém, era muito cauteloso, e jamais ia satisfazer as suas necessidades sem trancar a porta da privada, ficando eu deste modo com o único recurso de calcular e julgar, pelo volume que lhe via na perna esquerda, as dimensões do seu mangalho que parecia ser colossal.

Um dia em que ele e titia foram à cidade muni-me de uma verruma e fiz na porta do quarto dos mesmos uma série de buracos dispostos de maneira que eu pudesse observar todos os movimentos noturnos.

- Confesso, Capadócio Maluco – acrescentou o Bembem, aumentando o movimento punhetal que vinha fazendo na minha pica -, que nem uma só vez me passou pela cabeça a idéia de que ia ver a titia nua ou quase nua. O meu único pensamento era poder apreciar ereto o membro viril do titio.

Nessa noite, mal nos recolhemos aos dormitórios, eu fui postar-me, metido na comprida camisola de dormir, na porta e com os olhos pregados nos furos previamente feitos.

Parece, porém, que o casal não tinha pressa nenhuma em se foder ou então ambos andavam fartos, pois meu tio, em camisa de meia, sem tirar as calças, sentou a ler um livrinho que depois eu souber ser da Coleção Amorosa do Rio Nu, enquanto minha tia, em mangas de camisa, principiou uma temível caçada a algumas pulgas teimosas.

Se eu gostasse de mulher, teria me deliciado vendo, nos movimentos bruscos da caçada, os seios da moça, que eram alvíssimos, de bicos vermelhos, redondos e rijos como se ela ainda fosse cabaçuda; porém todo o meu prazer, toda a minha curiosidade, estavam entre as pernas do tio, no seu caralho, cuja lembrança me punha comichões na bunda.

Afinal, ela parece que cansou na perseguição dos pequenos animais, pois deixou cair a saia e rapidamente substituiu a camisa por uma pequena camiseta de meia de seda que lhe chegava até o meio das nádegas.

Mesmo sem querer, tive que admirar-lhe as pernas bem-feitas, as coxas grossas, torneadas e muito claras, a basta pentelhada castanho-escura e - com quanta raiva o confesso! – o seu traseiro, amplo, macio, gelatinoso.

Ah! se eu tivese um cu daqueles, era feliz! Era impossível que meu titio, tendo ao seu dispor um cagueiro daqueles, pudesse vir a gostar da minha modesta bunda! Quanto ciúmes eu tive da tia naquela noite!

Parece que a leitura do tal livrinho produziu alguma coisa em titio. Ele principiou a olhar de vez em quando para a mulher, estendida de papo para o ar sobre o leito; depois passou várias vezes a mão pela altura da pica.

Finalmente levantou-se, num momento tirou toda a roupa e caminhou para a cama.

Oh! Céus! Eu então pude ver, com toda a dureza que uma tesão completa lhe dava, os vinte e cinco centímetros de nervo com que a Natureza o brindara. Que porra!

Grande, rija, grossa, com uma chapeleta semelhante a um pára-choques da Central e fornida dum par de colhões que devia ter leite para uma família inteira.

Ele chegou-se ao leito, começou a beijar a esposa nos olhos, na boca, no pescoço, nos seios e depois, quando a sentiu tão arreitada como ele estava, afastou-lhe as belas coxas, trepou para cima do leito e eu, do meu observatório, vi aquele primor de pica deslizar suavemente e sumir-se todo pelo cono papudo da titia, que auxiliava a entrada do monstro fazendo um amestrado exercício de quadris, a suspirar, a gemer, a vir-se, no mais completo dos gozos, na mais correta das fodas.

Não quis ou não pude assistir ao resto da cena. Eu tinha uma sensação esquisita no cu, parecia que as pregas latejavam. Mais tarde vim a saber que isso era tesão na bunda.

Corri para o meu quarto, fechei-me por dentro, atirei para longe a camisola, que me incomodava e, tendo arrancado a vela do castiçal, tentei metê-la pelo cu acima a ver se me acalmava. Fui caipora; as arestas da bugia machucavam-me o ânus e não a deixavam entrar.

Passei uma noite horrível.


De acordo com os pesquisadores James Green e Ronald Polito (In: Frescos Trópicos) O menino do Gouveia é considerado o primeiro conto erótico gay publicado no Brasil, editado pela revista Rio Nu, em 1914 e assinado por Capadócio Maluco, um pseudônimo. Na época Gouveia era a gíria para homens velhos que se relacionavam sexualmente com garotões.

Imagem: "The Absinthe drinkers". Paris.1895 (anônimo).

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O silêncio das sereias



Comprovação de que mesmo meios insuficientes, e até infantis, podem conduzir à salvação.

