Terminaram hoje as comemorações ao Dois de Julho, festa que tem um significado todo especial para os baianos e, também, para os brasileiros. Nesse dia, no ano de 1823, na Batalha do Pirajá, a independência do Brasil foi definitivamente conquistada e referendada pelo povo, ou melhor, povão. Não foi um mero gesto simbólico como o Grito do Ipiranga. Nas campinas da Bahia a independência resultou de duras batalhas, lutas e muito sangue derramado. Essa data é, portanto, uma data cívica das mais importantes para a história do Brasil. Mas não é sobre a importância histórica do Dois de Julho que desejo discorrer. Sobre isso os livros de história que se prezam já discorreram ou discorrem. Quero discorrer sobre os festejos, sobre as comemorações que desde 1824 fazem do Dois de Julho a festa cívica mais rebelde da história brasileira, quiçá da humanidade.
No último Dois de Julho fui ao desfile. Não vi a saída do Caboclo e da Cabocla da Lapinha, no bairro da Soledade, pois não acordei a tempo. Por volta das dez da manhã, quando cheguei ao Pelourinho, lá estava o carro da Cabocla, parado defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, à espera do carro do Caboclo, que ainda se encontrava no Carmo. Misturei-me à multidão e comecei a fotografar. Enquanto isso, aproximava-se do local onde me encontrava o bloco do governo da Bahia. Mais patético impossível. Diante do que vi e das pessoas que encontrei em meio àquele séquito, lembrei-me, de imediato, do poema Triste Bahia, do Gregório de Matos. E não só desse como também daquele que diz: “A cada canto um grande conselheiro. / que nos quer governar cabana, e vinha, / não sabem governar sua cozinha, / e podem governar o mundo inteiro [...] Estupendas usuras nos mercados, / todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia”. Pois é, triste Bahia. Ai de nós!
O desfile do Dois de Julho faz ver a quem quer que seja o quão cínicos são os políticos profissionais. Todos, sem exceção, sejam do governo ou da oposição. Aproveitam a ocasião, pegam carona nos carros da Cabocla e do Caboclo, para fazer maketing político dos mais deprimentes de se testemunhar. Eles passam acenando, sorrindo e cumprimentando a multidão. Esta, por sua vez, responde vaiando, xingando e, com gestos de reprovação, externa toda sua indignação. Já os políticos e seus séquitos de colaboradores ineptos, do outro lado, fazem pouco caso, fingem que não ser com eles, mas, sim, com os adversários, ou seja, os outros. Não sei se agem dessa maneira porque são apenas cínicos, estúpidos ou porque acreditam ser como a caravana do dito popular que, enquanto passa, os cães latem. Talvez seja isso tudo ao mesmo tempo. Ao retornar do desfile fiquei com a sensação de que só nos resta chorar ao pé do Caboclo.
Mas o desfile do Dois de Julho não é apenas palco da manifestação do cinismo dos nossos homens públicos. O desfile é, também, um palco onde todos – homens, mulheres, negros, índios, brancos, pobres, jovens, velhos, desempregados, trabalhadores, professores, sindicalistas, artistas, drag queens, gente dos mais variados credos – podem se expressar, protestar, festejar, vadiar ao som saboroso das bandas e fanfarras que sobem e descem as ladeiras do centro histórico de Salvador para celebrar a vitória da vida sobre a morte imposta pelos cínicos de outrora e pelos de hoje também. E isso me faz lembrar a música do Caetano Veloso que diz: "Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval". As comemorações ao Dois de Julho são assim: um misto de festa cívica e carnaval, de ordem e desordem, de paz, fé e muita alegria. Uma festa baiana indomável por natureza, pois não sucumbiu nem à perseguição das elites baianas do passado, nem aos apelos da indústria cultural do presente. Graças ao Senhor do Bonfim que a Bahia é o seu povo e não seus políticos. Feliz Bahia!
