
Quis a Providência divina que o Brasil fosse descoberto por portugueses. Portugueses eram também os missionários e, por sinal, filhos de São Francisco de Assis, de modo que, desde os primórdios, colonos e índios estiveram em contato com a Ordem Franciscana, que se gloria de ser o Taumaturgo [
quem opera milagres] um dos seus. Compreende-se que estes missionários propagavam a devoção a Santo Antônio, exaltando o seu poder de intercessão.
Os colonos, por sua vez, traziam na sua modesta bagagem a imagem do Grande Santo compatriota. Colocavam-na no seu tosco oratório e nas lidas pela existência, às vezes cruéis, levantavam as mãos ao Santo milagroso. Enterneciam-se diante da imagem os rudes desbravadores dos matos, os ousados bandeirantes.
Mal acabavam os colonos de fixar residência, juntando-se a outros em pequeno arraial, não tardavam em levantar uma ermida, uma capela em honra do Santo querido e com o tempo ela se transformava em matriz (V. Augusto Lima,
A Capitania de Minas).
Quando, em 1745, se criou a diocese de Mariana, existiam nela 51 paróquias. Descontando as de Nossa Senhora (geralmente da Conceição) havia somente 17 de outros Santos, figurando Santo Antônio com 9, não tendo nenhum outro mais de uma.
Caso, porém, não se consagrasse a matriz a Santo Antônio, era obrigatório colocar a sua imagem no altar-mor ou num altar lateral próprio. Refere o cronista franciscano Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão que não era raro haver mais de uma no mesmo altar e que nas casas particulares cada um queria para si o “seu” Santo Antônio.
No Rio de Janeiro, então, existia uma espécie de monopólio com relação ao Taumaturgo universal. Quando, em 1608, os franciscanos receberam da Câmara a segunda doação de terreno para fazer Convento, já funcionava uma confraria de Santo Antônio numa capela ao pé do morro. Pois convencionou-se que a confraria se suprimisse e que no futuro não houvesse na terra nem igreja, nem ermida, nem altar do Santo, senão no Convento a construir-se no morro. Era para dar maior incremento (raro, caro) ao culto. Daí vem que até os princípios do século XIX só havia uma igreja antoniana no Rio de Janeiro.
Não eram, entretanto, somente os lugares religiosos onde se tributava veneração ao Santo lisboense. Quiseram os nossos antepassados batizar com seu nome localidades, fazendas, fortalezas, rios, serras, botequins, lojas, boticas, açougues e até Agências do Correio. A respeito destas, soubemos que até há poucos anos existiam no Brasil 705 Agências denominadas de Santo Antônio, sobressaindo o Estado de Minas com 160. Freqüentemente leva o Santo um nome específico. Eis uma pequena, mas pitoresca relação: Santo Antônio da Roça Grande, do Ribeirão de Santa Bárbara, do Rio Acima, do Ouro Branco, da Casa Branca, da Balsa, da Vargem, do Monte, da Estiva, da Barra, da Casa de Sapê, da Casa de Telha, da Glória, da Alegria, e outras muitas.
A devoção do nosso povo a Santo Antônio não diminuiu através dos séculos. Dir-se-ia que cada vez mais aumenta, sinal dos tempos angustiosos que correm e obrigam a implorar a proteção do céu.
Damos em seguida uma breve relação de fatos atribuídos a Santo Antônio, que os nossos antepassados julgavam milagrosos. Colhemo-los em crônicas antigas, livros e manuscritos. É sempre interessante saber que tal ou tais fatos aconteceram na própria pátria.
1540 – Perto do Engenho de João Pais Barreto em Pernambuco, foi achada uma imagem de S. Antônio no alto de um morro. Fizeram-lhe uma capela. Outros moradores aí construíram casas; mas depois de acabadas desmoronaram. Tempos depois, uma devota fez no mesmo lugar uma casinha para estar mais perto no tratar da capela. Certa noite apa¬receu um vulto, lançando-a para fora. Dizia o povo: S. Antônio não quer vizinhos.
1595 – Tomando os franceses calvinistas a fortaleza de Arguim, na África, e destruindo tudo, conservaram a imagem de Santo Antônio. Colocaram-na num dos navios e diziam com ar de mofa: “Guia-nos, Antônio, guia-nos à Bahia!” Na travessia
escarneceram com a imagem e cometeram muitos sacrilégios. Aconteceu, porém, a maior parte da tripulação morrer de doenças e todos os navios se dispersarem, menos aquele com a imagem, o qual chegou à costa do Brasil. Aí jogaram a imagem toda desfigurada na praia. Quando depois foram aprisionados e tiveram de andar a pé até à Bahia, encontraram a imagem em pé na areia, sem se descobrir vestígio de alguém ter por aí passado. A imagem foi recolhida à Bahia e Santo Antônio declarado Padroeiro da cidade. Ainda vive na Bahia a lembrança de “Santo Antônio de Arguim”.
1621 – No Convento do Rio, incumbiu-se um Irmão de fazer a imagem do santo Padroeiro, mas não acertava com a cabeça. Um belo dia ela apareceu na portaria, sem se saber donde tinha vindo. Esta imagem, com a cabeça separável, ainda existe num nicho na entrada do Convento.
1640 – Quando, em 1640, os ocupantes franceses e holandeses se aproximaram da ilha de Boipeba, ao sul da Bahia, nada tinham os moradores para se defender. Recorreram a Santo Antônio, orago da matriz, fecharam-na e foram observando a princípio o movimento do desembarque, daí a pouco viram o contrário. Ficaram livres sem atirar uma só flecha. Voltando à matriz encontraram a imagem de bruço diante de Jesus crucificado, como pedindo proteção. A ele, portanto, atribuíram o feliz desfecho.
1643 – Neste ano os holandeses ocuparam o reduto da “Casa Forte” de Pernambuco. Destruíram também a capela de Santo Antônio e caíram com golpes sobre a imagem. Como se ti¬vessem aberto chagas em carne viva, a imagem deitou sangue.
1645 – Na invasão holandesa foi ocupado também o Convento de Ipojuca. Expulsando os frades, transformaram o claustro em estrebaria. Ora, diversas vezes foi visto um Religioso, que, penetrando o claustro, com uma vara fustigava os cavalos e os enxotava para fora, em direção a Recife. Era Santo Antônio, que com sua atitude mostrava o que havia de acontecer em breve. O Convento realmente foi um dos primeiros a ser libertado quando começou a campanha da restauração.
1646 – Ia-se festejar a Santo Antônio em sua capela, quando, durante a noite, caiu o dossel de pano, colocando-se dobradinho aos pés da imagem. Tomaram isto como sinal do Santo que deviam arrumar as suas coisas e fugir. Fizeram-no e foi a salvação, porque na mesma noite o comandante holandês atacou com grandes forças toda aquela vizinhança. Achou somente casas abandonadas e não conseguiu prender o chefe da restauração Fernandes Vieira, a cujo encalço estava.