A fim de proteger-se das sereias, Ulisses entupiu os ouvidos de cera e mandou que o acorrentassem com firmeza ao mastro. É claro que, desde sempre, todos os outros viajantes teriam podido fazer o mesmo (a não ser aqueles aos quais as sereias atraíam já desde muito longe), mas o mundo todo sabia que de nada adiantava fazê-lo. O canto das sereias impregnava tudo -- que dirá um punhado de cera --, e a paixão dos seduzidos teria arrebentado muito mais do que correntes e mastro. Nisso, porém, Ulisses nem pensava, embora talvez já tivesse ouvido falar a respeito; confiava plenamente no punhado de cera e no feixe de correntes, e, munido de inocente alegria com os meiozinhos de que dispunha, partiu ao encontro das sereias.

As sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que seu canto: seu silêncio. É certo que nunca aconteceu, mas seria talvez concebível que alguém tivesse se salvado de seu canto; de seu silêncio, jamais. O sentimento de tê-las vencido com as próprias forças, a avassaladora arrogância daí resultante, nada neste mundo é capaz de conter.

E, de fato, essas poderosas cantoras não cantaram quando Ulisses chegou, seja porque acreditassem que só o silêncio poderia com tal opositor, seja porque a visão da bem-aventurança no rosto de Ulisses -- que não pensava senão em cera e correntes -- as tenha feito esquecer todo o canto.

Ulisses, contudo, e por assim dizer, não ouviu-lhes o silêncio; acreditou que estivessem cantando e que somente ele estivesse a salvo de ouvi-las; com um olhar fugaz, observou primeiro as curvas de seus pescoços, o respirar fundo, os olhos cheios de lágrimas, a boca semi-aberta; mas acreditou que tudo aquilo fizesse parte das árias soando inaudíveis ao seu redor. Logo, porém, tudo deslizou por seu olhar perdido na distância; as sereias literalmente desapareceram, e, justo quando estava mais próximo delas, ele já nem mais sabia de sua existência.

Elas, por sua vez, mais belas do que nunca, esticavam-se, giravam o corpo, deixavam os cabelos horripilantes soprar livres ao vento, soltando as garras na rocha; não queriam mais seduzir, mas somente apanhar ainda, pelo máximo de tempo possível, o reflexo dos grandes olhos de Ulisses.

Se as sereias tivessem consciência, teriam sido aniquiladas então; mas permaneceram: Ulisses, no entanto, escapou-lhes.

Dessa história, porém, transmitiu-se ainda um apêndice. Diz-se que Ulisses era tão astuto, uma tal raposa, que nem mesmo a deusa do destino logrou penetrar em seu íntimo; embora isto já não seja compreensível ao intelecto humano, talvez ele tenha de fato percebido que as sereias estavam mudas, tendo então, de certo modo, oferecido a elas e aos deuses toda a simulação acima tão-somente como um escudo.

Franz Kafka, 23 de outubro de 1917.

Original alemão extraído de Franz Kafka. Beim Bau der chinesischen Mauer und andere Schriften aus dem Nachlaß (in der Fassung der Handschrift), Frankfurt am Main, Fischer Taschenbuch Verlag (12446), November 1994, S. 168-170. Edições anteriores intitulavam-no "Das Schweigen der Sirenen"  [O silêncio das sereias], título que, no entanto, lhe foi dado por Max Brod.

Imagem: Ulisses e as Sereias por Herbert James Draper.

sábado, 7 de setembro de 2013

A mentalidade colonialista brasileira

Hoje, 07 de setembro de 2013, o Brasil comemora os 191 anos da sua independência política e administrativa. Quase duzentos anos após a separação de Portugal, o Brasil e muitos brasileiros ainda conservam, infelizmente, valores mais antigos que o Grito do Ipiranga. Vale lembrar que até 1888 o Estado brasileiro era oficialmente escravista. Atualmente não somos mais. Entretanto, uma mentalidade colonialista insiste em persistir e isso se pode perceber até mesmo em situações amistosas.
 
No dia da Independência do Brasil a seleção brasileira disputou um amistoso com a seleção australiana no Estádio Mané Garrincha em Brasília. Até aí nada demais, afinal, a disputa de amistosos é algo corriqueiro no mundo do futebol. No campo, o Brasil goleou o adversário (6x0). Nenhuma novidade nisso também. Se em campo não ocorreu nada de extraordinário, então qual a razão da presente postagem? A narração da equipe de transmissão do canal SporTV.
 
A equipe de narração do referido canal, composta pelo narrador Milton Leite e pelos comentários de Paulo Cesar Vasconcellos e Edinho, deu um show do que costumo chamar de mentalidade colonialista (uma aluna me convenceu que esse termo é mais adequado do que mentalidade escravista). Logo no início da transmissão, quando a seleção brasileira havia entrado em campo para se aquecer, os tais comentaristas resolveram tecer ao vivo considerações sobre o cabelo do Neymar.
 
Segundo os tais, o cabelo do Neymar estava bem comportado porque o jogador, agora atuando na Europa, tinha tomado um banho de cultura e um choque de civilização e que isso certamente faria muito bem para ele e para sua carreira. Antes, no Brasil, o Neymar vivia trocando o layout do seu cabelo, o que resultava, para os tais, de uma indisciplina digamos tupiniquim. Agora, no mundo civilizado, a história é bem diferente. O Barcelona exige mais disciplina e mais foco no futebol e o Neymar tem tudo para desenvolver seu talento. Esses tais são mesmo uns imbecis, para dizer o mínimo.
 
