Em sua postagem do dia 18/03/2009 intitulada “A essência dos lugares”, o futuro jornalista por formação, Lucas Franco, indaga: “O que são lugares, se não pedaços de terras que em conjunto podem rotular cidades, países e continentes? Somos fruto da essência dessas terras, mesmo sabendo que sua identidade tem uma ligação muito mais forte que geográfica, tendo a raiz cultural como fruto de sua história”?
Falar de identidade significa falar de pertencimento, ou melhor, de sentimento de pertença. O fato de um indivíduo nascer em um determinado espaço geográfico não significa que, necessariamente, ele se sentirá pertencente a esse espaço. Por vezes, ocorre o contrário. Há casos em que o indivíduo, estando no seu espaço de origem, se sente como se estrangeiro fosse. Como isso é possível? Como se pode ser estrangeiro?
O dicionário define estrangeiro como aquele de nação diferente daquela a que se pertence; pessoa que não é do país em que está; forasteiro. Essa definição deixa claro que o não pertencimento a uma nação, país ou localidade é a condição primeira para que um indivíduo possa ser classificado como estrangeiro. Considerando esse conceito, é possível afirmar que o estrangeiro é aquele que emigra, ou seja, aquele que viaja.
Viajar é libertar-se de um ponto qualquer no espaço e, assim sendo, é também opor-se conceitualmente à fixação nesse ponto. O estrangeiro transita entre essas duas características (liberação e fixação) e revela que as relações espaciais são, simultaneamente, condição e símbolo das relações humanas, ou seja, uma forma específica de interação. Esta, por sua vez, envolve uma relação ambígua de proximidade e distância, que ora é positiva, quando os traços comuns entre o estrangeiro e o grupo no qual ele se inseriu são acentuados, ora é negativa, quando, ao contrário, são acentuados os traços não-comuns. No primeiro caso, ressalta-se a objetividade do estrangeiro como um valor positivo, pois, por ele não possuir vínculos de parentesco, localidade e ocupação com o grupo, estaria mais propenso a introduzir qualidades novas a esse grupo uma vez que “não está amarrado a nenhum compromisso que poderia prejudicar a sua percepção, entendimento e avaliação do que é dado”. Entretanto, tal objetividade não implica em uma não-participação, ou total afastamento do estrangeiro, “mas um tipo específico e positivo de participação”. No segundo caso, o estrangeiro é visto como o outro ao qual não é permitido possuir atributos característicos do grupo, ainda que tais atributos sejam genéricos. A relação entre proximidade e distância torna-se, então, uma relação tensa e conflituosa, gerando o fenômeno conhecido na Antropologia como etnocentrismo. “A relação dos gregos com os bárbaros talvez seja típica aqui, como todos os casos em que precisamente os atributos genéricos, percebidos como pura e especificamente humanos, são aqueles não permitidos ao outro. Mas aqui, estrangeiro não tem qualquer sentido positivo; a relação com ele é uma não-relação [...] quando a consciência de só ser comum o absolutamente geral faz com que se acentue especialmente o não-comum”. (George SIMMEL. In: Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1983).
O estrangeiro pode despertar naqueles que o acolhe uma profunda atração, assim como uma imensa repulsa. Nesse sentimento ambíguo, o medo, a admiração, a desconfiança, a estranheza, enfim, comumente estão presentes. Isso talvez ocorra porque o estrangeiro, na verdade, é um ser híbrido, culturalmente indefinido, fixado em um “entre lugar”, isto é, um lugar multiculturalmente marcado ou multiplamente caracterizado. Tal espaço pode ser entendido como um lugar de transposição de territórios que, por sua vez, abre caminho para que se possa ir além das singularidades como conceitos primários ou categorias monolíticas fixas e, consequentemente, conduz a uma não aceitação de hierarquias rígidas e impostas. Desses espaços afloram narrativas que não possuem referências específicas por revelarem um desconforto, um estranhamento justamente por sempre terem estado à sombra (Homi BHABHA. In: The location of culture. London/New York: Routledge,1994). Sendo assim, o estrangeiro strictu sensu, aquele que habita um lugar diferente daquele onde nasceu, tem como uma de suas principais características uma fidelidade dilacerada. Por não ser, e ao mesmo tempo sê-lo, parte integrante do lugar onde se encontra, ele sugere algo que não é nem homogêneo, nem único, tampouco fixo. Em conseqüência, contem em si um ponto de vista mais subjetivo, diferenciado, alternativo, não-privilegiado, o que explica a sensação de desconforto e estranheza tanto nele, quanto naqueles que o cercam.
