terça-feira, 28 de julho de 2009

Há coisas tão absurdas que não devemos esquecer jamais

Alguns cientistas sociais costumam denominar os dias de hoje como a “era dos direitos”, porque atualmente os princípios dos direitos humanos têm orientado o debate político, a ação de inúmeros movimentos sociais, de políticos profissionais, juristas, advogados, políticas públicas e, até mesmo, práticas pedagógicas. Enfim, os direitos humanos estão no centro das ações e relações sociais contemporâneas. Entretanto, embora tais princípios estejam fortalecidos em discursos, políticas e ideologias, na prática, estão longe de ser uma realidade concreta para muitos grupos sociais. No que diz respeito aos homossexuais, por exemplo, há muito a se conquistar, do simples respeito cotidiano, ao respeito materializado em leis e políticas públicas que garantam a dignidade daqueles cuja orientação sexual destoa das normas e padrões estabelecidos que, como já escreveu Caetano Veloso, coloca o “macho, adulto, branco sempre no comando”. As notas abaixo ilustram bem essa questão. Do passado remoto ao presente mais próximo, as histórias de intolerância contra homossexuais, sejam estes ilustres ou não, persistem e insistem em se repetir. Até quando? Essa postagem abre uma série de outras com a temática referente a COISAS ABSURDAS QUE NÃO DEVEMOS ESQUECER JAMAIS (por Sílvio Benevides).

O RETRATO DA INTOLERÂNCIA

Morre em Paris de meningite, aos 46 anos, o escritor irlandês Oscar Wilde, conhecido por sua brilhante oratória e, sobretudo, por seu talento literário.

Wilde, nascido em Dublin aos 16 de outubro de 1854, escreveu poemas, contos de fada como O Príncipe Feliz (1888), dedicado aos dois filhos, Cyril e Vyvyan, que teve com a bela Constance Lloyd, várias peças de teatro, a exemplo de Salomé (1891), O leque de Lady Windermere (1892), Uma mulher sem importância (1893), A importância de ser prudente (1895), Um marido ideal (1895), entre outras obras. Escreveu também o livro O retrato de Dorian Gray (1891), seu único romance.

O espírito aguçadamente irônico e mordaz de Oscar Wilde era bastante conhecido nos círculos literários e nos ricos salões londrinos. Suas pilhérias geralmente tinham como alvo o modo de vida preconceituoso e hipócrita da alta sociedade britânica, marcada por valores excessivamente utilitaristas e materialistas. Seu brilhantismo, objeto de admiração e temor, se fez conhecer ainda nos tempos em que estudava no Magdalen College de Oxford, onde permaneceu até 1879. Nessa época ele abraçou com entusiasmo os ideais estetas tão difundidos na universidade de Oxford. Por conta da sua habilidade retórica e seu poder de persuasão, foi convidado a fazer uma série de conferências sobre a doutrina esteticista nos Estados Unidos. Em 1882 aportou em Nova Iorque. Quando perguntado se tinha algo a declarar, respondeu: “Nada, além da minha genialidade”. Ao final das conferências feitas em outras cinquenta cidades, acabou por conquistar o respeito e a admiração do público estadunidense.

Entre os anos de 1891 e 1895, as peças escritas por Wilde alcançaram enorme sucesso de público e crítica. Nesse mesmo período ele viveria um intenso relacionamento amoroso com o jovem aristocrata Lord Alfred Douglas, descrito por André Gide, amigo de Wilde, como uma pessoa “cínica, egoísta e terrível”. Por causa dessa relação, Wilde passou a ser perseguido pelo pai do Lord Douglas, o Marquês de Queensberry, que o chamava de “sodomita” e o via como um “pervertido e corruptor”.

Para livrar-se da perseguição que vinha sofrendo e, ao mesmo tempo, querendo atender aos caprichos do seu jovem amante, Wilde, a despeito dos inúmeros conselhos dos amigos, resolveu processar o marquês por injúria. Queensberry, em contrapartida, denunciou Wilde à Justiça por causa da sua homossexualidade, comportamento considerado criminoso na Inglaterra vitoriana. Após três julgamentos, Wilde foi condenado, em maio de 1895, a dois anos de prisão com trabalhos forçados. Em sua defesa disse à promotoria: “O amor que não ousa dizer seu nome neste século é uma afeição tão grande entre um homem mais velho e um mais jovem como era entre Davi e Jônatas, da maneira como Platão o tornou a verdadeira base da sua filosofia, e da maneira como é encontrado nos sonetos de Michelângelo e Shakespeare [...] por conta disso, estou onde me encontro agora. É bonito, delicado. É a mais nobre forma de afeição. Não há nada de antinatural nele. É algo intelectual e existe repetidas vezes entre um homem mais velho e um mais jovem, quando o mais velho tem o intelecto, e o mais jovem toda a alegria, esperança e encanto da vida diante de si”.

