segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Os estrangeiros

Em sua postagem do dia 18/03/2009 intitulada “A essência dos lugares”, o futuro jornalista por formação, Lucas Franco, indaga: “O que são lugares, se não pedaços de terras que em conjunto podem rotular cidades, países e continentes? Somos fruto da essência dessas terras, mesmo sabendo que sua identidade tem uma ligação muito mais forte que geográfica, tendo a raiz cultural como fruto de sua história”?

Falar de identidade significa falar de pertencimento, ou melhor, de sentimento de pertença. O fato de um indivíduo nascer em um determinado espaço geográfico não significa que, necessariamente, ele se sentirá pertencente a esse espaço. Por vezes, ocorre o contrário. Há casos em que o indivíduo, estando no seu espaço de origem, se sente como se estrangeiro fosse. Como isso é possível? Como se pode ser estrangeiro?

O dicionário define estrangeiro como aquele de nação diferente daquela a que se pertence; pessoa que não é do país em que está; forasteiro. Essa definição deixa claro que o não pertencimento a uma nação, país ou localidade é a condição primeira para que um indivíduo possa ser classificado como estrangeiro. Considerando esse conceito, é possível afirmar que o estrangeiro é aquele que emigra, ou seja, aquele que viaja.

Viajar é libertar-se de um ponto qualquer no espaço e, assim sendo, é também opor-se conceitualmente à fixação nesse ponto. O estrangeiro transita entre essas duas características (liberação e fixação) e revela que as relações espaciais são, simultaneamente, condição e símbolo das relações humanas, ou seja, uma forma específica de interação. Esta, por sua vez, envolve uma relação ambígua de proximidade e distância, que ora é positiva, quando os traços comuns entre o estrangeiro e o grupo no qual ele se inseriu são acentuados, ora é negativa, quando, ao contrário, são acentuados os traços não-comuns. No primeiro caso, ressalta-se a objetividade do estrangeiro como um valor positivo, pois, por ele não possuir vínculos de parentesco, localidade e ocupação com o grupo, estaria mais propenso a introduzir qualidades novas a esse grupo uma vez que “não está amarrado a nenhum compromisso que poderia prejudicar a sua percepção, entendimento e avaliação do que é dado”. Entretanto, tal objetividade não implica em uma não-participação, ou total afastamento do estrangeiro, “mas um tipo específico e positivo de participação”. No segundo caso, o estrangeiro é visto como o outro ao qual não é permitido possuir atributos característicos do grupo, ainda que tais atributos sejam genéricos. A relação entre proximidade e distância torna-se, então, uma relação tensa e conflituosa, gerando o fenômeno conhecido na Antropologia como etnocentrismo. “A relação dos gregos com os bárbaros talvez seja típica aqui, como todos os casos em que precisamente os atributos genéricos, percebidos como pura e especificamente humanos, são aqueles não permitidos ao outro. Mas aqui, estrangeiro não tem qualquer sentido positivo; a relação com ele é uma não-relação [...] quando a consciência de só ser comum o absolutamente geral faz com que se acentue especialmente o não-comum”. (George SIMMEL. In: Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1983).

O estrangeiro pode despertar naqueles que o acolhe uma profunda atração, assim como uma imensa repulsa. Nesse sentimento ambíguo, o medo, a admiração, a desconfiança, a estranheza, enfim, comumente estão presentes. Isso talvez ocorra porque o estrangeiro, na verdade, é um ser híbrido, culturalmente indefinido, fixado em um “entre lugar”, isto é, um lugar multiculturalmente marcado ou multiplamente caracterizado. Tal espaço pode ser entendido como um lugar de transposição de territórios que, por sua vez, abre caminho para que se possa ir além das singularidades como conceitos primários ou categorias monolíticas fixas e, consequentemente, conduz a uma não aceitação de hierarquias rígidas e impostas. Desses espaços afloram narrativas que não possuem referências específicas por revelarem um desconforto, um estranhamento justamente por sempre terem estado à sombra (Homi BHABHA. In: The location of culture. London/New York: Routledge,1994). Sendo assim, o estrangeiro strictu sensu, aquele que habita um lugar diferente daquele onde nasceu, tem como uma de suas principais características uma fidelidade dilacerada. Por não ser, e ao mesmo tempo sê-lo, parte integrante do lugar onde se encontra, ele sugere algo que não é nem homogêneo, nem único, tampouco fixo. Em conseqüência, contem em si um ponto de vista mais subjetivo, diferenciado, alternativo, não-privilegiado, o que explica a sensação de desconforto e estranheza tanto nele, quanto naqueles que o cercam.