Até o momento falou-se do estrangeiro viandante (strictu sensu), que abandona sua terra natal para se aventurar em terras estranhas e desconhecidas. Mas, e quanto ao estrangeiro não desterrado, ou seja, aquele indivíduo que é estrangeiro entre a sua própria gente, aquele tipo que aqui foi chamado de nativo, pois não abandonou sua terra natal? Um tipo definido pelo escritor Caio Fernando Abreu como estranho estrangeiro.
Assim como o viandante, o estrangeiro nativo também desperta nos outros, os seus compatriotas (ou não) um sentimento de admiração e repulsa. Paralelamente, uma sensação de estranheza se apossa dele, fazendo-o pensar: “O céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro” (Caio Fernando ABREU. In: Estranhos Estrangeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1996).
Essa sensação de mal-estar vivenciada pelo estrangeiro nativo origina-se na dificuldade que, geralmente, encontramos em pensar a diferença. Diferença que assusta, pois o simples fato dela existir nos faz perceber que nossos valores, nossos modelos, nossas concepções acerca do mundo que nos envolve não são únicas e definitivas. Isso nos leva a hostilizar esse outro, supostamente ameaçador, por meio de palavras ou atitudes que podem ir de um simples gesto, até a mais explícita segregação. Assim, ainda que inconscientemente, levamos o estrangeiro nativo a confinar-se nos infernos da solidão. “Se você é o único diferente, é o único que em meio a tantos age de tal maneira, faz isso ou aquilo, e essas coisas ferem as pessoas, maculam a espécie, então, o problema é você, e você se sente só”. (Mayrant GALLO. In: O caso Mersault: uma leitura crítica. Comunicação apresentada no seminário “O Estrangeiro” para o curso Crítica Cultural Contemporânea em 16/09/1997).
Mas quem são esses estranhos estrangeiros? Certamente são aquelas vozes recalcadas que por se negarem a aceitar os modelos de padronização e igualdade de comportamentos impostos a todos os indivíduos pertencentes a uma mesma cultura, são rotuladas de estranhas, rebeldes ou, ainda, em certas ocasiões, de anormais.
A interação do estrangeiro nativo com os demais envolve, do mesmo modo que a do estrangeiro strictu sensu, uma relação ambígua de proximidade e distância e também possui um valor positivo e negativo, embora esse valor não seja idêntico àquele mencionado por Simmel ao referir-se ao viandante. Podemos falar em valor negativo, quando o estrangeiro nativo não se percebe ou, ao se perceber, não se aceita como tal e, consequentemente, a convivência com a sensação de mal-estar, mencionada anteriormente, se torna mais difícil, o que pode transformá-lo num mal caráter, como disse o escritor Caio Fernando Abreu ao se referir aos homossexuais “enrustidos” que não assumem sua condição até os trinta e cinco anos, ou, então, num esquizóide, uma vez que o seu “eu” está dividido. “O termo esquizóide refere-se ao indivíduo cuja totalidade de experiência divide-se em dois principais sentidos: em primeiro lugar, uma ruptura em seu relacionamento com o mundo e, em segundo lugar, uma ruptura em relação consigo mesmo. Tal pessoa é incapaz de sentir-se junto com os outros, ou à vontade no mundo. Pelo contrário, experimenta uma desesperadora solidão e isolamento; além do mais, não se sente uma pessoa completa, e sim dividida de diversas maneiras, talvez como uma mente ligada ao corpo por tênue fio, como duas personalidades, etc.” (R.D. LAING. In: O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Petrópolis: Vozes, 1996).