Em 1822 o Brasil conquistou sua independência política e administrativa. Separou-se definitivamente de Portugal, ainda que por vias cordiais. Entretanto, 191 anos após esse feito precisamos promover uma independência intelectual, ou seja, a superação definitiva da mentalidade colonialista. E não me refiro tão somente ao trabalho dos acadêmicos, pois a mentalidade colonialista, oriunda de um regime escravocrata e explorador, se constitui num fenômeno social total, como alertou o Joaquim Nabuco já no século XIX. Se o Brasil realmente deseja ser um país grandioso, precisa dar muitos passos rumo a uma independência que supere, de uma vez por todas, a mentalidade colonialista ainda presente nos nossos dias, a ponto de fazer com que os imbecis sintam tanta vergonha das suas imbecilidades que prefiram calar a proferir besteiras ao vivo ou não (por Silvio Benevides).
 
Imagem: Miguel Ruiz/FCB.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Violência armada: Salvador, Bahia, Brasil

Considerada por muitos como a “Terra da Felicidade”, ou, ainda, a terra da mistura, do sol, da folia, do carnaval e da alegria, Salvador está cada vez mais atolada num lamaceiro sem fim. A violência em Salvador, e no Brasil como um todo, há muito já atingiu contornos de guerra civil não declarada. A Copa das Confederações, que acaba de iniciar, e a Copa do Mundo, que vem aí, foram trazidas não para se reverterem em benefícios ao país, às cidades e aos seus cidadãos, como alardeia o discurso oficial. Se olharmos direitinho, acho que já estamos perdendo. No caso de Salvador, por exemplo, nenhum legado positivo esses eventos trarão para esta tão aviltada urbe, como anuncia a corja política e empresarial que tomou conta da cidade. Creio que eles irão mascarar nossas pústulas, nossas mazelas e todo o horror pelo qual a população há décadas vem passando, especialmente, a população de baixa renda e carente, a parte mais vulnerável deste jogo de imundícies. Na antiga Fonte Nova havia uma vila olímpica, uma escola pública e um ginásio de esportes. Na nova, “vendida” a uma cervejaria, temos tão somente um estádio de futebol, com menor capacidade, e cercado de estacionamento por todos os lados. Mas, como dizem os bobos da corte, agora pelo menos nossos estádios, verdadeiros templos do futebol, se igualam aos dos europeus. Enquanto isso, do lado de fora, amarga-se todo tipo de infortúnio e mal-estar social. O pior, é que a violência crescente é só um dos acerbos sintomas (por Silvio Benevides). 




Um dos mais procurados destinos turísticos do Brasil e uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, a cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, Brasil, vem sendo atingida por uma onda de violência sem precedentes nestes últimos anos. De acordo com o Brazilian Center for Latin American Studies (CEBELA), houve um aumento de mais de 250% de mortes violentas na capital baiana. A fotógrafa da Agência Reuters, Lunae Parracho viajou para Salvador a fim de documentar o treinamento high-tech do efetivo policial, o trabalho da polícia nas favelas da cidade, das equipes de homicídio, o sofrimento das vítimas da violência armada; e, também, para retratar integrantes de grupos de narcotraficantes. As imagens podem ser vistas abaixo (Traduzido do site Boston.com).

Imagens: Lunae Parracho/Reuters.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Trezena de junho é tempo sagrado na minha Bahia


Hoje é dia de Santo Antônio! Seja nos sobrados mais luxuosos, seja nos casebres mais carentes, o santo mais popular da Igreja Católica é celebrado com carinho, ardor e firmeza por todos os seus devotos. E não se trata de uma celebração soturna. Muito pelo contrário. Ao longo de treze dias, Santo Antônio é celebrado com muitos cânticos, músicas e danças, além de muita comida, é claro. É assim nos mais variados rincões do Brasil. No Recôncavo da Bahia, como não podia deixar de ser, além de tudo isso, o santo é também celebrado com muito samba de roda. Depois dos cânticos, das rezas e orações, pede-se licença ao santo para cair na roda do samba. E a roda gira, gira e quanto mais gira, mais leves ficam os espíritos. E em meio a tanta leveza, regada a pão, guloseimas, arroz doce, guaraná e licor os corações se confraternizam, as amizades se firmam e a paz se realiza. E para festejar a paz que Santo Antônio inspira, o Poema Falado desse mês de junho traz um texto de autoria do Fernando Pessoa, o grande poeta universal, como Santo Antônio. Leia abaixo o texto completo, veja no vídeo um trecho do poema, que nos brinda, ainda, com o Hino a Santo Antônio interpretado pela Maria Bethânia. Boa áudio-leitura (por Silvio Benevides).


SANTO ANTÓNIO
(Fernando Pessoa)

Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir. . .
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!

Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.