Até o momento falou-se do estrangeiro viandante (strictu sensu), que abandona sua terra natal para se aventurar em terras estranhas e desconhecidas. Mas, e quanto ao estrangeiro não desterrado, ou seja, aquele indivíduo que é estrangeiro entre a sua própria gente, aquele tipo que aqui foi chamado de nativo, pois não abandonou sua terra natal? Um tipo definido pelo escritor Caio Fernando Abreu como estranho estrangeiro.

Assim como o viandante, o estrangeiro nativo também desperta nos outros, os seus compatriotas (ou não) um sentimento de admiração e repulsa. Paralelamente, uma sensação de estranheza se apossa dele, fazendo-o pensar: “O céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro” (Caio Fernando ABREU. In: Estranhos Estrangeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1996).

Essa sensação de mal-estar vivenciada pelo estrangeiro nativo origina-se na dificuldade que, geralmente, encontramos em pensar a diferença. Diferença que assusta, pois o simples fato dela existir nos faz perceber que nossos valores, nossos modelos, nossas concepções acerca do mundo que nos envolve não são únicas e definitivas. Isso nos leva a hostilizar esse outro, supostamente ameaçador, por meio de palavras ou atitudes que podem ir de um simples gesto, até a mais explícita segregação. Assim, ainda que inconscientemente, levamos o estrangeiro nativo a confinar-se nos infernos da solidão. “Se você é o único diferente, é o único que em meio a tantos age de tal maneira, faz isso ou aquilo, e essas coisas ferem as pessoas, maculam a espécie, então, o problema é você, e você se sente só”. (Mayrant GALLO. In: O caso Mersault: uma leitura crítica. Comunicação apresentada no seminário “O Estrangeiro” para o curso Crítica Cultural Contemporânea em 16/09/1997).

Mas quem são esses estranhos estrangeiros? Certamente são aquelas vozes recalcadas que por se negarem a aceitar os modelos de padronização e igualdade de comportamentos impostos a todos os indivíduos pertencentes a uma mesma cultura, são rotuladas de estranhas, rebeldes ou, ainda, em certas ocasiões, de anormais.

A interação do estrangeiro nativo com os demais envolve, do mesmo modo que a do estrangeiro strictu sensu, uma relação ambígua de proximidade e distância e também possui um valor positivo e negativo, embora esse valor não seja idêntico àquele mencionado por Simmel ao referir-se ao viandante. Podemos falar em valor negativo, quando o estrangeiro nativo não se percebe ou, ao se perceber, não se aceita como tal e, consequentemente, a convivência com a sensação de mal-estar, mencionada anteriormente, se torna mais difícil, o que pode transformá-lo num mal caráter, como disse o escritor Caio Fernando Abreu ao se referir aos homossexuais “enrustidos” que não assumem sua condição até os trinta e cinco anos, ou, então, num esquizóide, uma vez que o seu “eu” está dividido. “O termo esquizóide refere-se ao indivíduo cuja totalidade de experiência divide-se em dois principais sentidos: em primeiro lugar, uma ruptura em seu relacionamento com o mundo e, em segundo lugar, uma ruptura em relação consigo mesmo. Tal pessoa é incapaz de sentir-se junto com os outros, ou à vontade no mundo. Pelo contrário, experimenta uma desesperadora solidão e isolamento; além do mais, não se sente uma pessoa completa, e sim dividida de diversas maneiras, talvez como uma mente ligada ao corpo por tênue fio, como duas personalidades, etc.” (R.D. LAING. In: O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Petrópolis: Vozes, 1996).