Em contrapartida, o estrangeiro nativo adquire um valor positivo, quando, se percebendo como tal, assume sua condição, sem se calar, fazendo dela um instrumento de luta. Essas vozes ao conseguirem emergir do fundo, ou das profundezas dos vales onde estiveram adormecidas, podem desencadear significativas mudanças nas estruturas sociais. Talvez por isso, às vezes, elas se apresentem ora atraentes, ora incômodas e repulsivas. Tomemos como exemplo de estrangeiros nativos, os jovens brasileiros das décadas de sessenta e setenta. Nessas décadas, “desenvolveram-se várias práticas sociais alternativas, isto é, grupos sociais, em sua maior parte compostos por jovens, agiram no sentido de questionarem as instituições sociais vigentes (quer de uma perspectiva comportamental, como os movimentos contraculturais; quer de uma perspectiva mais especificamente política, como os movimentos de luta armada)” (Cláudio Novaes Pinto COELHO. In: A cultura juvenil de consumo e as identidades sociais alternativas. São Paulo: 1997). Esses jovens que na vida cotidiana vivenciavam experiências nas quais o autoritarismo se apresentava não apenas como um poder oriundo das grandes instâncias políticas, exercido verticalmente de cima para baixo, mas, também, na forma de relações ou práticas disseminadas nos setores mais capilares da sociedade, acabaram por evidenciar, por meio das suas práticas políticas ou simplesmente através de suas atitudes, novas demandas e ansiedades, não necessariamente subordinadas às instâncias políticas ou econômicas.
Os tipos aqui mencionados nos revelam modos diversos de ser estrangeiro. Não basta ser forasteiro ou não possuir a cidadania do país onde se habita para ser ou sentir-se estrangeiro. Trata-se muito mais de um sentimento do que uma mera condição jurídica. “Estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia. Por reconhecê-lo em nós, poupamo-nos de ter que detestá-lo em si mesmo. Sintoma que torna o nós precisamente problemático, talvez impossível, o estrangeiro começa quando surge a consciência de minha diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos vínculos e às comunidades”. (Júlia KRISTEVA. In: Estrangeiros para nós mesmos. São Paulo: Rocco, 1994). Esses tipos (incomuns?), embora distintos um do outro, estão, simultaneamente, tão distantes e tão próximos que por vezes se confundem e nos confundem, porque assim são os estrangeiros (forasteiros ou não): híbridos, diferentes, estranhos. Sempre em busca de algo, ou, quem sabe, sempre fugindo desse algo (por Sílvio Benevides).
Falar de identidade significa falar de pertencimento, ou melhor, de sentimento de pertença. O fato de um indivíduo nascer em um determinado espaço geográfico não significa que, necessariamente, ele se sentirá pertencente a esse espaço. Por vezes, ocorre o contrário. Há casos em que o indivíduo, estando no seu espaço de origem, se sente como se estrangeiro fosse. Como isso é possível? Como se pode ser estrangeiro?
O dicionário define estrangeiro como aquele de nação diferente daquela a que se pertence; pessoa que não é do país em que está; forasteiro. Essa definição deixa claro que o não pertencimento a uma nação, país ou localidade é a condição primeira para que um indivíduo possa ser classificado como estrangeiro. Considerando esse conceito, é possível afirmar que o estrangeiro é aquele que emigra, ou seja, aquele que viaja.
Viajar é libertar-se de um ponto qualquer no espaço e, assim sendo, é também opor-se conceitualmente à fixação nesse ponto. O estrangeiro transita entre essas duas características (liberação e fixação) e revela que as relações espaciais são, simultaneamente, condição e símbolo das relações humanas, ou seja, uma forma específica de interação. Esta, por sua vez, envolve uma relação ambígua de proximidade e distância, que ora é positiva, quando os traços comuns entre o estrangeiro e o grupo no qual ele se inseriu são acentuados, ora é negativa, quando, ao contrário, são acentuados os traços não-comuns. No primeiro caso, ressalta-se a objetividade do estrangeiro como um valor positivo, pois, por ele não possuir vínculos de parentesco, localidade e ocupação com o grupo, estaria mais propenso a introduzir qualidades novas a esse grupo uma vez que “não está amarrado a nenhum compromisso que poderia prejudicar a sua percepção, entendimento e avaliação do que é dado”. Entretanto, tal objetividade não implica em uma não-participação, ou total afastamento do estrangeiro, “mas um tipo específico e positivo de participação”. No segundo caso, o estrangeiro é visto como o outro ao qual não é permitido possuir atributos característicos do grupo, ainda que tais atributos sejam genéricos. A relação entre proximidade e distância torna-se, então, uma relação tensa e conflituosa, gerando o fenômeno conhecido na Antropologia como etnocentrismo. “A relação dos gregos com os bárbaros talvez seja típica aqui, como todos os casos em que precisamente os atributos genéricos, percebidos como pura e especificamente humanos, são aqueles não permitidos ao outro. Mas aqui, estrangeiro não tem qualquer sentido positivo; a relação com ele é uma não-relação [...] quando a consciência de só ser comum o absolutamente geral faz com que se acentue especialmente o não-comum”. (George SIMMEL. In: Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1983).