A sentença da Justiça Britânica fez Oscar Wilde conhecer de perto o inferno. Na prisão recebeu um tratamento desumano que o levou a um estado de profunda apatia. Em 1897, após ser libertado, partiu para a França com a saúde bastante debilitada. Já era um homem arruinado tanto moral quanto financeiramente. Seu nome fora proibido de ser estampado nos cartazes das suas peças, que em pouco tempo foram retiradas de cartaz. Sua esposa e filhos foram obrigados a mudar da Inglaterra e adotar o sobrenome Holland, ao invés de Wilde, para evitar constrangimentos e humilhações.

Abandonado por quase todos os amigos, inclusive pelo Lord Douglas, Oscar Wilde deixou para sempre a Grã-Bretanha, onde seu nome se tornou sinônimo de abjeção e vício, e suas ideias consideradas amorais, sobretudo porque eram antiutilitaristas. No dia 30 de novembro de 1900, morreu esquecido no modesto Hôtel d'Alsace, nas proximidades do Sena, vitimado, principalmente, pela intolerância dos seus contemporâneos. (Fonte: O cantinho de Coccinelle)

MORTE ANUNCIADA

O cabo Fredson Teles Oliveira e os soldados Antônio Bonfim dos Santos, Antônio Farias e Givaldo Soares Miranda da 13ª Companhia Independente da Polícia Militar, sediada no bairro da Pituba, em Salvador-BA, foram expulsos da corporação por serem os responsáveis pela morte por afogamento da travesti Júnior da Silva Lago, conhecida por Luana, na madrugada do dia 04 de agosto de 1998.

Luana se encontrava no bairro da Pituba em companhia da também travesti Jocimar Oliveira do Carmo, conhecida por Joice, quando os quatro oficiais da PM as abordaram numa viatura e mandaram que entrassem no veículo. De acordo com Joice, os policiais teriam dito que aquela viagem não teria volta.

Luana e Joice foram levadas para a Praia do Flamengo, em Stella Maris, onde, por determinação dos PM's, se despiram e em seguida sofreram humilhações e torturas. Não satisfeitos, os policiais obrigaram as duas a entrarem no mar, que na ocasião estava bastante revolto devido à chuva e aos ventos fortes.

“Nós entramos no mar enquanto um dos soldados com uma lanterna e os outros com as armas apontadas em nossa direção evitavam o nosso retorno à praia. O mar jogou Luana contra as pedras, enquanto eu consegui nadar para o outro lado. Os policiais entraram na viatura e saíram. Eu aproveitei a oportunidade para sair do mar em busca de socorro”, declarou Joice, que também acusou os policiais de terem usurpado seu cartão bancário, seu aparelho celular, além de R$ 100,00 que recebera como pagamento de um programa.

Os policiais confirmaram que de fato pegaram Luana e Joice no bairro da Pituba, acatando determinação do Tenente Maia, oficial de operação da 13ª Companhia. O objetivo, segundo os oficiais, era dar um banho de mar nas duas travestis e nada mais. Constantemente a PM faz rondas nas ruas da Pituba com o intuito de evitar a aglomeração de travestis que se prostituem na área residencial do bairro. Tais rondas visam atender aos apelos freqüentes dos moradores, que se queixam das travestis alegando que elas atentam contra a moral e os bons costumes (Fonte: A Tarde – 05/08/1998).

CRIME DE ÓDIO

O estudante de Ciências Políticas da Universidade de Wyoming, Matthew Shepard, de 21 anos, morreu num hospital dos EUA após passar seis dias em coma. Matthew Shepard foi violentamente espancado por Aaron Mckinney e Russel Henderson, dois colegas de faculdade, atado a uma cerca e em seguida abandonado para morrer sob as baixas temperaturas do inverno norte-americano. Tudo isso porque a vítima era abertamente homossexual.

O crime mobilizou ativistas gays de todo o país, assim como fundamentalistas cristãos mais obcecados em condenar e insultar os homossexuais do que viver, praticar e difundir o verdadeiro amor ensinado por Jesus Cristo. O presidente Bill Clinton tentou convencer o Congresso da importância de aprovar um projeto de lei que enquadre esse tipo de crime na categoria de “crimes de ódio”, já que as leis federais estadunidenses só tratam de preconceito racial e religioso. Clinton quer que discriminações motivadas por sexo, orientação sexual e deficiência física e mental sejam coibidas por lei (Fonte: Revista Veja – 21/10/1998).