(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João. . .
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)

Adiante...Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,

És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.

Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.

Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.

Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.

Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.

Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.

(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? . . .
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.

És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.

És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.

És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,

E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.

Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?

Fernando Pessoa: Santo António, São João, São Pedro. In: Fernando Pessoa. MARGARIDO, Alfredo (Org.). Lisboa: A regra do jogo, 1986.
 
Imagem: Silvio Benevides.

domingo, 21 de abril de 2013

É preciso estar atento e forte frente ao terror

Atentado da OTAN em 06/04/13 mata 11 crianças afegãs.
Ao longo desta última semana, os veículos de informação noticiaram a exaustão os atentados ocorridos em Boston, nos EUA, durante uma tradicional maratona, considerada a mais antiga da história. Duas bombas de fabricação caseira explodiram em meio à multidão quando atletas do mundo inteiro cruzavam a linha de chegada. Três pessoas morreram, entre elas, uma criança com apenas oito anos de idade. A morte de crianças é sempre lamentável e, sem dúvida, uma tragédia, especialmente por conta da estupidez dos acontecimentos. Entretanto, o intrigante é o fato de a morte de algumas crianças serem consideradas mais trágicas do que de outras, ao menos para os grandes veículos de comunicação. O pequeno garoto Martin Richard morreu enquanto esperava a chegada do pai maratonista. Terrível? Claro, pois crianças de oito anos são sempre inocentes. Mas e quanto às centenas de crianças afegãs, igualmente inocentes, que morreram e continuam a morrer numa guerra igualmente estúpida. Por que o destino dessas crianças é menos trágico? Por que o destino dessas crianças não comove os grandes veículos de comunicação? Por que o destino dessas crianças não é lamentado com a mesma veemência? Por que certas ações são alardeadas como “terroristas” e outras não? Por quê?

Buscando entender essa questão, encontrei a seguinte definição para terrorismo, baseada em um documento oficial do governo estadunidense. Segundo o referido texto, por terrorismo se entende “o uso deliberado da violência e da ameaça à violência para alcançar metas, quer sejam políticas, religiosas ou ideológicas em sua natureza, por meio de intimidação, coerção ou insuflando o medo”. Assim sendo, os acontecimentos em Boston podem ser classificados como tal. Entretanto, de acordo com o pensador estadunidense, Noam Chomsky, “embora o terrorismo seja, com toda razão, temido em todo o mundo e seja, de fato, um ‘intolerável retorno à barbárie’, não é surpresa que haja diferenças relevantes na percepção de sua natureza, condicionadas a experiências claramente diferenciadas, fatos cujo potencial ameaçador será ignorado por aqueles a quem a história acostumou à imunidade, não importando os terríveis crimes que praticam”. Baseado nessa afirmação, o que dizer sobre a notícia abaixo?

Onze crianças e uma mulher mortas durante ofensiva da NATO no Afeganistão – "Doze civis morreram no sábado, durante um ataque aéreo da NATO (OTAN) numa aldeia do distrito de Shigal, província de Kunar, junto à fronteira com o Paquistão. Segundo a Reuters, os mortos são 11 crianças e uma mulher. Seis outras mulheres terão ficado feridas. As autoridades e os habitantes disseram aos repórteres da BBC que as vítimas estavam dentro de casa no momento do ataque, que era dirigido aos taliban. Num comunicado oficial, a NATO confirmou o ataque aéreo, mas disse não ter registo de mortes de civis [...] Wasefullah Wasefi, porta-voz do governador local, disse que várias casas de civis foram atingidas e ficaram parcialmente destruídas em três aldeias daquele distrito. “Onze crianças e uma mulher foram mortas quando um raide aéreo atingiu as suas casas”, fazendo abater os telhados, disse Wasefi, citado pela Reuters. A BBC, porém, fala em dez crianças e duas mulheres. Os fotógrafos das agências internacionais no terreno mostram os corpos de várias crianças, deitados no chão, embrulhados, rodeados por moradores. Os cadáveres das mulheres não são, segundo a tradição afegã, expostos. Um porta-voz da NATO, capitão Luca Carniel, disse ter conhecimento de feridos civis no ataque, mas não de mortos, e garantiu que o caso está a ser investigado. A mesma fonte disse que as tropas da Aliança Atlântica apenas deram “apoio” militar aéreo durante a operação, sem qualquer presença no terreno. “O apoio aéreo foi pedido pelas forças de coligação – não-afegãs – e foi usado para atingir as forças insurgentes em áreas distantes das estruturas, de acordo com o nosso relatório”, disse o capitão, citado pela BBC. Um líder tribal do distrito disse à estação de televisão britânica que o ataque começou na manhã de sábado e durou “pelo menos sete horas”. Este incidente ocorreu no mesmo dia em que morreram cinco americanos – três soldados, um jovem diplomata e um responsável do Departamento de Defesa norte-americano – devido à explosão de uma bomba num carro" (Fonte: PÚBLICO).

