segunda-feira, 22 de março de 2010

Relembrando o golpe militar de 1964 na Bahia

Em 31 de Março de 1964, as Forças Armadas do Brasil, apoiadas pelas elites políticas e econômicas nacionais, como também pelas camadas médias da sociedade, que se sentiam ameaçadas frente as crescentes inquietações nos meios operários urbanos e entre os trabalhadores rurais em luta pela reforma agrária, depuseram o presidente da República, João Goulart, num golpe de Estado patrocinado pelos EUA.

Na Bahia, logo após o golpe, deputados direitistas assinam uma moção cujo conteúdo, além de louvar a intervenção do Executivo Nacional pelos militares, exprime a solidariedade destes aos novos dirigentes do país. “A Assembléia Legislativa do Estado, fiel aos sentimentos democráticos do povo baiano, expressa sua solidariedade às forças democráticas civis e militares que, obedientes aos governadores Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda, Ney Braga, Mauro Borges, Ildo Meneghetti e aos militares Amaury Kruel, Mourão Filho, Castelo Branco, Justino Alves, entre outros, estão lutando para restaurar no Brasil a legalidade democrática, vítima de traição de um governo que se cumpliciava com os piores inimigos da liberdade, os comunistas” (p.259). Por sua vez, deputados de esquerda, apresentam uma moção em contrário, solidarizando-se com o presidente deposto.

Outros setores da sociedade soteropolitana também se solidarizam com o regime recém instaurado. Com esse propósito, é fundada a União Cívica Feminina cuja presidente, a professora Edith Mendes da Gama Abreu, declara, na primeira sessão, que “o credo vermelho tem suas raízes mais profundas onde existe o desamparo e o pauperismo” e por isso, “a União tem por fim evitar que a situação tome vulto, numa campanha que irá até o interior do Estado” (p.260). No dia 15 de Abril, partindo da Catedral Basílica, na Praça da Sé, e terminando no monumento ao Dois de Julho, no Campo Grande, ocorre em Salvador, a primeira manifestação em apoio ao golpe militar, integrada por políticos, membros do clero e senhoras da sociedade baiana. Trata-se da “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, cujo objetivo é agradecer ao Todo-Poderoso e às Forças Armadas o fim da “ameaça comunista” e o restabelecimento da democracia no país.

Em princípios de Abril, começa a ser executada a chamada “operação limpeza”, que visava expurgar, dos cargos públicos, todo cidadão que estivesse supostamente envolvido em atividades consideradas “subversivas”.

Dando início a esse processo, o alto comando militar da Bahia envia à Assembléia Legislativa a lista com os nomes dos deputados estaduais a serem cassados, entre estes, Ênio Mendes, que dias antes apresentara no plenário da Câmara uma moção em favor de João Goulart e da legalidade constitucional. Nesse mesmo período, os funcionários do Legislativo são investigados para saber o grau de envolvimento de cada um no chamado “movimento subversivo comunista”. Muitos são demitidos e alguns, por conta da situação política, pedem asilo nas embaixadas estrangeiras situadas na cidade.

Concomitantemente, o comandante da VIª Região Militar, general Mendes Pereira, comunica a detenção do então prefeito de Salvador, Virgildásio Sena, que viria a ser substituído posteriormente por Nelson Oliveira, nos seguintes termos: “As prisões de elementos comunistas vão continuar agora com mais intensidade e todos aqueles considerados subversivos serão recolhidos aos quartéis militares para posterior processo judicial” (p.260). Na mesma ocasião, dá-se o anúncio da prisão, efetuada dias antes da divulgação do fato, do professor Milton Santos e do deputado e também líder ferroviário, Diógenes Gonçalves.

O governador Antônio Lomanto Júnior (1963-1967), que fora eleito em 1962 ajudado pelas classes conservadoras e pela Igreja Católica com o lema “feijão na lapela, feijão na panela”, pois acreditava que o melhor meio de combater o comunismo era combater a miséria, segue seu mandato mantendo o governo estadual alinhado aos princípios do regime militar. Na sua gestão, ocorre, em 1966, a promulgação da nova Constituição do Estado da Bahia, reformulada com o objetivo de ser adaptada às recentes normas estabelecidas pelos Atos Institucionais sancionados pelo presidente Castelo Branco.