DESEJO INCOMPREENDIDO

Estudante da oitava série do colégio católico Agostinho Mendel, em São Paulo, é exposto a todo tipo de humilhações por ter declarado seu amor por um colega.

A discriminação que L., de 14 anos, vem sofrendo na escola onde estuda há nove anos, parte de todos os lados. A direção do colégio classificou o comportamento de L. de anormal e sugeriu aos pais do menino um acompanhamento psicológico. Alguns professores passaram a ignorá-lo, deixando até mesmo de esclarecer suas dúvidas. Entre os colegas, muitos o hostilizam ora exigindo sua expulsão, ora o ameaçando com linchamento. Um grupo de alunos chegou a criar um movimento chamado MMB – Matem Muitas Bichas. Os pais de L. acham que a escola está certa em querer expulsar o filho que eles julgam estar errado. Há, porém, quem fique do lado de L., como o jovem objeto da sua paixão. Mesmo rejeitando o afeto do qual é alvo, por ser heterossexual, o rapaz de 16 anos se opõe a qualquer tipo de represália contra o colega.

Em meio a um turbilhão de intolerância e incompreensão, L., assustado, achou melhor abdicar dos seus sentimentos. “Vou sofrer sozinho”, declarou (Fonte: Revista Isto É – 27/10/1999).

OS DEGENERADOS DO ABC

Na madrugada do dia 05 de fevereiro foi assassinado em São Paulo o adestrador de cães Edson Néris da Silva que passeava com o namorado numa praça no centro da capital paulista.

Por volta da meia-noite Edson Néris cruzava a Praça da República de mãos dadas com o namorado, quando ambos foram surpreendidos por um bando de degenerados conhecido como Carecas do ABC, que pregam a supremacia branca e o extermínio de negros, judeus, nordestinos e homossexuais, imitando a bestialidade da doutrina nazista. Tão logo foram cercados, os dois rapazes passaram a ser esmurrados pelos integrantes do referido bando. O namorado de Edson Néris conseguiu se livrar da sanha dos seus agressores e saiu correndo para pedir ajuda aos seguranças de uma estação do metrô próxima. Edson Néris, porém, teve uma sorte mais cruel. Devido a sua orientação sexual foi estupidamente assassinado. Os chutes e os murros contra ele deferidos, deformaram seu corpo e provocaram perfurações na sua cabeça, provavelmente feitas pelo soco-inglês usados pelos agressores.

Algumas horas após o acontecido a polícia prendeu num bar no bairro do Bexiga, 18 pessoas apontadas por testemunhas de terem participado do crime: Vanderlei Cardoso de Sá, Fernando Azadinho, Regina Saran, Davi dos Santos Júnior, Luís Felipe Machado, José Nilson da Silva, Roberto Fernando Dias, Marcelo Martins, Eduardo Pereira, Jorge Soler, André da Silva, Juliano Sabino, Henrique Velasco, Onilmar de Queiroz, Luciano Teixeira Júnior, Washington de Oliveira, Adriano Rodrigues e Edilene Bezerra. Indignada, a mãe de Edson Néris declarou: “Meu filho era bom demais para perecer nessa selvajaria” (Fonte: Revista Época – 14/02/2000).
Imagem: Sílvio Benevides

terça-feira, 21 de julho de 2009

A rua

A cultura soteropolitana é uma cultura de rua. Em Salvador a rua se constitui num gigantesco espaço de interação social. É na rua onde os soteropolitanos gostam de estar. É na rua onde os principais traços da cultura local se manifestam. Da descontração das praias à esfuziante alegria do carnaval, passando pelo baba dos fins-de-semana, pode-se afirmar que a rua cunhou o que se costuma chamar em alguns círculos acadêmicos de baianidade. Mesmo, hoje, com o aumento da violência urbana, a rua, e todos os prazeres que ela oferece, continua a ser a principal forma de lazer do soteropolitano. E o que dizer da rua? Deixo essa questão para ser respondida pelo jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Figura bastante conhecida na sociedade carioca do início do século XX, João do Rio declara todo o seu encantamento pela rua no texto abaixo, extraído da obra A alma encantadora das ruas. Boa leitura (por Sílvio Benevides).

"Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia, Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. A rua! Que é a rua? Um cançonetista de Montmartre fá-la dizer:

Je suís la rue, femme êternellement verte,
Je n’ai jamais trouvé d’autre carrière ouverte
Sinon d’être la rue, et, de tout temps, depuis
Que ce pénible monde est monde, je la suis...