"Elas não vão acordar": crianças afegãs mortas pela OTAN.
A ofensiva (terrorista?) no Afeganistão já fez milhares de vítimas civis. Destas, centenas são crianças indefesas, como o garoto morto em Boston, Martin Richard, o que levou a ONU a responsabilizar o governo dos EUA por este verdadeiro infanticídio, que, ao que parece, não causa tanta comoção, ao menos não entre os grandes veículos de comunicação e nem entre os governos nacionais mundo afora, que emitem notas oficiais de repúdio aos atentados em Boston e calam-se frente ao infanticídio afegão, além de outras atrocidades contra a vida. Por quê? Por que, como escreveu o jornalista Paulo Nogueira, “os inocentes mortos no Iêmen – ou no Afeganistão, ou no Iraque – têm escasso valor, quando comparados aos inocentes mortos no Ocidente”? Por que, continua ele, estas crianças “são vítimas invisíveis, ignoradas no mundo — choradas apenas num canto que para nós, ocidentais, não é nada”? Afinal, como disse o próprio presidente Barack Obama na sala de imprensa da Casa Branca, referindo-se às bombas que explodiram em Boston, “sempre que bombas são usadas para atingir civis inocentes, isso é um ato de terrorismo”. Sendo assim, por qual motivo os EUA são poupados pela grande mídia em relação ao Afeganistão?

Penso que tanta ênfase nos acontecimentos de Boston se deve ao fato de que a chama do terrorismo precisa permanecer acesa para justificar os milhões de dólares investidos na produção e na compra de armamentos, assim como, em outros equipamentos de segurança. Do mesmo modo, a ameaça do terrorismo precisa ser alentada a fim de justificar as políticas de invasão como a do Afeganistão, por exemplo, e, também, justificar a violação dos direitos humanos. Tudo em nome da “guerra contra o terror”. Por conta disso, parafraseando o Caetano Veloso, devemos ficar atentos e fortes frente aos fatos para não aceitarmos nenhum tipo de terrorismo, venha ele de onde vier (por Silvio Benevides).

Imagem: REUTERS

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Para reflexão! Assino em baixo!


Estádio da Fonte Nova em 2007

O texto abaixo tem circulado no facebook e sua autoria, ao que tudo indica, parece ser de um jovem que se chama Daniel Moraes. O interessante do texto é que ele nos chama a atenção para o fato de que, até agora, a Copa da FIFA de 2014 tem se configurado num grande engodo e, pior ainda, em um grande prejuízo para a população, isto é, o contribuinte-cidadão brasileiro,seja financeiro, político ou de qualquer outra ordem. Em Salvador, por exemplo, das inúmeras obras prometidas para eliminar o caos urbano no qual os soteropolitanos se encontram, nenhuma foi concretizada, exceto o próprio estádio, sem o qual não poderia haver jogo. Até mesmo o metrô, cujas obras se arrastam por mais de uma década e que seria um importante equipamento para dirimir o problema de mobilidade urbana na capital baiana, não tem prazo para entrar em operação. Os preparativos para a Copa de 2014 apenas confirmam que o brasileiro não sabe fazer planejamentos de longo prazo, que nossos governantes não se preocupam com o bem-estar da população, caso contrário se empenhariam com o mesmo afinco que se empenham para a Copa 2014 em solucionar nossos problemas com educação, saúde e segurança, por exemplo, e que nosso empresariado vislumbra tão somente aumentar suas vultosas margens de lucro sob os auspícios de políticos corruptos e inescrupulosos. Mas, o pior mesmo é ter de admitir que nosso povo se satisfaz com migalhas, desde que não lhes tire o circo (por Silvio Benevides).

Tá tudo muito bonito mas cabe uma crítica: O antigo estádio Octavio Mangabeira, mais conhecido como Fonte Nova, além de estádio de futebol era um verdadeiro complexo esportivo, dotado de Ginásio (Ginásio Esportivo Antônio Balbino - o “Balbininho”) e Vila Olímpica, que possuía a única piscina olímpica de Salvador (50mx25m).

Com esses equipamentos, a Fonte Nova além de receber jogos de futebol, era palco de lutas de boxe, campeonatos de judô e já recebeu até mesmo a seleção brasileira de vôlei. Muito além de proporcionar entretenimento, o Complexo Esportivo da Fonte Nova cumpria uma função social, uma vez que oferecia escolinha de ginástica, boxe, judô e natação a diversos alunos de escolas públicas, contribuindo para a formação de atletas no Estado da Bahia. O novo estádio também não possui pista de atletismo. Estima-se que cerca de 1,3 mil atletas foram prejudicados.

No âmbito da arquitetura, o estádio Octavio Mangabeira representava uma das grandes construções do estilo modernista do Brasil, de autoria, entre outros, do arquiteto Diógenes Rebouças com um bonito partido arquitetônico - a famosa “ferradura”. A demolição do estádio, não levou embora somente uma importante obra do modernismo no país, mas também um bem tombado pelo IPHAN, uma vez que o “Dique, com os limites atuais de suas águas, compreendendo os conjuntos urbanísticos e florestais dos vales que o circundam” foram tombados, em 1959.