Em contrapartida, o estrangeiro nativo adquire um valor positivo, quando, se percebendo como tal, assume sua condição, sem se calar, fazendo dela um instrumento de luta. Essas vozes ao conseguirem emergir do fundo, ou das profundezas dos vales onde estiveram adormecidas, podem desencadear significativas mudanças nas estruturas sociais. Talvez por isso, às vezes, elas se apresentem ora atraentes, ora incômodas e repulsivas. Tomemos como exemplo de estrangeiros nativos, os jovens brasileiros das décadas de sessenta e setenta. Nessas décadas, “desenvolveram-se várias práticas sociais alternativas, isto é, grupos sociais, em sua maior parte compostos por jovens, agiram no sentido de questionarem as instituições sociais vigentes (quer de uma perspectiva comportamental, como os movimentos contraculturais; quer de uma perspectiva mais especificamente política, como os movimentos de luta armada)” (Cláudio Novaes Pinto COELHO. In: A cultura juvenil de consumo e as identidades sociais alternativas. São Paulo: 1997). Esses jovens que na vida cotidiana vivenciavam experiências nas quais o autoritarismo se apresentava não apenas como um poder oriundo das grandes instâncias políticas, exercido verticalmente de cima para baixo, mas, também, na forma de relações ou práticas disseminadas nos setores mais capilares da sociedade, acabaram por evidenciar, por meio das suas práticas políticas ou simplesmente através de suas atitudes, novas demandas e ansiedades, não necessariamente subordinadas às instâncias políticas ou econômicas.

Os tipos aqui mencionados nos revelam modos diversos de ser estrangeiro. Não basta ser forasteiro ou não possuir a cidadania do país onde se habita para ser ou sentir-se estrangeiro. Trata-se muito mais de um sentimento do que uma mera condição jurídica. “Estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia. Por reconhecê-lo em nós, poupamo-nos de ter que detestá-lo em si mesmo. Sintoma que torna o nós precisamente problemático, talvez impossível, o estrangeiro começa quando surge a consciência de minha diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos vínculos e às comunidades”. (Júlia KRISTEVA. In: Estrangeiros para nós mesmos. São Paulo: Rocco, 1994). Esses tipos (incomuns?), embora distintos um do outro, estão, simultaneamente, tão distantes e tão próximos que por vezes se confundem e nos confundem, porque assim são os estrangeiros (forasteiros ou não): híbridos, diferentes, estranhos. Sempre em busca de algo, ou, quem sabe, sempre fugindo desse algo (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: Antônio Soares dos Reis - O desterrado (1872).

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Quando Cabral descobriu o Brasil...

Quando Cabral aportou com sua frota em terras brasileiras, encontrou uma flora exuberante. Tanta exuberância está registrada na CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA, na qual o escrivão relata ao rei de Portugal: “[…] mataria que é tanta e tão grande, tão densa e de tão variada folhagem que ninguém pode imaginar”. Pero Vaz de Caminha estava se referindo nesse trecho da carta à Mata Atlântica.

A Mata Atlântica, classificada pelos cientistas como uma Floresta Perenifólia Higrófila, foi o primeiro cenário brasileiro avistado pelos portugueses quando aqui chegaram em 1500. Àquela época, a mata possuía uma área de aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados, que se estendia por planícies e encostas montanhosas paralelas ao litoral, indo do Estado do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Expandia-se para o interior numa largura média de duzentos quilômetros. Atualmente, restam menos de 3% desse total.

A devastação da Mata Atlântica teve início com a exploração do pau-brasil no século XVI. Desde então ela tem aumentado drasticamente. Cálculos de órgãos de defesa do meio ambiente indicam que cerca de trezentos mil hectares da Mata Atlântica são devastados a cada ano. Nesse ritmo de devastação, logo a mata que encheu de encantamento os olhos de Pero Vaz de Caminha existirá somente no terreno dos mitos e das lendas.

Esse preâmbulo foi colocado somente para dizer que é preciso entender que devastar o meio ambiente é uma prática insana, irracional e suicida. Dita dessa maneira, tal afirmação pode parecer um disparate, sobretudo num mundo orientado por uma lógica que visa apenas a obtenção do lucro e o bem-estar do mercado. Falar de respeito e preservação da natureza, no entanto, é uma questão de sobrevivência.