A verdade e o trocadilho! Os dicionários dizem: “Rua, do latim ruga, sulco. Espaço entre as casas e as povoações por onde se anda e passeia”. E Domingos Vieira, citando as Ordenações: “Estradas e rua pruvicas antiguamente usadas e os rios navegantes se som cabedaes que correm continuamente e de todo o tempo pero que o uso assy das estradas e ruas pruvicas”. A obscuridade da gramática e da lei! Os dicionários só são considerados fontes fáceis de completo saber pelos que nunca os folhearam.

Abri o primeiro, abri o segundo, abri dez, vinte enciclopédias, manuseei infolios especiais de curiosidade. A rua era para eles apenas um alinhado de fachadas por onde se anda nas povoações. Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! Em Benares ou em Amsterdão, em Londres ou Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua. A rua é o aplauso dos medíocres, dos infelizes, dos miseráveis da arte. Não paga ao Tamagno para ouvir berros atenorados de leão avaro, nem à velha Patti para admitir um fio de voz velho, fraco e legendário. Bate, em compensação, palmas aos saltimbancos que, sem voz, rouquejam com fome para alegrá-la e para comer. A rua é generosa. O crime, o delírio, a miséria não os denuncia ela. A rua é a transformadora das línguas. Os Cândido de Figueiredo do universo estafam-se em juntar regrinhas para enclausurar expressões; os prosadores bradam contra os Cândido. A rua continua, matando substantivos, transformando a significação dos termos, impondo aos dicionários as palavras que inventa, criando o calão que é o patrimônio clássico dos léxicons futuros. A rua resume para o animal civilizado todo o conforto humano. Dá-lhe luz, luxo, bem-estar, comodidade e até impressões selvagens no adejar das árvores e no trinar dos pássaros.

A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. A rua criou todas as blagues todos os lugares-comuns. Foi ela que fez a majestade dos rifões, dos brocardos, dos anexins, e foi também ela que batizou o imortal Calino. Sem o consentimento da rua não passam os sábios, e os charlatães, que a lisonjeiam lhe resumem a banalidade, são da primeira ocasião desfeitos e soprados como bolas de sabão. A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações, é, no encanto da vida renovada, no chilrear do passaredo, no embalo nostálgico dos pregões – tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguear com o céu e com os anjos..." (In: A alma encantadora das ruas, por João do Rio)
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Imagem: obra do artista plástico baiano
Henrique Passos .

terça-feira, 14 de julho de 2009

Cântico Negro – por José Régio

Dedico o poema abaixo, de autoria do escritor modernista português José Régio (pseudônimo de José Maria dos Reis Pereira), àqueles que, como já disse o Gregório de Matos, “nos quer governar cabana e vinha; Não sabem governar sua cozinha, E [pensam que] podem governar o mundo inteiro”. Para vocês, digo apenas que a vida não é um cárcere ou um experimento de laboratório! A vida é um maravilhoso devaneio, selvagem e indomável! Não cabe em fórmulas, conceitos, teorias ou receitas de bolo. A vida de cada um é exclusiva. Cada existência é única! As experiências e histórias de vida, por mais parecidas que sejam, jamais se repetem ou se repetirão! Portanto, cuidem de suas insossas e angustiantes vidas que da minha cuido eu! Estou farto de lirismos comedidos e, também, de vozes tolas bem intencionadas! (por Sílvio Benevides)

“Vem por aqui” - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade.
Com que rasguei o ventre e a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes e os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se aninhou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Só sei que não vou por aí!
*
Imagem retirada de sites de busca (autoria não encontrada).

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A volta do caboclo: feliz Bahia!

Terminaram hoje as comemorações ao Dois de Julho, festa que tem um significado todo especial para os baianos e, também, para os brasileiros. Nesse dia, no ano de 1823, na Batalha do Pirajá, a independência do Brasil foi definitivamente conquistada e referendada pelo povo, ou melhor, povão. Não foi um mero gesto simbólico como o Grito do Ipiranga. Nas campinas da Bahia a independência resultou de duras batalhas, lutas e muito sangue derramado. Essa data é, portanto, uma data cívica das mais importantes para a história do Brasil. Mas não é sobre a importância histórica do Dois de Julho que desejo discorrer. Sobre isso os livros de história que se prezam já discorreram ou discorrem. Quero discorrer sobre os festejos, sobre as comemorações que desde 1824 fazem do Dois de Julho a festa cívica mais rebelde da história brasileira, quiçá da humanidade.