Há de se observar que a Nova Fonte Nova, agora Itaipava Arena Fonte Nova, embora vá proporcionar muitas alegrias aos torcedores da Bahia e ao torcedor brasileiro em geral na Copa, é um empreendimento privado, que será palco apenas de jogos de futebol, shows, congressos etc, não cumprindo, assim, nenhuma função social de formar atletas e proporcionar lazer às crianças e jovens.

Imagem: Silvio Benevides.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Estudantes da UFRB/GEPPS visitam a ALBA


Foto oficial da visita do GEPPS a ALBA
Na última terça-feira, dia 02/04, estudantes e professores integrantes do Grupo de Estudo e Pesquisa em Política e Sociedade (GEPPS) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) realizaram uma visita técnica à Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (ALBA). A atividade foi planejada objetivando que os acadêmicos conhecessem a estrutura e o funcionamento de uma Casa Legislativa.

A recepção ficou a cargo da coordenadora do programa A Escola e o Legislativo, Srª Maria José Andrade Assunção, que encaminhou os estudantes e os professores para estabelecer um profícuo diálogo com os parlamentares Álvaro Gomes (PC do B), Carlos Geilson (PTN) e Kelly Magalhães (PC do B). A deputada, em especial, dedicou um tempo maior para dialogar com os visitantes, bem como explanar sobre suas atividades parlamentares e toda a sua trajetória política, desde os tempos em que era militante de movimento estudantil até ingressar na carreira parlamentar. A deputada respondeu, ainda, às perguntas e questionamentos dos estudantes presentes, enriquecendo, sobremaneira, o debate sobre política e sociedade. Após o encontro com os parlamentares, a turma do GEPPS conversou com o Prof. Maurício Sampaio sobre o poder legislativo e o direito constitucional. A visita técnica terminou no plenário da Câmara, onde os estudantes tiveram a oportunidade de acompanhar das galerias uma sessão ordinária da Assembleia Legislativa da Bahia.

Para os cidadãos que se preocupam com o funcionamento das instituições públicas, em especial, as instituições políticas, é muito importante conhecer uma Assembleia e o que a Casa tem a oferecer ao cidadão. Uma visita como esta leva-nos a conhecer os objetivos da Assembleia assim como amplia a compreensão sobre a importância dos poderes constituídos, especialmente, o Poder Legislativo (por Ana Paulla Almeida).

Imagem: GEPPS/Salvador na sola do pé

sexta-feira, 29 de março de 2013

POEMA FALADO: Sete Poemas para homenagear Salvador

Sob o signo de Áries nasceu a cidade de São Salvador da Bahia. Sua fundação se deu pelo comando do português Tomé de Souza, primeiro Governador-Geral do Brasil, que aos 29 de março de 1549 aportou na antiga capitania do donatário Francisco Pereira Coutinho, devorado pelos indígenas da Ilha de Itaparica num ritual antropofágico. Salvador extrapolou os muros da antiga fortaleza que lhe deu origem para se esparramar por entre morros, vales e pradarias, fincando suas raízes num imenso e belo sítio. Ao longo da sua história, enfrentou a toda sorte de intempéries; das invasões estrangeiras às revoltas e rebeliões passageiras, passando por escandalosos descalabros político-administrativos, que lhe marcaram com profundas e horrendas cicatrizes. Ainda assim, sua beleza e seus encantos resistiram e chegaram aos nossos dias com alguma altivez. Não sabemos, porém, se ela resistirá a tanta estupidez. Mas como hoje é dia de comemorar, o Salvador na sola do pé traz o Poema Falado intitulado “Sete Poemas” (VII), da escritora soteropolitana Myriam Fraga, para homenagear os 464 anos de existência desta cidade tão progressista, moderna e contraditória que se chama SALVADOR, capital da Bahia. Boa áudio-leitura (por Silvio Benevides).

 
SETE POEMAS (VII)
Myriam Fraga

Caminhos, encruzilhadas,
Becos, vielas, quebradas,
Ladeiras que se despencam,
Caminhos que se bifurcam,
Beijo salobro das praias,
Beijo doce das nascentes,
Brejos, diques, atalaias...

Uma cidade é como gente
Que se alisa e maltrata,
Como uma fêmea deitada
Que o amante navega e sente...

Assim se fez de meu sangue
Esta cidade encantada,
Este burgo, esta alimária
Como uma fera empinada,
Esfinge que espia o Outro
Surgindo da encruzilhada...
Me devoras, te devoro,
No fim não restará nada.

Só a sombra na parede,
Somente o nó da laçada,
Ou melhor:
Resta o que resta,
A tua boca de brasa,
O sinal desta passagem
Como uma gesta tatuada.

Como um vendaval de açoite,
Vento sul de madrugada.

Resta a poesia nascendo
De tua língua danada,
Resta o poema crescendo
Como flor e como espada,

Resta o que resta, restolho,
Que de mim não restou nada
Além do verso e da mágoa.
 