Quando não conseguimos deter a devastação do meio ambiente em que vivemos, comprometemos de imediato a nossa qualidade de vida e colocamos em risco o futuro do planeta e das futuras gerações. Muitos dos recursos naturais não são renováveis e aqueles que o são, na maioria das vezes, necessitam de centenas ou milhares de anos para se restabelecerem. Os efeitos das agressões ao meio ambiente já começam a se fazer presentes em nosso cotidiano. Temperaturas mais elevadas, devido ao aumento da poluição atmosférica, escassez de água potável em grandes centros urbanos, por causa da poluição dos rios e lençóis freáticos, etc. No caso específico de Salvador não é preciso ser nenhum especialista em meio ambiente para saber que as coisas por aqui estão ficando quentes. Enquanto isso, nossos homens públicos continuam a trocar nosso açúcar excelente por drogas inúteis, ou seja, devastando o que nos restou de mata para permitir que no lugar delas sejam erguidos condomínios de luxo. No futuro eles não pensam. Nossa vida depende mais do bem-estar do planeta do que do bem-estar do mercado. Este nada mais é do que uma mera ilusão. Ilusão esta que sem controle destrói até mesmo o futuro (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: Jardim Zoológico de Salvador (Sílvio Benevides)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cirque du Soleil em Salvador com o espetáculo Quidam

O Cirque du Soleil, em português “Circo do Sol”, é uma companhia circense com base em Montréal, Quebec, Canadá. Fundado em Quebec em 1984 por dois ex-artistas de rua, Guy Laliberté e Daniel Gauthier, em resposta a um apelo feito pelo Commissariat général aux célébrations 1534-1984 do governo de Quebec, sobre a comemoração do 450º aniversário da descoberta do Canadá pelo explorador francês Jacques Cartier (1491-1557). A companhia é a maior atração do gênero no mundo. Atualmente o Cirque du Soleil é dirigido por Guy Laliberté, proprietário de 95% do patrimônio do Cirque e na lista de bilionários da revista Forbes. Gauthier em 2000 vendeu sua parte da companhia para Guy Laliberté.

Fui assisti ao espetáculo em um dia só para convidados e dedicado ao público de entidades carentes, alunos de escola de circo, alunos de escolas públicas como também profissionais e educadores dessas entidades. Observei a chegada dos ônibus lotados, inclusive de outros estados, como Alagoas, para participar desse primeiro espetáculo. Eram muitas crianças e adolescentes que já demonstravam a ansiedade para participar desse grande estréia. Esse dia foi uma espécie de ensaio geral antes da grande estréia do público pagante. Uma apresentação perfeita!

O personagem Boum Boum, uma espécie de mestre de cena, surge com suas luvas de boxe em meio às arquibancadas, acompanhado por música ao vivo. Então ele retorna ao picadeiro. Uma voz ecoa nos dando boas vindas em francês, inglês e português. Na minha frente o picadeiro vira um palco giratório que a princípio penso que são os artistas que estão flutuando no palco e só depois noto que é o palco que gira. Posso dizer que fiquei de queixo caído. É perfeito!!

Inicia-se o espetáculo com uma grande roda de metal surgindo com o primeiro artista a se apresentar deslizando nesse palco. Ele roda, gira, rodopia e manobra a roda, executando saltos mortais e acrobacias que desafiam as leis da gravidade. E esse é apenas um dos muitos que ainda estavam para chegar. Tenho que dizer que ele é um dos meu preferidos. Fantástico!

Tinha também as chinesas com seus diablos, ou ioiô chinês. Nesse momento vejo uma brincadeira de criança transformada em arte. Jovens artistas chinesas, cada um com dois paus ligados por um fio em que um carretel é atirado, equilibrado e manuseado de forma quase mágica, tentam superar-se uns aos outros neste espantoso jogo de destreza e talento.