O estrangeiro pode despertar naqueles que o acolhe uma profunda atração, assim como uma imensa repulsa. Nesse sentimento ambíguo, o medo, a admiração, a desconfiança, a estranheza, enfim, comumente estão presentes. Isso talvez ocorra porque o estrangeiro, na verdade, é um ser híbrido, culturalmente indefinido, fixado em um “entre lugar”, isto é, um lugar multiculturalmente marcado ou multiplamente caracterizado. Tal espaço pode ser entendido como um lugar de transposição de territórios que, por sua vez, abre caminho para que se possa ir além das singularidades como conceitos primários ou categorias monolíticas fixas e, consequentemente, conduz a uma não aceitação de hierarquias rígidas e impostas. Desses espaços afloram narrativas que não possuem referências específicas por revelarem um desconforto, um estranhamento justamente por sempre terem estado à sombra (Homi BHABHA. In: The location of culture. London/New York: Routledge,1994). Sendo assim, o estrangeiro strictu sensu, aquele que habita um lugar diferente daquele onde nasceu, tem como uma de suas principais características uma fidelidade dilacerada. Por não ser, e ao mesmo tempo sê-lo, parte integrante do lugar onde se encontra, ele sugere algo que não é nem homogêneo, nem único, tampouco fixo. Em conseqüência, contem em si um ponto de vista mais subjetivo, diferenciado, alternativo, não-privilegiado, o que explica a sensação de desconforto e estranheza tanto nele, quanto naqueles que o cercam.
Até o momento falou-se do estrangeiro viandante (strictu sensu), que abandona sua terra natal para se aventurar em terras estranhas e desconhecidas. Mas, e quanto ao estrangeiro não desterrado, ou seja, aquele indivíduo que é estrangeiro entre a sua própria gente, aquele tipo que aqui foi chamado de nativo, pois não abandonou sua terra natal? Um tipo definido pelo escritor Caio Fernando Abreu como estranho estrangeiro.
Assim como o viandante, o estrangeiro nativo também desperta nos outros, os seus compatriotas (ou não) um sentimento de admiração e repulsa. Paralelamente, uma sensação de estranheza se apossa dele, fazendo-o pensar: “O céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro” (Caio Fernando ABREU. In: Estranhos Estrangeiros. São Paulo: Companhia das Letras, 1996).
Essa sensação de mal-estar vivenciada pelo estrangeiro nativo origina-se na dificuldade que, geralmente, encontramos em pensar a diferença. Diferença que assusta, pois o simples fato dela existir nos faz perceber que nossos valores, nossos modelos, nossas concepções acerca do mundo que nos envolve não são únicas e definitivas. Isso nos leva a hostilizar esse outro, supostamente ameaçador, por meio de palavras ou atitudes que podem ir de um simples gesto, até a mais explícita segregação. Assim, ainda que inconscientemente, levamos o estrangeiro nativo a confinar-se nos infernos da solidão. “Se você é o único diferente, é o único que em meio a tantos age de tal maneira, faz isso ou aquilo, e essas coisas ferem as pessoas, maculam a espécie, então, o problema é você, e você se sente só”. (Mayrant GALLO. In: O caso Mersault: uma leitura crítica. Comunicação apresentada no seminário “O Estrangeiro” para o curso Crítica Cultural Contemporânea em 16/09/1997).