No último Dois de Julho fui ao desfile. Não vi a saída do Caboclo e da Cabocla da Lapinha, no bairro da Soledade, pois não acordei a tempo. Por volta das dez da manhã, quando cheguei ao Pelourinho, lá estava o carro da Cabocla, parado defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, à espera do carro do Caboclo, que ainda se encontrava no Carmo. Misturei-me à multidão e comecei a fotografar. Enquanto isso, aproximava-se do local onde me encontrava o bloco do governo da Bahia. Mais patético impossível. Diante do que vi e das pessoas que encontrei em meio àquele séquito, lembrei-me, de imediato, do poema Triste Bahia, do Gregório de Matos. E não só desse como também daquele que diz: “A cada canto um grande conselheiro. / que nos quer governar cabana, e vinha, / não sabem governar sua cozinha, / e podem governar o mundo inteiro [...] Estupendas usuras nos mercados, / todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia”. Pois é, triste Bahia. Ai de nós!

O desfile do Dois de Julho faz ver a quem quer que seja o quão cínicos são os políticos profissionais. Todos, sem exceção, sejam do governo ou da oposição. Aproveitam a ocasião, pegam carona nos carros da Cabocla e do Caboclo, para fazer maketing político dos mais deprimentes de se testemunhar. Eles passam acenando, sorrindo e cumprimentando a multidão. Esta, por sua vez, responde vaiando, xingando e, com gestos de reprovação, externa toda sua indignação. Já os políticos e seus séquitos de colaboradores ineptos, do outro lado, fazem pouco caso, fingem que não ser com eles, mas, sim, com os adversários, ou seja, os outros. Não sei se agem dessa maneira porque são apenas cínicos, estúpidos ou porque acreditam ser como a caravana do dito popular que, enquanto passa, os cães latem. Talvez seja isso tudo ao mesmo tempo. Ao retornar do desfile fiquei com a sensação de que só nos resta chorar ao pé do Caboclo.

Mas o desfile do Dois de Julho não é apenas palco da manifestação do cinismo dos nossos homens públicos. O desfile é, também, um palco onde todos – homens, mulheres, negros, índios, brancos, pobres, jovens, velhos, desempregados, trabalhadores, professores, sindicalistas, artistas, drag queens, gente dos mais variados credos – podem se expressar, protestar, festejar, vadiar ao som saboroso das bandas e fanfarras que sobem e descem as ladeiras do centro histórico de Salvador para celebrar a vitória da vida sobre a morte imposta pelos cínicos de outrora e pelos de hoje também. E isso me faz lembrar a música do Caetano Veloso que diz: "Enquanto os homens exercem seus podres poderes, índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval". As comemorações ao Dois de Julho são assim: um misto de festa cívica e carnaval, de ordem e desordem, de paz, fé e muita alegria. Uma festa baiana indomável por natureza, pois não sucumbiu nem à perseguição das elites baianas do passado, nem aos apelos da indústria cultural do presente. Graças ao Senhor do Bonfim que a Bahia é o seu povo e não seus políticos. Feliz Bahia!
(por Sílvio Benevides)
Imagem: Sílvio Benevides

Ode ao Dois de Julho – vídeo

Minha homenagem ao Dois de Julho da Bahia e do Brasil.
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quinta-feira, 2 de julho de 2009

O quadro completo da independência

O artigo abaixo, de autoria do historiador Cid Teixeira, discorre sobre o Sete de Setembro que, segundo a historiografia oficial, é o marco da Independência do Brasil. Entretanto, o historiador baiano nos lembra que para se compreender o processo de desligamento do Brasil de Portugal é preciso analisar o quadro completo da independência “que somente se torna lógico se visto em seu conjunto”. E esse conjunto somente se completa com o Dois de Julho, interpretado por muitos como a independência da Bahia, mas, na verdade, a independência do Brasil na Bahia, pois foi aqui nas campinas baianas que a independência se consolidou, ou seja, se tornou um fato concreto que possibilitou surgimento, e posterior fortalecimento, do Brasil como um Estado autônomo. Na próxima postagem voltaremos ao tema Dois de Julho. Boa leitura! (por Sílvio Benevides)
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Sete de Setembro de 1822, margem do Rio Ipiranga, São Paulo, Brasil. As colônias americanas da grande aventura ultramarina da Europa dos séculos XV e XVI obtinham, a duras penas, sua libertação. Sempre, à custa de lideranças locais, sempre sofrendo todas as dores no nascimento enquanto estados nacionais, sempre lutando a valer sangue, a valer morte, a valer sofrimento. Nos Estados Unidos da América do Norte, como nos países de herança espanhola, lideranças locais, algumas inclusive, imaturas e desajeitadas, tomaram o governo dos seus povos a partir das ideologias que defenderam de armas nas mãos e esperanças nas almas.