Uma outra brincadeira de criança que toma um efeito coreográfico são as cordas. À medida que as cordas marcam o ritmo, um grupo de acrobatas, dotados de excepcional capacidade de coordenação e ritmo, executa uma corrente seguida, a solo, em dois ou em grupo, de saltos e dança. Incrível! Não posso deixar de falar do palhaço The Clown. O artista chamava pessoas da platéia para participar e, assim, interagindo com a platéia, ele fazia sua graça. O palhaço trabalha com muita desenvoltura e sabe improvisar muito bem. Rezei muito para não ser chamada e consegui! As pessoas que pagaram o mico parece que se divertiram bastante e foram muito aplaudidas.

Todos os artistas muito coloridos e com muita maquiagem. Uma mistura do medieval e do barroco para fazer um lindo espetáculo. São contorcionismos, malabarismos, palhaços e trapezistas. Atualmente, o circo é formado por integrantes de muitas nacionalidades, fazendo espetáculos em todas as partes do mundo. Entre seus integrantes temos o acrobata baiano: Jaílton Carneiro. Ele é soteropolitano, nascido e criado no bairro da Boca do Rio (Silvio, realmente na Boca do Rio se encontra tudo mesmo, não é?!!). Ele é um dos principais artistas do espetáculo Quidam. Em seu personagem Boum Boum fica a todo momento em cena e depois toma seu lugar entre os acrobatas. Do circo Picolino, Jaílton foi para São Paulo onde trabalhou em alguns circos até receber o convite do Cirque du Soleil para integrar a trupe. Passou no teste e entrou na companhia em 2002. Hoje é uma das estrelas do Quidam, espetáculo do circo que já passou por 20 países e reúne 51 artistas de 15 nacionalidades. Além do baiano, outros dois brasileiros integram o elenco do espetáculo Quidam: Denise Wal e Gracilene Oliveira de Moura.

O Cirque du Soleil impressiona qualquer pessoa desde a sua estrutura física montada, a sua organização, pontualidade indiscutível e seu espetáculo absolutamente grandioso. Foi emocionante presenciar tal espetáculo. Um espetáculo vivo, cheio de energia e de cores. Os olhos das crianças brilhavam de emoção em todos os movimentos! Aplaudindo a cada finalização dos artistas, garantindo, também, sua presença e participação. Uma sensação que as palavras não alcançam descrever. Tem mesmo que ir e sentir porque o Cirque du Soleil é sentimento a todo momento.

Ficou na minha cabeça, ao final de tudo, já na saída, a palavra de uma garotinha de uns 6 anos do circo Picolino, que pega sua vasilha plástica da pipoca (com a logomarca do Soleil recebida durante a apresentação) da mão da educadora dizendo: “quero guardar essa vasilha de pipoca para não me esquecer nunca que fui um dia no Circo de Soleil”. BRAVO, CIRQUE DU SOLEIL !!! (por Gina Carla Reis)
*
Imagens: Al Seib (Quidam - Cirque du Soleil).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Avanço rumo ao retrocesso?

Li o artigo abaixo (A Idade Média pós-moderna), publicado no sítio Uol Notícias, e fiquei a pensar se o mundo contemporâneo resulta de uma série de avanços ou de retrocessos. Por um lado há indícios de que a humanidade avança rumo à construção de um mundo melhor para todos. Um exemplo? As guerras já não são mais tão necessárias como outrora foram. Outro exemplo? A escravidão hoje é uma prática criminosa e amoral. E como não considerar as inúmeras conquistas feministas como avanços salutares não apenas para as mulheres, mas para a humanidade como um todo? De fato, há muito chão a ser percorrido em direção a um mundo melhor para todos, mas passos importantes estão sendo dados. Por outro lado, porém, retrocessos caminham lado a lado dos avanços. Basta ler o texto abaixo de autoria do Parag Khanna, um indiano radicado nos EUA, que considera a Europa como a nau que conduzirá a humanidade rumo a um futuro brilhante. Brilhante para quem, ele não especifica, porque sua análise se baseia tão somente em projeções que poderão promover ainda mais o desenvolvimento do capitalismo.

