
Outros vêm a pé “pagar uma promessa” feita ao Senhor do Bonfim e agradecer-Lhe por Sua miraculosa intervenção nas circunstâncias as mais diversas. Uma sala da igreja é completamente cheia de ex-votos e de lembranças de agradecimento. Desenhos e pinturas “naifs” (primitivistas) mostram de quais desastres e acidentes, doenças e perigos os devotos do Senhor do Bonfim escaparam. Braços, pernas, seios, corações e outros órgãos internos ou externos esculpidos em madeira ou fundidos em cera estão pendurados no teto. Um amontoado de muletas é outro testemunho das graças concedidas pelo Senhor do Bonfim. Os marinheiros vêm descalços trazer uma vela de navio negreiro toda enguirlandada de flores para benzer e assegurar, assim, uma pacífica e proveitosa viagem [...] Na quinta-feira que precede o domingo do Senhor do Bonfim, a lavagem do chão da igreja torna-se uma manifestação de piedade cumprida por uma multidão. Mas os que se apressam em maior número são os pretos, escravos e livres, porque o fenômeno de sincretismo ocorre também para o Senhor do Bonfim. Ele é confundido, por aqueles que praticam os cultos africanos, com Oxalá, divindade da criação. Lavar a igreja é, pois, para eles a ocasião de manifestar ao mesmo tempo piedade católica e fé africana [...] Na quinta-feira da lavagem da Igreja do Bonfim uma longa procissão se organiza diante da Igreja da Conceição. Ela é formada de numerosas mulheres de cor vestidas com suas belas roupas tradicionais, amplas saias e chalés, ornados de rendas e bordados, um turbante amarrado em volta dos cabelos, tudo exclusivamente branco, cor consagrada ao Deus africano Oxalá. Elas carregam sobre a cabeça potes cheios d’água e flores brancas e são acompanhadas por uma escolta de carros e carroças decoradas de bandeirolas e serpentinas brancas. Este brilhante cortejo vai a pé pelas avenidas recém traçadas, em direção da colina na península de Itapagipe, onde se eleva a Igreja do Senhor do Bonfim. Durante a lavagem do solo do templo ouvem-se cantos e gritos sonoros. A água é derramada dos potes trazidos pelas mulheres e de pequenos tonéis, transportados em burros. As baianas esfregam energicamente o chão, com vassouras decoradas de fitas brancas [...] A festa só vai terminar na segunda-feira seguinte por uma reunião na vizinha Ribeira. Neste dia o comércio está paralisado, os escritórios fechados, a cidade inteira cai num silêncio total (por Pierre Verger. In: Notícias da Bahia – 1850).
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Imagem: Igreja do Bonfim (Salvador-BA), acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
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