domingo, 21 de abril de 2013

É preciso estar atento e forte frente ao terror

Atentado da OTAN em 06/04/13 mata 11 crianças afegãs.
Ao longo desta última semana, os veículos de informação noticiaram a exaustão os atentados ocorridos em Boston, nos EUA, durante uma tradicional maratona, considerada a mais antiga da história. Duas bombas de fabricação caseira explodiram em meio à multidão quando atletas do mundo inteiro cruzavam a linha de chegada. Três pessoas morreram, entre elas, uma criança com apenas oito anos de idade. A morte de crianças é sempre lamentável e, sem dúvida, uma tragédia, especialmente por conta da estupidez dos acontecimentos. Entretanto, o intrigante é o fato de a morte de algumas crianças serem consideradas mais trágicas do que de outras, ao menos para os grandes veículos de comunicação. O pequeno garoto Martin Richard morreu enquanto esperava a chegada do pai maratonista. Terrível? Claro, pois crianças de oito anos são sempre inocentes. Mas e quanto às centenas de crianças afegãs, igualmente inocentes, que morreram e continuam a morrer numa guerra igualmente estúpida. Por que o destino dessas crianças é menos trágico? Por que o destino dessas crianças não comove os grandes veículos de comunicação? Por que o destino dessas crianças não é lamentado com a mesma veemência? Por que certas ações são alardeadas como “terroristas” e outras não? Por quê?

Buscando entender essa questão, encontrei a seguinte definição para terrorismo, baseada em um documento oficial do governo estadunidense. Segundo o referido texto, por terrorismo se entende “o uso deliberado da violência e da ameaça à violência para alcançar metas, quer sejam políticas, religiosas ou ideológicas em sua natureza, por meio de intimidação, coerção ou insuflando o medo”. Assim sendo, os acontecimentos em Boston podem ser classificados como tal. Entretanto, de acordo com o pensador estadunidense, Noam Chomsky, “embora o terrorismo seja, com toda razão, temido em todo o mundo e seja, de fato, um ‘intolerável retorno à barbárie’, não é surpresa que haja diferenças relevantes na percepção de sua natureza, condicionadas a experiências claramente diferenciadas, fatos cujo potencial ameaçador será ignorado por aqueles a quem a história acostumou à imunidade, não importando os terríveis crimes que praticam”. Baseado nessa afirmação, o que dizer sobre a notícia abaixo?

Onze crianças e uma mulher mortas durante ofensiva da NATO no Afeganistão – "Doze civis morreram no sábado, durante um ataque aéreo da NATO (OTAN) numa aldeia do distrito de Shigal, província de Kunar, junto à fronteira com o Paquistão. Segundo a Reuters, os mortos são 11 crianças e uma mulher. Seis outras mulheres terão ficado feridas. As autoridades e os habitantes disseram aos repórteres da BBC que as vítimas estavam dentro de casa no momento do ataque, que era dirigido aos taliban. Num comunicado oficial, a NATO confirmou o ataque aéreo, mas disse não ter registo de mortes de civis [...] Wasefullah Wasefi, porta-voz do governador local, disse que várias casas de civis foram atingidas e ficaram parcialmente destruídas em três aldeias daquele distrito. “Onze crianças e uma mulher foram mortas quando um raide aéreo atingiu as suas casas”, fazendo abater os telhados, disse Wasefi, citado pela Reuters. A BBC, porém, fala em dez crianças e duas mulheres. Os fotógrafos das agências internacionais no terreno mostram os corpos de várias crianças, deitados no chão, embrulhados, rodeados por moradores. Os cadáveres das mulheres não são, segundo a tradição afegã, expostos. Um porta-voz da NATO, capitão Luca Carniel, disse ter conhecimento de feridos civis no ataque, mas não de mortos, e garantiu que o caso está a ser investigado. A mesma fonte disse que as tropas da Aliança Atlântica apenas deram “apoio” militar aéreo durante a operação, sem qualquer presença no terreno. “O apoio aéreo foi pedido pelas forças de coligação – não-afegãs – e foi usado para atingir as forças insurgentes em áreas distantes das estruturas, de acordo com o nosso relatório”, disse o capitão, citado pela BBC. Um líder tribal do distrito disse à estação de televisão britânica que o ataque começou na manhã de sábado e durou “pelo menos sete horas”. Este incidente ocorreu no mesmo dia em que morreram cinco americanos – três soldados, um jovem diplomata e um responsável do Departamento de Defesa norte-americano – devido à explosão de uma bomba num carro" (Fonte: PÚBLICO).

"Elas não vão acordar": crianças afegãs mortas pela OTAN.
A ofensiva (terrorista?) no Afeganistão já fez milhares de vítimas civis. Destas, centenas são crianças indefesas, como o garoto morto em Boston, Martin Richard, o que levou a ONU a responsabilizar o governo dos EUA por este verdadeiro infanticídio, que, ao que parece, não causa tanta comoção, ao menos não entre os grandes veículos de comunicação e nem entre os governos nacionais mundo afora, que emitem notas oficiais de repúdio aos atentados em Boston e calam-se frente ao infanticídio afegão, além de outras atrocidades contra a vida. Por quê? Por que, como escreveu o jornalista Paulo Nogueira, “os inocentes mortos no Iêmen – ou no Afeganistão, ou no Iraque – têm escasso valor, quando comparados aos inocentes mortos no Ocidente”? Por que, continua ele, estas crianças “são vítimas invisíveis, ignoradas no mundo — choradas apenas num canto que para nós, ocidentais, não é nada”? Afinal, como disse o próprio presidente Barack Obama na sala de imprensa da Casa Branca, referindo-se às bombas que explodiram em Boston, “sempre que bombas são usadas para atingir civis inocentes, isso é um ato de terrorismo”. Sendo assim, por qual motivo os EUA são poupados pela grande mídia em relação ao Afeganistão?

Penso que tanta ênfase nos acontecimentos de Boston se deve ao fato de que a chama do terrorismo precisa permanecer acesa para justificar os milhões de dólares investidos na produção e na compra de armamentos, assim como, em outros equipamentos de segurança. Do mesmo modo, a ameaça do terrorismo precisa ser alentada a fim de justificar as políticas de invasão como a do Afeganistão, por exemplo, e, também, justificar a violação dos direitos humanos. Tudo em nome da “guerra contra o terror”. Por conta disso, parafraseando o Caetano Veloso, devemos ficar atentos e fortes frente aos fatos para não aceitarmos nenhum tipo de terrorismo, venha ele de onde vier (por Silvio Benevides).

Imagem: REUTERS

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