Todos nós sabemos que o capitalismo não é inclusivo, muito pelo contrário. Quem tem muito não quer dividir o que tem com aqueles que pouco ou nada têm. Talvez seja por isso que movimentos xenófobos têm crescido consideravelmente em toda Europa. Seja na Alemanha, Holanda, França, Portugal ou Espanha, os culpados pelo aumento da miséria e da violência no continente europeu são sempre os imigrantes, venham eles da Ásia, da África, da América Latina ou mesmo do Leste europeu. O mercado capitalista e as políticas que o privilegiam estão sempre certas, já os imigrantes... Para estes as duras leis de imigração. Todos são culpados de terrorismo ou perturbação da ordem pública até que se prove o contrário. Nesse aspecto, estamos sim a viver num período de trevas, como normalmente os mais desinformados se referem à Idade Média, e não creio que será a Europa que trará o Renascimento. Também tenho dúvidas se a Europa pode servir de exemplo para a América Latina, África ou os povos orientais. Essa tal de Idade Média pós-moderna não passa de uma nova roupagem para o velho, tosco e soberbo etnocentrismo dos imbecis que se acham grande coisa. Leiam o texto do Parag Khanna e reflitam sobre o que acabo de escrever (por Sílvio Benevides).

A IDADE MÉDIA PÓS-MODERNA

No futuro, a globalização enfraquecerá ainda mais o Estado-nação. Um longo processo de transição em direção ao governo global será, como a Idade Média, uma época de grande insegurança. Mas a estrutura de governo da Europa irá prevalecer, mesmo nos Estados Unidos. Ela comprará seu caminho para a paz e seu modelo será copiado em todo o planeta.

A Europa inventou, nomeou e moldou todas as eras da história - e continuará a fazer isso no futuro. O mundo clássico é definido pelo florescimento da Grécia; a Idade Média seguiu-se à queda de Roma; o Renascimento europeu levou à formação dos Estados-nação que organizaram o mundo à sua imagem; e no século 21, a Europa está à frente do regionalismo pós-Estado-nação e governo pós-moderno correspondente que também está sendo adotado em todo o mundo.

Já podemos ver indicações de que o mundo está seguindo o caminho da Europa. Basta considerar a atual crise financeira global: cada vez mais observadores preveem que há uma necessidade de equilíbrio entre o capitalismo norte-americano e a intervenção exagerada e inflexível do Estado. A mistura certa é o capitalismo social-democrata ao estilo europeu.

Primeiro vamos dar um passo atrás para ver como a paisagem mundial já começou a lembrar um período crucial da história europeia, mais especificamente a Idade Média. Foi um período longo e incerto, e, portanto, uma metáfora ideal para os nossos tempos. Foi uma era de pragas e progresso, revoluções comerciais, expansão de impérios, cruzadas, cidades-Estado, mercadores e universidades. A nova Idade Média - sinônimo da nossa era de globalização pós-moderna - já começou.

Principalmente as cidades-Estado, a unidade política medieval mais importante, continuarão sua ressurreição. Hoje a lista de "cidades globais" - Nova York, Los Angeles, Miami, São Paulo, Londres, Dubai, Cingapura, Hong Kong, Xangai, Tóqui - também incluem Alexandria, Karachi, Istambul, entre outras. Naquela época, como hoje, as cidades-Estado eram centros comerciais quase que totalmente desconectadas de sua âncora nacional, lembrando que os atores corporativos serão extremamente influentes no futuro.

Os fundos de riqueza soberana de hoje, fundidos ao conhecimento das cidades-Estado, serão a Liga Hanseática de amanhã, formando redes de capital que irradiam as mais novas tecnologias para os que estão próximos. Hamburgo e Dubai acabaram de assinar um acordo para incentivar o comércio bilateral e a cooperação técnica. As cidades-Estado pagarão por sua proteção à medida que a segurança global se privatiza ainda mais nas mãos de corporações, os cavaleiros, mercenários e condottieri do século 21.

A Idade Média testemunhou inovações desde o canhão até a bússola, todos projetados para melhorar a exploração global. Da mesma forma, a aceleração da comunicação e do transporte nos aproxima cada vez mais da simultaneidade. À medida que o número de bilionários aumenta para além de Gates, Branson e Ambani, os megafilantropos se tornarão os Médicis pós-modernos, financiando explorações no espaço e nas profundezas do oceano, governando territórios e produção, como príncipes medievais.