Imagem: Nilton Souza

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Poema Falado: MAR SONORO

O mar que a todos nós une, também a todos separa. O mar que a todos encanta e fascina, também amedronta e arruína. Na imensidão do mar sem fim se escondem segredos, lágrimas, alegrias, prazeres e muita história. Do mar brotou a vida. No mar a vida habita. Nas águas tranqüilas e revoltas do mar também habita uma legião de deuses e deusas: divindades gregas, romanas e irorubás. Do mar profundo emergiram sublimes Oceano, Netuno e a senhora, Dona Iemanjá. A ela é dedicado o Poema Falado deste mês de fevereiro, tempo de festa no mar, intitulado Mar Sonoro, de autoria da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. De sua paixão pelo mar de Iemanjá rebentaram estes de sereia: “Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, / A tua beleza aumenta quando estamos sós / E tão fundo intimamente a tua voz / Segue o mais secreto bailar do meu sonho, / Que momentos há em que eu suponho / Seres um milagre criado só para mim”. Tudo isso embalado pela maravilhos música do Dorival Caymmi, Sargaço Mar, na voz suavíssima da Adriana Calcanhoto. Boa vídeo-leitura! Odô-yá!! (por Silvio Benevides)




Imagem: Silvio Benevides

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Sejamos mais humanos em 2013


Cheguei ao texto abaixo, de autoria da psicóloga e psicanalista Rita de Cássia de A. Almeida, por meio de um compartilhamento no Facebook. Achei-o mais do que muito apropriado para esses tempos de pós-modernidade em que vivemos e, também, para esses dias de verão na Bahia que já se fazem sentir com toda força. Esse enorme pedaço de chão chamado de Bahia (refiro-me especificamente às terras em torno da Baía de Todos os Santos) é conhecido como “terra da felicidade”. Nunca entendi muito bem a razão deste simpático epíteto, afinal, violência, miséria, analfabetismo, má-educação, desrespeito, descaso e desgoverno são apenas alguns dos inúmeros problemas que afligem essa tão feliz população baiana, que de nada reclama, mas samba muito bem, pois é feliz como ninguém. Esse jeito de ser feliz do povo baiano, que a quase todo mundo encanta, fica mais fervoroso na estação mais quente do ano. E tanta felicidade se impõe de forma ainda mais fervorosa quando o carnaval se aproxima. Na terra da felicidade, a felicidade é uma obrigação. E tudo que é obrigado, acaba virando uma aberração, uma chatice. Na Bahia, não gostar da Ivete Sangalo, não curtir o Festival de Verão, achar o carnaval uma mesmice enfadonha e o pagode baiano uma abominação é pior do que ser nazista radical, é mais grave do que sofrer de câncer terminal. Não que eu seja um depressivo compulsivo, afinal, nasci na Bahia. Mas que tanta felicidade enjoa, ah isso enjoa. Por isso concordo com a autora do texto abaixo, “infelicidade não é doença, é parte da nossa condição existencial, sem ela perdemos pelo menos a metade da nossa humanidade”. Sejamos, pois, humanos na felicidade ou na ausência dela e que 2013 seja repleto de HUMANIDADE (por Silvio Benevides).


A ditadura da felicidade – Há mais de 15 anos que o meu trabalho cotidiano tem sido - para resumir em algumas poucas palavras - escutar o sofrimento alheio e, por opção, atuando na saúde pública. E durante esse percurso profissional testemunhei uma mudança muito interessante na minha prática clínica. Sofremos por diversos motivos e de diferentes formas e, pela minha experiência, o motivo do sofrimento não mudou muito, no entanto, a demanda que as pessoas tem feito quando estão em sofrimento mudou significativamente. 

Estudos da psicanálise atual têm tratado nossa época como a era do direito ao gozo. Ou seja, vivemos em uma época que não trata a felicidade como algo a ser construído ou conquistado, mas sim como um direito. Numa caricatura, diríamos que toda criança que nasce, especialmente no ocidente capitalista, recebe em sua certidão de nascimento um carimbo que outorga a ela o direito de ser feliz, de gozar sem restrições, sem qualquer porém.

Me lembrei agora dos versos de uma música do saudoso Tim Maia:
“Essa tal felicidade, hei de encontrar.
Mesmo se eu tiver que aguardar.
Se eu tiver que esperar.” 

Nos tempos do Tim Maia a felicidade ainda era uma contingência, quase uma utopia, uma busca na qual poderíamos ou não ter sucesso. Mas hoje a coisa é bem diferente, como a felicidade passou a ser um direito de todos, acabou alcançando também o patamar de uma certa obrigação do sujeito. É como se você tivesse ganhado o direito de, sem nenhum ônus, acessar mais 90 canais de TV e dissesse não. As pessoas te perguntariam: - Como assim, você não quer mais 90 canais de TV? Entendo que essa seja a grande pergunta que permeia o discurso ocidental capitalista: - Como assim, você não é feliz? 

