Pátria minha idolatrada salve, salve! Nesse mês de abril o Salvador na sola do pé homenageou o Brasil por meio de poemas falados. Brasil amado, Brasil querido, Brasil venerado porque é a pátria minha gentil que me pariste. Mãe amada, mãe gentil, mãe cruel. O Brasil é uma mãe estranha que acolhe e maltrata, que ampara e despreza, que afaga e violenta, que nos orgulha e envergonha. Nosso país ainda conserva em suas estruturas sociais vícios terríveis que nasceram tão logo o colonizador resolveu fincar raízes nessas terras. Nossas antigas misérias continuam a atormentar milhares de brasileiros. Nossas misérias mais recentes afligem milhões de brasileiros nos grandes e pequenos centros urbanos. A saúde e educação precárias insistem e persistem. As desigualdades sociais estão cada vez mais acentuadas. O tráfico de drogas avança de forma assustadora, contaminando a sociedade como câncer virulento. A violência nos grandes centros urbanos ganhou ares de guerra civil não declarada. Nas pequenas cidades e, também, no campo a subserviência e o medo ainda nos fazem lembrar os idos tempos dos coronéis. Na política, enquanto os homens exercem seus podres poderes, como já escreveu o Caetano Veloso, a corrupção de toda espécie nos mata, aos poucos, ou nem tão aos poucos assim, de fome, de raiva e de sede. Oh, pátria minha gentil que me pariste, que será do teu futuro se o futuro é agora?! O Poema Falado desta semana (ver abaixo)foi produzido com trechos dos versos do Vinícius de Moraes intitulados Pátria Minha. Quem os recita é a sempre magnífica Maria Bethânia. Boa leitura! (por Sílvio Benevides)
*
*
A minha pátria é como se não fosse, é íntima / Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo / É minha pátria. Por isso, no exílio / Assistindo dormir meu filho / Choro de saudades de minha pátria. // Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: não sei. / De fato, não sei / Como, por que e quando a minha pátria / Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água / Que elaboram e liquefazem a minha mágoa / Em longas lágrimas amargas. // Vontade de beijar os olhos de minha pátria / De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... / Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias / De minha pátria, de minha pátria sem sapatos / E sem meias pátria minha / Tão pobrinha! // Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho / Pátria, eu semente que nasci do vento / Eu que não vou e não venho, eu que permaneço / Em contato com a dor do tempo, eu elemento / De ligação entre a ação o pensamento / Eu fio invisível no espaço de todo adeus / Eu, o sem Deus! // Tenho-te no entanto em mim como um gemido / De flor; tenho-te como um amor morrido / A quem se jurou; tenho-te como uma fé / Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito / Nesta sala estrangeira com lareira / E sem pé-direito. // Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra / Quando tudo passou a ser infinito e nada terra / E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu / Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz / À espera de ver surgir a Cruz do Sul / Que eu sabia, mas amanheceu... // Fonte de mel, bicho triste, pátria minha / Amada, idolatrada, salve, salve! / Que mais doce esperança acorrentada / O não poder dizer-te: aguarda... / Não tardo! // Quero rever-te, pátria minha, e para / Rever-te me esqueci de tudo / Fui cego, estropiado, surdo, mudo / Vi minha humilde morte cara a cara / Rasguei poemas, mulheres, horizontes / Fiquei simples, sem fontes. // Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta / Lábaro não; a minha pátria é desolação / De caminhos, a minha pátria é terra sedenta / E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular / Que bebe nuvem, come terra / E urina mar. // Mais do que a mais garrida a minha pátria tem / Uma quentura, um querer bem, um bem / Um libertas quae sera tamem / Que um dia traduzi num exame escrito: / “Liberta que serás também” / E repito! // Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa / Que brinca em teus cabelos e te alisa / Pátria minha, e perfuma o teu chão... / Que vontade de adormecer-me / Entre teus doces montes, pátria minha / Atento à fome em tuas entranhas / E ao batuque em teu coração. // Não te direi o nome, pátria minha / Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil / Vives em mim como uma filha, que és / Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez. // Agora chamarei a amiga cotovia / E pedirei que peça ao rouxinol do dia / Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama: “Pátria minha, saudades de quem te ama...Vinicius de Moraes”.
*
Texto extraído do livro Vinicius de Moraes: Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, p. 383.
*
*
*
A minha pátria é como se não fosse, é íntima / Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo / É minha pátria. Por isso, no exílio / Assistindo dormir meu filho / Choro de saudades de minha pátria. // Se me perguntarem o que é a minha pátria direi: não sei. / De fato, não sei / Como, por que e quando a minha pátria / Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água / Que elaboram e liquefazem a minha mágoa / Em longas lágrimas amargas. // Vontade de beijar os olhos de minha pátria / De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... / Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias / De minha pátria, de minha pátria sem sapatos / E sem meias pátria minha / Tão pobrinha! // Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho / Pátria, eu semente que nasci do vento / Eu que não vou e não venho, eu que permaneço / Em contato com a dor do tempo, eu elemento / De ligação entre a ação o pensamento / Eu fio invisível no espaço de todo adeus / Eu, o sem Deus! // Tenho-te no entanto em mim como um gemido / De flor; tenho-te como um amor morrido / A quem se jurou; tenho-te como uma fé / Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito / Nesta sala estrangeira com lareira / E sem pé-direito. // Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra / Quando tudo passou a ser infinito e nada terra / E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu / Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz / À espera de ver surgir a Cruz do Sul / Que eu sabia, mas amanheceu... // Fonte de mel, bicho triste, pátria minha / Amada, idolatrada, salve, salve! / Que mais doce esperança acorrentada / O não poder dizer-te: aguarda... / Não tardo! // Quero rever-te, pátria minha, e para / Rever-te me esqueci de tudo / Fui cego, estropiado, surdo, mudo / Vi minha humilde morte cara a cara / Rasguei poemas, mulheres, horizontes / Fiquei simples, sem fontes. // Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta / Lábaro não; a minha pátria é desolação / De caminhos, a minha pátria é terra sedenta / E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular / Que bebe nuvem, come terra / E urina mar. // Mais do que a mais garrida a minha pátria tem / Uma quentura, um querer bem, um bem / Um libertas quae sera tamem / Que um dia traduzi num exame escrito: / “Liberta que serás também” / E repito! // Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa / Que brinca em teus cabelos e te alisa / Pátria minha, e perfuma o teu chão... / Que vontade de adormecer-me / Entre teus doces montes, pátria minha / Atento à fome em tuas entranhas / E ao batuque em teu coração. // Não te direi o nome, pátria minha / Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil / Vives em mim como uma filha, que és / Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez. // Agora chamarei a amiga cotovia / E pedirei que peça ao rouxinol do dia / Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama: “Pátria minha, saudades de quem te ama...Vinicius de Moraes”.
*
Texto extraído do livro Vinicius de Moraes: Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, p. 383.
*
Imagem: Ivaldo Cavalcante.