A nova Idade Média será tanto multipolar com os impérios em expansão no território eurasiano, quanto apolar, sem um único líder global. Os esforços de Carlos Magno de reavivar o Sagrado Império Romano foram sucedidos mais de um milênio depois pelas armadas múltiplas de eurocratas de Bruxels colonizando paulatinamente o Báltico, os Bálcãs e eventualmente a Anatólia e o Cáucaso. Seu livro não é a Bíblia, mas o “acquis communautaire”, os 35 capítulos da Lex Europea que reconstroem os Estados membros da União Europeia do avesso.

Não só a Ucrânia e a Turquia, mas com um pouco de sorte até a Rússia sem população e irritadiça será membro da UE em 2030. Depois de se tornar uma das principais artérias de energia da Europa, a Turquia também assumirá o papel de principal corredor de comércio e investimentos para a Ásia Central e o Oriente próximo. As redes de estradas que ligam Anatólia ao mar Cáspio foram estendidas para o sul em direção à Síria, Irã e Iraque, fornecendo acesso direto à energia do Oriente Médio e rotas de exportação para produtos europeus de alta qualidade.

O Oriente Médio será fundamental para a esfera de influência expandida da Europa em 2030. Apesar de que o mundo árabe será mais populoso que a Europa, seu suprimento de energia estará diminuindo e suas relações de comércio estarão cada vez mais atadas ao investimento europeu para a produção em larga escala de bens manufaturados, de automóveis a células solares.

O Islã continuará sendo uma fé fraturada, amplamente praticada, mas também subjugada pelo ímpeto do desenvolvimento econômico. Da mesma forma que a Europa comprou o comunismo, comprará a reforma do Islã em direção a uma democracia social construtiva e próspera. Os Estados do norte da África estarão ainda mais ligados à Europa através dos gasodutos de gás natural, produção em pequena escala terceirizada e agricultura. A visão atual de Sarkozy, de uma União Mediterrânea, de fato terá florescido numa ressurreição do Império Romano - com Bruxelas como sua capital.

Mas essa Europa de 2030 não irá apenas integrar seus vizinhos externamente, mas os misturará internamente também. As robustas populações ucranianas e turcas serão cada vez mais uma parte do tecido econômico e social europeu, mantendo o estatus do império como uma grande força manufatureira. Os migrantes árabes continuarão sendo uma característica das sociedades da Europa ocidental, mas assim como os turcos do final do século 20, tornar-se-ão diásporas construtivas, avançando modelos sociais e microeconômicos progressistas através de um fluxo livre de capital e ideias com o Ocidente.

O caminho da Rússia

O caminho da Rússia será de fato similar ao da Turquia. A repressão e a relutância iniciais, combinadas com um forte desejo de liberdade na política estrangeira, seguidas por uma aceitação gradual dos méritos da influência e coordenação compartilhadas, e por um apetite insaciável por investimentos europeus de alta qualidade e subsídios generosos. A Rússia trocará seu controle inseguro sobre o suprimento e os preços do petróleo e do gás pela estabilidade e a segurança dos consumidores europeus confiáveis. Ela aceitará a compensação justa, e aprenderá como gastar de forma mais sábia com a assistência de Bruxelas, Frankfurt e Londres.

Outras regiões exibirão hierarquias semelhantes ao estilo europeu. A China terá completado a restauração de seu antigo estatus de “Reino do Meio”, presidindo sobre metade da população mundial através de seu massivo volume de exportações, infraestrutura energética e redes de diáspora chinesa. O terceiro centro de gravidade do mundo continuará sendo os Estados Unidos, demograficamente estável mas também mais misturado à América Latina. Um século depois da "Aliança pelo Progresso" de Kennedy, os Estados Unidos terão redescoberto seus colegas do sul, especialmente o Brasil, como parceiros industriais para aumentar a competitividade do hemisfério em relação à Ásia e a independência da energia do Oriente Médio.

