Em 2011, para cada 16 homossexuais de 15 a 24 anos vivendo com HIV/aids, havia 10 heterossexuais. Em 1998, essa relação era de 12 para 10. Um aumento de 10,1% entre os gays de 15 a 24 anos ao longo dos últimos 12 anos. Já a porcentagem de casos na população heterossexual da mesma idade caiu 20,1%.
Daí o Ministério da Saúde (MS) ter decidido que um foco prioritário da campanha de prevenção de HIV/Aids no Carnaval 2012 seria o jovem gay. A campanha completa, com peças publicitárias destinadas também ao público heterossexual, foi lançada em 2 de fevereiro na quadra da escola de samba da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Na cerimônia, foram exibidos os quatro vídeos que seriam veiculados na TV, sendo três antes do Carnaval e um após. Uma campanha muito bem-feita, sensível, inteligente, moderna, criativa, bem-humorada, sedutora, passava a mensagem de forma adequada.
No dia seguinte, 3 de fevereiro, eles foram colocados no site do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do próprio Ministério da Saúde, inclusive o com dois rapazes numa boate. Ficou lá quatro ou cinco dias, quando foi retirado do ar por determinação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Militantes, movimentos e ONGs de AIDS chiaram: o governo censurou o vídeo anti-aids para gays.
O Ministério da Saúde nega o veto. “Esse vídeo não é para TV nem para internet; foi postado por engano. É para ser veiculado apenas em ambientes fechados, como boates”, disse a esta repórter na quinta-feira, 9 de fevereiro, o coordenador da Assessoria de Imprensa, o jornalista Leônidas Albuquerque. “O vídeo para TV está em fase final de produção.”
Como repórter especializada na área de saúde há 30 anos, acompanho a epidemia de HIV/aids desde os anos 80. Já vi muitas campanhas de prevenção da transmissão sexual do HIV/aids e garanto: o novo filme é medíocre, só pra cumprir tabela; é uma das piores campanhas de carnaval já vistas em toda a história do programa de aids brasileiro. Esse filme me faz lembrar matérias do gênero “não vai faltar peixe na Semana Santa”, que são exibidas todo ano. A rigor, nem precisariam ser feitas novamente. Elas “vão sozinhas” para a TV. O filme para TV da campanha do Ministério da Saúde para o carnaval deste ano, também.
“Esse vídeo burocrático, sem criatividade, apenas com dados do boletim epidemiológico, feito de improviso, a toque de caixa, só comprova que houve censura e veto à campanha original”, denuncia Mario Scheffer, ativista da luta contra a aids e presidente do da luta contra a aids e presidente do Grupo Pela Vidda-SP (ONG aids fundada em 1989). “A censura imposta ao vídeo original é clara demonstração de discriminação e violação aos direitos dos homossexuais, população altamente vulnerável à infecção pelo HIV e que demanda, portanto, campanha de saúde pública de grande alcance. Essa discriminação imposta aos gays, dentro do próprio governo, é co- responsável pelo crescimento da epidemia nessa população”.
“O Ministério da Saúde se rendeu à patrulha religiosa dos fundamentalistas e aos conservadores de plantão da base aliada que tanto influenciam as decisões governo hoje”, afirma Scheffer. “No ano passado, aconteceu a mesma coisa. A campanha do Ministério da Saúde prevista para 1 de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, iria abordar os jovens gays. Mas o tema foi ‘abortado’, dando lugar a uma campanha genérica sobre preconceito.”
Mario Scheffer não fala apenas como ativista. Tem expertise em Saúde Pública e Comunicação; é sanitarista, pesquisador na área e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. “A abordagem não pode estar restrita a peças especificas para guetos, como quer o ministro Padilha ao veicular o vídeo só em locais de freqüência gay”, argumenta. “A divulgação em larga escala do filme abordando gays e prevenção do HIV é importantíssima, porque ele enfrenta um problema de saúde pública que estão jogando pra debaixo do tapete.” Primeiro, porque jovem gay “não existe” socialmente. Jamais uma pesquisa vai trazer quantos jovens se declaram homossexuais. Ao se referir à adolescência, os testemunhos de gays adultos quase sempre evocam sentimentos que eram marcados pelo silêncio e incertezas. Segundo, porque no momento em que a sociedade toma conhecimento, via mensagem sensível, mas realista da realidade homossexual, o jovem gay confronta-se com a construção íntima de sua identidade. A auto-estima é um passo importantíssimo para a prevenção eficaz. Por tudo isso, o Fórum de ONGs Aids de São Paulo, que já havia repudiado o veto ao vídeo, decidiu denunciar internacionalmente a conduta do governo do governo brasileiro, que viola os direitos humanos dos homossexuais à prevenção. “Ao mesmo tempo”, acrescenta Mario Scheffer, “faremos uma representação ao Ministério Público Federal, para que seja apurada a conduta discriminatória do governo federal, bem como o desperdício de recursos públicos com a produção de uma campanha sem a devida veiculação em canais adequados.”