Em Brasília, toma posse o general Costa e Silva.Nesse período, assume a liderança do Executivo estadual, o ex-chefe da Casa Civil do presidente Castelo Branco, Luiz Viana Filho (1967-1971), nomeado indiretamente para o exercício do cargo. Como não poderia deixar de ser, seu governo se manteve alinhado aos ditames do regime dos generais.

Sob o comando do governador Luiz Viana Filho, tem início o processo de industrialização do Estado da Bahia com a inauguração, no Km 17 da BR 324, da nova sede do Centro Industrial de Aratu (CIA), instalado na gestão precedente, cuja área passa a abrigar cerca de 346 novas indústrias com linhas de produção diversificadas. São atendidas, junto ao governo federal, as reivindicações da construção da USIBA e da Petroquímica. Também começam a ser travados os acordos para a instalação do Pólo Petroquímico no município de Camaçari. No que se refere às agitações sociais, o governo de Luiz Viana Filho coincide com as grandes manifestações estudantis nas ruas de Salvador.

No dia 28 de Agosto de 1969, o presidente Costa e Silva, por motivos de saúde, se afasta do cargo. Dois dias depois, é promulgado o Ato Institucional nº 12, impedindo o vice-presidente, Pedro Aleixo de assumir a presidência da República, como previa a Constituição de 1967. Em seu lugar, exerce, interinamente, as funções do Executivo nacional, uma Junta Militar composta pelo almirante Augusto Rademaker, pelo general Aurélio Lira Tavares e pelo brigadeiro Márcio de Sousa Melo. Após a morte de Costa e Silva, conseqüência de uma trombose, o general Emílio Médici é nomeado presidente do Brasil, dando início a um período que passaria a ser denominado de “anos de chumbo”, devido o uso institucionalizado da tortura como método de investigação e do emprego indiscriminado da arbitrariedade.

Em 1970, em plena era Médici, Antônio Carlos Magalhães (1971-1975), que era o prefeito de Salvador na gestão de Luiz Viana Filho, tem sua nomeação para chefe do Executivo estadual confirmada pela Assembléia Legislativa da Bahia. Assim como seu antecessor, Antônio Carlos Magalhães (ACM) governaria em perfeita sintonia com o Palácio do Planalto.

Ao saber da sua nomeação, declarou, no estilo que caracterizaria sua carreira política: “No meu futuro governo os secretários farão tudo que quiserem, menos o que eu não queira” (p.289). Logo após sua posse, em 1971, proferiu: “Ninguém ignora como foram indicados os governadores no Brasil. Participaram desta escolha o organismo político, o SNI e os comandos militares. A maior demonstração de que eu passei em todos os testes foi ter sido indicado, e o presidente Médici tem reiteradamente declarado que eu não devia minha escolha a ninguém, senão a mim mesmo” (p.291), o que revela o quanto seu talento de governante fora suficiente para conquistar a admiração e confiança daqueles que exerciam o poder sem respeitar nenhum limite.

No mandato de ACM consolida-se a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari. Salvador, tendo à frente da prefeitura, Cleriston Andrade, vive um período de grande expansão das suas vias públicas. É inaugurado o Centro Administrativo do Estado, na Avenida Paralela, a maior da cidade. São os ventos da chamado “milagre econômico” soprando nas bandas da Bahia.

Em 1974 o general Ernesto Geisel assume a Presidência da República com a proposta de fazer uma abertura política lenta e gradual. Na Bahia, o nome indicado para exercer o cargo de governador é o de Roberto Santos, cuja posse ocorreria em 1975. Nomeia para prefeito da capital Jorge Hage Sobrinho que seria exonerado em 1977, devido o desgaste da sua relação com o chefe do Executivo estadual, e substituído pelo deputado federal, Fernando Wilson Magalhães. Seu governo se caracteriza pelo abrir e fechar do processo político.