O modelo de governança regional que a União Europeia representa em sua forma mais sofisticada será copiado não somente na América do Norte e no leste da Ásia, mas gradualmente na América do Sul e na África. O Brasil já fala da União Sul Americana de integração econômica e diplomática, sob sua liderança benigna. A União Africana, apesar de estar atrasada em relação a outros blocos regionais, terá desenvolvido uma força de pacificação extremamente necessária para estabilizar seus muitos conflitos, enquanto as barreiras de comércio terão caído, permitindo que muitos países africanos presos no continente possam levar seus produtos aos mercados regionais e mundiais.

A Europa como intermediária

O modelo europeu para os Estados Unidos se aplica então nos níveis do capitalismo social-democrático e mecanismos de governança para instituições e mercados regionais - mas também em termos de política externa. A Europa terá liberalizado e modernizado sua periferia usando a mão estável da reforma governamental e do investimento estrangeiro, estratégias que os EUA deveriam ver como a chave para estabilizar o México e a América Central. As relações dos EUA com a China serão possivelmente influenciadas por essa psicologia, transformadas para o foco na responsabilidade com características chinesas em vez de uma democracia ao estilo norte-americano.

A Europa esta bem posicionada para ser esse intermediário ideológico e cultural entre o Ociente e o Oriente. Artistas indianos e chineses já estão prosperando na cena europeia, enquanto asiáticos ricos (e árabes) se tornam os principais compradores de artistas impressionistas e modernistas europeus. Da mesma forma, no campo da educação, mas chineses já estão estudando em universidades europeias do que nas norte-americanas, aprendendo o novo ethos social-democrático do século 21, da mesma forma que eles aprenderam o marxismo e o comunismo na Europa dos séculos 19 e 20.

Mesmo enquanto os militares de Europa se consolidam numa formidável força convencional, esse poder continuará sendo mais útil para fiscalizar e fazer intervenções pontuais do que guerras ou ocupações de longo prazo. Mas uma força policial pan-europeia como essa será necessária para as incertezas da nova Idade Média. De fato, não havia nada muito certo na Idade Média, e um número semelhante de fatores de risco existe nas próximas décadas. O que dizer da Aids, malária, Sars e outras doenças que poderiam se tornar pragas como a Peste Negra do século 14? E que impacto as horas de migrantes terão, potencialmente perturbadas por guerras e desastres ambientais? Quem serão as próximas hordas mongóis, pequenas e concentradas que violentamente estabelecerão a paz, a lei e a ordem? Estabelecer uma nova governança mundial levará séculos, vide a liderança incerta e a paisagem complexa dos meados do século 21. O próximo Renascimento ainda está muito longe (por Parag Khanna).
*
Imagem: bandeira da União Europeia

domingo, 2 de agosto de 2009

Poema Falado: Sorri-Smile

Um poema é mais que um poema. Um poema é a senha que nos permite acessar o recôndito das almas, seja a alma de quem o escreve, seja a alma de quem o aprecia. Os poemas nos revelam. Vamos, pois, revelarmo-nos através dos poemas falados que doravante o Salvador na sola do pé e outros dois blogs, o Bienvenue-Ami e O cantinho de Coccinelle, apresentarão sempre no primeiro domingo de cada mês. Pretendemos formar uma rede tecida por versos e sons magníficos, afinal, como disse o Carlos Drummond de Andrade, “uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos, uma pessoa que gosta de ler nunca está sozinha. Ela terá sempre uma companhia: a companhia imensa de todos os artistas, todos os escritores que ela ama, ao longo dos séculos”. Se quiser fazer parte dessa rede é só entrar em contato. O primeiro poema da série que hoje se inaugura é o Smile, letra composta por John Turner e Geoffrey Parsons para a música do Charles Chaplin. No Brasil ela foi lindamente traduzida por João de Barro, o Braguinha, nome fundamental da música brasileira. É esta tradução que aparece no vídeo abaixo. Boa leitura!
*
SORRI (SMILE)
*




Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios

Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador

Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos

Sorri vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz!
*
Imagem: Clowns - autoria não encontrada