No último Dois de Julho fui ao desfile. Não vi a saída do Caboclo e da Cabocla da Lapinha, no bairro da Soledade, pois não acordei a tempo. Por volta das dez da manhã, quando cheguei ao Pelourinho, lá estava o carro da Cabocla, parado defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, à espera do carro do Caboclo, que ainda se encontrava no Carmo. Misturei-me à multidão e comecei a fotografar. Enquanto isso, aproximava-se do local onde me encontrava o bloco do governo da Bahia. Mais patético impossível. Diante do que vi e das pessoas que encontrei em meio àquele séquito, lembrei-me, de imediato, do poema Triste Bahia, do Gregório de Matos. E não só desse como também daquele que diz: “A cada canto um grande conselheiro. / que nos quer governar cabana, e vinha, / não sabem governar sua cozinha, / e podem governar o mundo inteiro [...] Estupendas usuras nos mercados, / todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia”. Pois é, triste Bahia. Ai de nós!
O desfile do Dois de Julho faz ver a quem quer que seja o quão cínicos são os políticos profissionais. Todos, sem exceção, sejam do governo ou da oposição. Aproveitam a ocasião, pegam carona nos carros da Cabocla e do Caboclo, para fazer maketing político dos mais deprimentes de se testemunhar. Eles passam acenando, sorrindo e cumprimentando a multidão. Esta, por sua vez, responde vaiando, xingando e, com gestos de reprovação, externa toda sua indignação. Já os políticos e seus séquitos de colaboradores ineptos, do outro lado, fazem pouco caso, fingem que não ser com eles, mas, sim, com os adversários, ou seja, os outros. Não sei se agem dessa maneira porque são apenas cínicos, estúpidos ou porque acreditam ser como a caravana do dito popular que, enquanto passa, os cães latem. Talvez seja isso tudo ao mesmo tempo. Ao retornar do desfile fiquei com a sensação de que só nos resta chorar ao pé do Caboclo.
Mas o desfile do Dois de Julho não é apenas palco da manifestação do cinismo dos nossos homens públicos. O desfile é, também, um palco onde todos – homens, mulheres, negros, índios, brancos, pobres, jovens, velhos, desempregados, trabalhadores, professores, sindicalistas, artistas, drag queens, gente dos mais variados credos – podem se expressar, protestar, festejar, vadiar ao som saboroso das bandas e fanfarras que sobem e descem as ladeiras do centro histórico de Salvador para celebrar a vitória da vida sobre a morte imposta pelos cínicos de outrora e pelos de hoje também. E isso me faz lembrar a música do Caetano Veloso que diz: "Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval". As comemorações ao Dois de Julho são assim: um misto de festa cívica e carnaval, de ordem e desordem, de paz, fé e muita alegria. Uma festa baiana indomável por natureza, pois não sucumbiu nem à perseguição das elites baianas do passado, nem aos apelos da indústria cultural do presente. Graças ao Senhor do Bonfim que a Bahia é o seu povo e não seus políticos. Feliz Bahia!
(por Sílvio Benevides)
Imagem: Sílvio Benevides
2 comentários:
Sílvio, adorei o teu blog que me está dando novamente um Banho de Bahia - como eu preciso e precisava; e ano que vem não perco o 2 de Julho. Li impressionado este ano sobre um suíço que não perde esta festa, vem da suíça, veste-se de tupinambá, quer dizer despe-se de tupinambá, pinta o corpo, acende um charuto e solta a marafa no rastro dos nossos heróis/heroínas !
Lembro de quando li a autobiografia de Juracy (Magalhães)
relatando 'sua apreensão' de ter sido mandado governar a Bahia, por Getúlio, com apenas 27 anos e poderosas oligarquias centenárias contrariadas...quando saltou do vapor vindo do Rio, agradou em cheio ao povo que esperava o interventor na beira do cais,
e entre os vários discursos que então saíram da alma espontânea de nossa gente, parece que um estivador achou a imagem da Bahia de seios titânicos, feliz de receber o jovem tenente...
Pois como é titânica a nossa Bahia,
que até faz brincadeira com as formiguinhas da política, e navega adiante altaneira em suas águas (espirituais) sempre limpas, contra a corrente e a imundicie do mundo!!!
Oi, Beto! Adorei seu comentário!!! Volte sempre!!! Um abraço.
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