Esse modo de entender a felicidade implicou numa mudança radical, como eu disse, no tipo de demanda que as pessoas fazem a nós, trabalhadores da saúde mental. Para os que não estão familiarizados com o fluxo de funcionamento da atenção à saúde do SUS, preciso fazer um parêntese para que compreendam melhor o que vou dizer adiante. 

O sistema funciona, ou pelo menos deve funcionar, em rede. A atenção primária é a extremidade da rede mais próxima do usuário, portanto a primeira que ele procura quando apresenta qualquer problema de saúde. A atenção primária - o posto de saúde, unidade de saúde ou estratégia de saúde da família – deve atender e oferecer resolutividade para a maior parte dos casos, cerca de 80% deles. O desafio da atenção primária é não trabalhar em cima das especialidades médicas, mas, intervir no sujeito como um todo, tendo como diretriz a promoção e a prevenção em saúde. Entretanto, a atenção primária pode, em casos mais específicos nos quais a intervenção do chamado especialista seja imprescindível, acionar outros parceiros da rede que possam oferecer suporte e parceria. Os CAPS, modalidade de serviço que trabalho, compõem exatamente este trançado da rede, eles oferecem uma escuta especializada no campo da saúde mental. Sendo assim, quase sempre recebemos encaminhamentos e demandas dos demais parceiros da rede, em especial da atenção primária, apesar de também recebermos demanda espontânea.

Ao chegar no CAPS o sujeito passará por um dispositivo chamado: acolhimento. Como o próprio nome diz, este é o momento que o sujeito será acolhido em sua demanda, será escutado com cuidado por um ou mais profissionais do serviço, não necessariamente o médico, para que se possa, a partir de então, construir uma estratégia de intervenção. E o que temos notado nesses acolhimentos é que as pessoas simplesmente não suportam ficarem infelizes, tristes, frustradas ou enlutadas (e também não suportam ver outras pessoas nesse estado). É como se elas agregassem um plus ao próprio sofrimento, sofrem pelo que as fazem sofrer e sofrem porque estão sofrendo, como se não tivessem mais o direito de ficarem infelizes. 

Somos procurados para fazer intervenção de saúde mental de alguém que está vivendo uma situação de luto ou perda, por exemplo, e quer ser medicado porque está chorando muito. Como assim? Então o sujeito perdeu um ente amado e precisa estar de bom humor para ir ao cinema depois do enterro?

Mães nos procuram com suas filhas adolescentes por chorarem trancadas no quarto depois de uma desilusão amorosa. Então a famosa “dor de cotovelo” tornou-se um grande mal a ser tratado com antidepressivos?

Certa vez, recebemos o encaminhamento de uma senhora via atenção primária, cuja queixa era insônia persistente e delírios persecutórios. Avaliando o caso com cuidado no acolhimento, entendemos que a tal senhora não dormia porque estava sendo ameaçada pelo marido há meses (ameaça real, não delírio de perseguição). Ele dizia que jogaria água fervente no seu ouvido enquanto ela estivesse dormindo. Alguém, por favor, me diga: como essa mulher poderia dormir? Não dormir, nesse caso, é sinal de saúde e não de doença. 

Esses são alguns dos muitos exemplos que têm nos convocado a fazer intervenções muito peculiares, diferentes daquelas que fazíamos há alguns anos atrás. Se, num passado não muito distante, grande parte da nossa intervenção era feita no sentido de autorizar as pessoas a serem felizes, hoje, temos precisado lançar mão de intervenções que autorizem as pessoas a serem infelizes, a chorarem, a sofrerem por um fracasso, uma perda, a mergulharem numa boa “dor de cotovelo”, sem que com isso precisem ser medicadas ou enquadradas em algum diagnóstico de transtorno mental.

Muitas vezes precisamos dizer a essas pessoas que não precisam se envergonhar de chorar a morte de alguém. Que é normal não dormirmos quando estamos endividados, desempregados ou sendo ameaçados. Invariavelmente precisamos lembrar às mães que elas também já choraram uma dor de amor e que sobreviveram. Precisamos dizer que num acesso de raiva não é uma insanidade irreparável quebrar algumas louças e a coleção de CDs. Às vezes precisamos dizer que (quase) todo mundo já pensou em suicídio pelo menos uma vez na vida, e que a imensa maioria nunca chegou a concretizá-lo. 

Por isso, a bandeira que levanto aqui é a seguinte: Se a felicidade é um direito a infelicidade é uma necessidade. Um brinde a infelicidade nossa de cada dia! Porque infelicidade não é doença, é parte da nossa condição existencial, sem ela perdemos pelo menos a metade da nossa humanidade. 

Então, que todos tenham um 2013 feliz, mas quando a infelicidade vier, que possamos mergulhar nela em paz...sem pudor (por Rita de Cássia de A. Almeida, Psicóloga/psicanalista da Rede de Saúde Mental do SUS – Blog pessoal: Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar...).

Imagens: Gleide Bandarra e Jonas Vanda.