No Brasil, tudo por quanto se sonhou, sofreu, e conspirou em termos de independência política, foi de conteúdo popular, a partir de segmentos da população menos bafejados da fortuna e do relevo social e, sempre, de conteúdo doutrinário republicano. Foi assim com Joaquim José da Silva Xavier, foi assim com os homens da Conspiração Baiana de 1798/1799 simbolizados nos quatro mortos na forca e esquartejados diante do povo.

E a independência nos chega outorgada por um príncipe que era a continuação dinástica da mesma monarquia absoluta e opressora que condenara à morte aqueles líderes, condenando, por implícito, não somente todos os outros que com eles comungavam, como tentando condenar à morte as próprias idéias que os inspiravam. A independência nos chega com a permanência no poder dos mesmos segmentos e das mesmas pessoas que o detinham antes. O próprio imperador que nos deu a ruptura colonial em belo gesto do seu “pinache” de jovem de vinte e dois anos, o próprio príncipe D.Pedro não renunciou aos seus direitos dinásticos na pátria colonizadora. A idéia da reunião do aquém e do além mar em um império transmarino do futuro não está, em nenhum momento, ausente das especulações nem dele próprio nem do seu pai e Rei de Portugal, D.João VI. Tínhamos, no Brasil, lideranças populares àquele tempo?

Certamente. Será esta a resposta sem vacilar. Afinal, somente vinte e dois anos separavam o Grito do Ipiranga do grito sufocado de Manoel Faustino dos Santos Lira, de Lucas Dantas do Amorim Torres, de João de Deus do Nascimento e de Luiz Gonzaga das Virgens [mártires da Revoltas dos Búzios ou Conjuração Baiana de 1798], quando o carrasco lhes passou a corda ao pescoço, ali no Largo da Piedade, nesta cidade do Salvador. É esta uma importante parcela de uma das mais intricadas e fascinantes equações do processo histórico brasileiro: independência que, por sua própria natureza, é a mais alta conquista de um povo, trazendo em si mesma o travo da frustração ideológica desse mesmo povo. O Brasil não sofreu amarguras imediatas para obter o seu desligamento político de Portugal. Foram arranjos políticos, cartas trocadas, arrufos e pazes familiares, poderosos resguardando privilégios. Assim foi, menos na Bahia. Por isso mesmo, ao lado das justas comemorações do dia da Pátria, aqui, especificamente aqui cabem algumas meditações sobre matéria que complete o nosso orgulho cívico. Orgulho cívico, repita-se. Para que assim ganhe ele a dimensão que merece. Seja feita uma simples conta: no dia Sete de Setembro de 1822 um príncipe português proclamava, em São Paulo, a Independência do Brasil. Das margens plácidas do Ipiranga, o príncipe voltou ao Rio de Janeiro e começou a implantar o Estado que fundara. Dois meses depois, neste mesmo Brasil, aqui na Bahia, ali em Pirajá, ainda se brigava, ainda se matava, ainda se morria por essa mesma Independência que tinha sido proclamada. E Madeira de Melo, resistindo à ruptura dos vínculos coloniais, não procedia por sua conta. Antes, em estrita obediência a ordens que vinham do mesmo Portugal de ralos ou nenhum protesto à independência proclamada.

Aqui o povo brigou, aqui o povo ganhou. Aqui não foram tranças diplomáticas nem açodamentos. Aqui foi luta, sangue, disputa, consciência libertária. E, de novembro, quando ocorreu a batalha decisiva, aquela mesma que “a Glória desgrenhada, acalentava o cadáver sangrento dos heróis”, até o Dois de Julho, escaramuças, encontros diversos, tentativas de reverter a situação pontuam o tempo até a rendição final.

Se, como de regra sucede na relação entre os homens, composições foram feitas pela regência do poder resultante da luta, ainda assim o povo nunca esteve ausente. Na verdade, bem estudadas as comemorações populares (nas quais até hoje o poder público participa de forma adjetiva) se constituem, a cada ano, em uma renovação, em uma espécie leiga de crisma daquele momento de consciência libertária.

Justo por estes argumentos que muito poderão ser desdobrados é que são de toda pertinência estas lembranças para a complementação de um quadro que somente se torna lógico se visto em seu conjunto
(por Cid Teixeira).
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Nota: Artigo originalmente publicado no semanário Tribuna da Bahia em 06/06/1997.
Imagem: Sílvio Benevides

Dois de Julho: uma cronologia

1808 – Chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil. O Brasil deixa de ser colônia e passa a ser Reino Unido a Portugal e Algarve, cuja sede da monarquia era o Rio de Janeiro.