Mas quem são esses estranhos estrangeiros? Certamente são aquelas vozes recalcadas que por se negarem a aceitar os modelos de padronização e igualdade de comportamentos impostos a todos os indivíduos pertencentes a uma mesma cultura, são rotuladas de estranhas, rebeldes ou, ainda, em certas ocasiões, de anormais.
A interação do estrangeiro nativo com os demais envolve, do mesmo modo que a do estrangeiro strictu sensu, uma relação ambígua de proximidade e distância e também possui um valor positivo e negativo, embora esse valor não seja idêntico àquele mencionado por Simmel ao referir-se ao viandante. Podemos falar em valor negativo, quando o estrangeiro nativo não se percebe ou, ao se perceber, não se aceita como tal e, consequentemente, a convivência com a sensação de mal-estar, mencionada anteriormente, se torna mais difícil, o que pode transformá-lo num mal caráter, como disse o escritor Caio Fernando Abreu ao se referir aos homossexuais “enrustidos” que não assumem sua condição até os trinta e cinco anos, ou, então, num esquizóide, uma vez que o seu “eu” está dividido. “O termo esquizóide refere-se ao indivíduo cuja totalidade de experiência divide-se em dois principais sentidos: em primeiro lugar, uma ruptura em seu relacionamento com o mundo e, em segundo lugar, uma ruptura em relação consigo mesmo. Tal pessoa é incapaz de sentir-se junto com os outros, ou à vontade no mundo. Pelo contrário, experimenta uma desesperadora solidão e isolamento; além do mais, não se sente uma pessoa completa, e sim dividida de diversas maneiras, talvez como uma mente ligada ao corpo por tênue fio, como duas personalidades, etc.” (R.D. LAING. In: O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Petrópolis: Vozes, 1996).
Em contrapartida, o estrangeiro nativo adquire um valor positivo, quando, se percebendo como tal, assume sua condição, sem se calar, fazendo dela um instrumento de luta. Essas vozes ao conseguirem emergir do fundo, ou das profundezas dos vales onde estiveram adormecidas, podem desencadear significativas mudanças nas estruturas sociais. Talvez por isso, às vezes, elas se apresentem ora atraentes, ora incômodas e repulsivas. Tomemos como exemplo de estrangeiros nativos, os jovens brasileiros das décadas de sessenta e setenta. Nessas décadas, “desenvolveram-se várias práticas sociais alternativas, isto é, grupos sociais, em sua maior parte compostos por jovens, agiram no sentido de questionarem as instituições sociais vigentes (quer de uma perspectiva comportamental, como os movimentos contraculturais; quer de uma perspectiva mais especificamente política, como os movimentos de luta armada)” (Cláudio Novaes Pinto COELHO. In: A cultura juvenil de consumo e as identidades sociais alternativas. São Paulo: 1997). Esses jovens que na vida cotidiana vivenciavam experiências nas quais o autoritarismo se apresentava não apenas como um poder oriundo das grandes instâncias políticas, exercido verticalmente de cima para baixo, mas, também, na forma de relações ou práticas disseminadas nos setores mais capilares da sociedade, acabaram por evidenciar, por meio das suas práticas políticas ou simplesmente através de suas atitudes, novas demandas e ansiedades, não necessariamente subordinadas às instâncias políticas ou econômicas.
Os tipos aqui mencionados nos revelam modos diversos de ser estrangeiro. Não basta ser forasteiro ou não possuir a cidadania do país onde se habita para ser ou sentir-se estrangeiro. Trata-se muito mais de um sentimento do que uma mera condição jurídica. “Estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia. Por reconhecê-lo em nós, poupamo-nos de ter que detestá-lo em si mesmo. Sintoma que torna o nós precisamente problemático, talvez impossível, o estrangeiro começa quando surge a consciência de minha diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos vínculos e às comunidades”. (Júlia KRISTEVA. In: Estrangeiros para nós mesmos. São Paulo: Rocco, 1994). Esses tipos (incomuns?), embora distintos um do outro, estão, simultaneamente, tão distantes e tão próximos que por vezes se confundem e nos confundem, porque assim são os estrangeiros (forasteiros ou não): híbridos, diferentes, estranhos. Sempre em busca de algo, ou, quem sabe, sempre fugindo desse algo (por Sílvio Benevides).
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