Na gestão de Roberto Santos (1975-1979) é desbaratada uma célula do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na Bahia, ocasião em que são presos o vereador do MDB, Sérgio Veiga Santana, Heitor Casais e Silva, Luiz Fernando Contreiras de Almeida, Sebastião Amaral do Couto, Ademar Hiotoshi Sato, Marcelo Veiga Santana, Marco Antônio Rocha Medeiros, Moisés Gomes da Mota, Paulino Vieira, José Ivan Dantas Pugliesi, Maria de Nazaré Lima do Couto, Carlos Augusto Marighela, Ceci Sato, Euricles Miguel dos Santos, Roberto Max Argolo, Alírio Feliciano Pimenta e Osvaldina Dias Pimenta. A Faculdade de Agronomia, localizada no município de Cruz das Almas tem seu campus invadido por tropas policiais. Órgãos de imprensa sofrem atentados e são invadidos, a exemplo da redação do jornal alternativo Boca do Inferno. Apesar da repressão o movimento estudantil volta às ruas, conseguindo organizar manifestações que chamariam a atenção da sociedade. É inaugurada a usina de Pedra do Cavalo, que passa a gerar 220 MW de energia elétrica e o Centro de Convenções que em Maio de 1979 abrigaria o 31º Congresso da UNE, já na gestão ACM.
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Fonte: Assembléia Legislativa. Superintendência de Apoio Parlamentar. Divisão de Pesquisa. Bahia de todos os fatos: cenas da vida republicana, 1889-1991. Salvador: Assembléia Legislativa, 1996.
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Imagens: Pedro Moraes.

4 comentários:

Lucas Franco disse...

Incrível como esse período definiu o nome de tantos espaços públicos: há Avenidas ACM e Luís Viana Filho, Estádio Lomanto Júnior em Vitória da Conquista e por aí vai. A 'idade média brasileira' trouxe com as suas trevas a queima de tantas lembranças mais gratificantes que a de políticos a serviço da tirania, e de repente esquecemos da nossa data de independência e da nossa libertadora para passar a nos focar nos que 'aceleraram o crescimento de um país' que necessitava primeiramente de educação.

Lenne disse...

O autor desta matéria sabe onde posso encontrar hoje o PAULINO VIEIRA citado no final da matéria como um dos presos do PCB? É que meu pai é primo dele e desde ontem está chorando querendo saber do primo.Meu pai teve AVC e tem 78 anos. Ao procurar pela internet vi essa matéria e resolvi perguntar porque sei que ele morava em Salvador na Bahia em 1990, mas não sei onde encontra-lo. Podem me ajudar?

SB-SSA disse...

Cara Cilla, infelizmente não posso lhe dar nenhuma informação sobre o PAULINO VIEIRA. A dica que lhe dou é entrar em contato com a Assembléia Legislativa da Bahia e procurar pelo Prof. Luís Guilherme Tavares, responsável pela editora da referida casa. A matéria dessa postagem resulta de uma resenha do livro cuja referência se encontra no final do texto. Grato pela visita e desculpe a super demora em responder, mas só vi seu comentário agora.

Luz Couto disse...

Meu nome é Luz Souza do Couto, sou filha de Sebastião Amaral do Couto (citado no texto acima), estudante de Direito, não nascida ainda na época de sua prisão, pela ditadura militar porém ouvinte de suas histórias e das torturas psicológicas que sofreu na época. Prisão esta que trouxe consequências a minha irmã e sua mãe Maria Nazaré Lima do Couto (também citada), que também foi presa junto com me pai, tendo minha irmã sofrido grande trauma a ponto de ficar muda durante alguns anos. Percebe-se então o quanto tais prisões infringiam todos os direitos inerentes a dignidade humana e todo o devido processo legal entre outros princípios que forma melhor elencados, infelizmente, em nossa Constituição de 1988, mas que tristemente ainda são desrespeitados atualmente em alguns casos.

Luz do Couto - luz_couto@hotmail.com