1815 – Batalha de Waterloo. Derrocada do poderio napoleônico. A batalha decisiva entre o imperador francês Napoleão Bonaparte e as forças aliadas, sob o comando do Duque de Wellington, foi travada em 18 de junho de 1815. A luta aconteceu perto de Bruxelas, na Bélgica, na vila de Waterloo. Essa batalha provocou mudanças drásticas nas fronteiras políticas e no equilíbrio de poder na Europa. Derrotado, Napoleão é exilado na ilha de Santa Helena, onde morre em 1821.

1820 – Revolução Constitucionalista do Porto. O poder do Reino Unido deveria retornar para Lisboa e o Brasil voltar à condição de colônia. Segundo o historiador BRAZ DO AMARAL, “o governo absolutista do Rio não queria que o Reino Luso da América tivesse igualdade de condições com o Reino Luso da Europa e pretendia, aqui, restringir as liberdades, as franquias e os benefícios prometidos ao povo de lá”.

A administração joanina no Brasil complicou a situação econômica de Portugal, já cronicamente deteriorada por sua depêndencia em relação à Grã-Bretanha. A abertura dos portos (1808) retirara dos portugueses sua última fonte de renda segura. Por outro lado, a transferência da sede do governo para o Rio de Janeiro, com as conseqüentes medidas modernizadoras de D. João no Brasil , provocou a chamada Inversão Brasileira, na qual a antiga metropóle passava para segundo plano nos campos político, econômico e administrativo. Finalmente, os portugueses sentiam-se humilhados porque, após a expulsão dos invasores franceses, o país passara a ser administrado pelo general inglês Beresford. Esses fatores provocaram a Revolução Liberal do Porto (24 de agosto de 1820), cujos articuladores pretendiam, através da eliminação do absolutismo, forçar o retorno de governo português para Lisboa e anular a Inversão Brasileira, promovendo a recolonização do Brasil. Vitorioso o movimento, em dezembro de 1820, foram eleitos os deputados às Cortes de Lisboa (Assembléia Constituinte), que passaram a atuar como órgão governativo do Reino-Unido; provisoriamente, adotou-se a Constituição que a Espanha havia elaborado recentemente. No Brasil, a aristocracia rural (acreditando nos propósitos liberais das Cortes) uniu-se aos comerciantes de origem portuguesa para mobilizar o povo e exigir de D. João VI e do príncipe-herdeiro D. Pedro o juramento prévio da Constituição e o acatamento às decisões das Cortes. As províncias passaram a ser administrativas por Juntas Governamentais Provisórias, geralmente com predomínio de elementos brasileiros.

1821 – Revolta do Forte São Pedro (10/02/1821). Toma posse como Comandante das Armas da Bahia, o Oficial do Regimento da Artilharia do Forte de São Pedro, Coronel MANOEL PEDRO DE FREITAS GUIMARÃES. Ele fortalece as tropas nacionais (brasileiras) em salvador, atiçando a desconfiança dos comerciantes portugueses, que passam a exigir sua substituição.

1821 – Retorno de D. João VI a Portugal. Em 25 de abril de 1821, cedendo à pressão da Assembléia Constituinte portuguesa, D. João regressou a Lisboa, levando consigo o Tesouro português (1º assalto sofrido pelo Banco do Brasil). D. Pedro permaneceu no Brasil como regente do Reino do Brasil, o que constituía um empecilho à recolonização.

1822 – Dia do Fico (09-01-1822)

1822 – Expulsão da Divisão Auxiliadora no Rio de Janeiro (14-02-1822)

1822 – O General Madeira de Melo chega a Salvador (11-02-1822) no navio DANÚBIO para substituir o Cel. Manoel Pedro.

1822 – Na tentativa de impedir sua destituição do cargo, tropas fiéis a Manoel Pedro enfrentam no dia 19-02-1822 as tropas de Madeira de Melo. Estas vencem o embate e tomam em definitivo a cidade. Dentre os excessos cometidos pelas tropas de Madeira de Melo está a morte da sóror Joana Angélica. A abadessa sóror Joana Angélica, de 60 anos de idade, se transformou num símbolo da resistência dos brasileiros na luta contra o inimigo português. Ela foi morta pelos oficiais de Madeira de Melo no momento em que resistia à invasão do Convento da Lapa, hoje um dos prédios da Universidade Católica de Salvador. Um grupo de soldados portugueses investiu contra o convento alegando que havia soldados brasileiros escondidos no prédio. Golpeado, o portão do convento se quebrou. “Para trás, bárbaros! Respeitai a casa de Deus!”, disse Joana Angélica. “Ninguém entrará no convento, a menos que passe por cima de meu cadáver”, disse. Nesse instante, uma baioneta atravessou o peito da religiosa e, Joana Angélica caiu morta.

A partir da posse da cidade, começou o êxodo para o interior. Primeiro de soldados, depois das famílias. Salvador era o centro político, o empório, a urbe dos ricos comerciantes lusitanos. No interior, no Recôncavo, estava a riqueza, a comida, o braço trabalhador. A Bahia era uma terra de cerca de 400 mil almas. Em Salvador viviam em torno de 100 mil (Sérgio Roberto Morgado. In: Revista da Bahia, n.36, dez.2002).

1822 – Procissão de São José. Durante a procissão de São José em 19-03-1822, portugueses que dela participavam são apedrejados. A reação de Madeira de Melo é violenta.

1822 – Tomando ciência da repressão do Gal. Madeira de Melo contra os citadinos de Salvador por ocasião da procissão de São José, D. Pedro I, em 17-06-1822, o intima a deixar o Brasil, conclamando o povo baiano a reagir à sua tirania. Esta proclamação encontra eco no Recôncavo Baiano.

1822 – A cidade de Santo Amaro da Purificação, aos 24-06-1822, organiza milícias para libertar a Bahia do jugo português. As vilas de CACHOEIRA e SÃO FELIX aderem ao movimento. Na Igreja Matriz em Cachoeira é celebrada uma missa de ação de graça à aclamação (ATO DE ADESÃO a Santo Amaro, lavrado pela Câmara de Cachoeira). Após a missa, a cidade é bombardeada por uma escuna portuguesa aportada no rio Paraguaçu.

1822 – A população de Cachoeira e São Félix ataca, em 28-06-1822, a escuna portuguesa com pequenas canoas. Aprisiona a guarnição e o seu comandante. Desta maneira têm início as lutas pela independência – o DOIS DE JULHO.

De uma nota enviada pela Junta de Cachoeira ao Príncipe Regente, gostaria de destacar dois trechos. No primeiro, afirma que “o leal e brioso povo do distrito de Cachoeira acaba de proclamar e reconhecer Vossa Alteza Real como Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”. Nota-se aí, ainda, o respeito a D.João VI, e, pela primeira vez, a outorga do título de Defensor Perpétuo do Brasil. O outro trecho proclama que”Altamente penetrado da mais viva gratidão para com Vossa Alteza Real, este brioso povo almejava por repetir o grito regenerador dos mais felizes fluminenses, paulistas, mineiros, continentistas e pernambucanos; almejava para apagar a feia nódoa do cisma que a seu bel prazer, sete homens levantaram entre esta e as mais províncias brasileiras”. Essa afirmação caracterizava, antes de tudo, o sentimento de união, a noção de brasilidade que, mesmo no interior, já predominava na nossa gente. Não havia hostilidade ao luso, do qual muitos descendiam, mas não se abria mão da Nação, que trezentos anos de luta e labor já tinham forjado no coração dos brasileiros. Essa crença é que os animou e sustentou todas as vicissitudes, que a partir daí iriam passar, para preservar a integridade e o direito de se constituírem em uma sociedade livre e soberana (Sérgio Roberto Morgado. In: Revista da Bahia, n.36, dez.2002).

1822 – É proclamada a Independência do Brasil em 07-09-1822 por D.Pedro I.

1823 – As tropas portuguesas são expulsas da Bahia em 02-07-1823, após a derrota do Gal. Madeira de Melo na Batalha de Pirajá.
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Imagem: Sílvio Benevides

Ode ao Dous de Julho - por Castro Alves

Era no dous de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia ...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
Neste lençol tão largo, tão extenso,
Como um pedaço roto do infinito ...
O mundo perguntava erguendo um grito:
Qual dos gigantes morto rolará?! ...

Debruçados do céu ... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado ...
Era a tacha - o fusil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro - era a amplidão!

Não! Não eram dous povos, que abalavam
N'aquele instante o solo ensanguentado ...
Era o porvir - em frente do passado,
A liberdade - em frente à escravidão.
Era a luta das águias - e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão - com os erros,
O duelo da treva - e do clarão! ...

No entanto a luta recrescia indômita ...
As bandeiras - como águias erriçadas
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz ...
Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava ...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis! ...

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço ... e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu - liberdade peregrina!
Esposa do porvir - noiva do sol! ...

Eras tu que com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sangravas de Colombo a terra
Sangravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos do Cabrito,
Um pedaço de gládio - no infinito ...
Um trapo de bandeira - n'amplidão!
*
Imagem: Castro Alves em 1865 (foto retirada do sítio do Instituto Moreira Sales)