Em tempo: matéria publicada nesta terça-feira pela Folha de S. Paulo dá a versão de que o veto ao filme destinado aos jovens homossexuais seria da presidenta Dilma, que também teria barrado o do elefante. Diz que teria gostado apenas do vídeo na praia, destinado ao público heterossexual. Independentemente de quem tenha vetado, uma coisa é certa: o obscurantismo venceu a saúde pública (por Conceição Lemes).
Imagens: Ministério da Saúde do Brasil
Daí o Ministério da Saúde (MS) ter decidido que um foco prioritário da campanha de prevenção de HIV/Aids no Carnaval 2012 seria o jovem gay. A campanha completa, com peças publicitárias destinadas também ao público heterossexual, foi lançada em 2 de fevereiro na quadra da escola de samba da Rocinha, no Rio de Janeiro.
Na cerimônia, foram exibidos os quatro vídeos que seriam veiculados na TV, sendo três antes do Carnaval e um após. Uma campanha muito bem-feita, sensível, inteligente, moderna, criativa, bem-humorada, sedutora, passava a mensagem de forma adequada.
No dia seguinte, 3 de fevereiro, eles foram colocados no site do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do próprio Ministério da Saúde, inclusive o com dois rapazes numa boate. Ficou lá quatro ou cinco dias, quando foi retirado do ar por determinação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Militantes, movimentos e ONGs de AIDS chiaram: o governo censurou o vídeo anti-aids para gays.
O Ministério da Saúde nega o veto. “Esse vídeo não é para TV nem para internet; foi postado por engano. É para ser veiculado apenas em ambientes fechados, como boates”, disse a esta repórter na quinta-feira, 9 de fevereiro, o coordenador da Assessoria de Imprensa, o jornalista Leônidas Albuquerque. “O vídeo para TV está em fase final de produção.”
Como repórter especializada na área de saúde há 30 anos, acompanho a epidemia de HIV/aids desde os anos 80. Já vi muitas campanhas de prevenção da transmissão sexual do HIV/aids e garanto: o novo filme é medíocre, só pra cumprir tabela; é uma das piores campanhas de carnaval já vistas em toda a história do programa de aids brasileiro. Esse filme me faz lembrar matérias do gênero “não vai faltar peixe na Semana Santa”, que são exibidas todo ano. A rigor, nem precisariam ser feitas novamente. Elas “vão sozinhas” para a TV. O filme para TV da campanha do Ministério da Saúde para o carnaval deste ano, também.
“Esse vídeo burocrático, sem criatividade, apenas com dados do boletim epidemiológico, feito de improviso, a toque de caixa, só comprova que houve censura e veto à campanha original”, denuncia Mario Scheffer, ativista da luta contra a aids e presidente do da luta contra a aids e presidente do Grupo Pela Vidda-SP (ONG aids fundada em 1989). “A censura imposta ao vídeo original é clara demonstração de discriminação e violação aos direitos dos homossexuais, população altamente vulnerável à infecção pelo HIV e que demanda, portanto, campanha de saúde pública de grande alcance. Essa discriminação imposta aos gays, dentro do próprio governo, é co- responsável pelo crescimento da epidemia nessa população”.
“O Ministério da Saúde se rendeu à patrulha religiosa dos fundamentalistas e aos conservadores de plantão da base aliada que tanto influenciam as decisões governo hoje”, afirma Scheffer. “No ano passado, aconteceu a mesma coisa. A campanha do Ministério da Saúde prevista para 1 de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, iria abordar os jovens gays. Mas o tema foi ‘abortado’, dando lugar a uma campanha genérica sobre preconceito.”
Mario Scheffer não fala apenas como ativista. Tem expertise em Saúde Pública e Comunicação; é sanitarista, pesquisador na área e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. “A abordagem não pode estar restrita a peças especificas para guetos, como quer o ministro Padilha ao veicular o vídeo só em locais de freqüência gay”, argumenta. “A divulgação em larga escala do filme abordando gays e prevenção do HIV é importantíssima, porque ele enfrenta um problema de saúde pública que estão jogando pra debaixo do tapete.” Primeiro, porque jovem gay “não existe” socialmente. Jamais uma pesquisa vai trazer quantos jovens se declaram homossexuais. Ao se referir à adolescência, os testemunhos de gays adultos quase sempre evocam sentimentos que eram marcados pelo silêncio e incertezas. Segundo, porque no momento em que a sociedade toma conhecimento, via mensagem sensível, mas realista da realidade homossexual, o jovem gay confronta-se com a construção íntima de sua identidade. A auto-estima é um passo importantíssimo para a prevenção eficaz. Por tudo isso, o Fórum de ONGs Aids de São Paulo, que já havia repudiado o veto ao vídeo, decidiu denunciar internacionalmente a conduta do governo do governo brasileiro, que viola os direitos humanos dos homossexuais à prevenção. “Ao mesmo tempo”, acrescenta Mario Scheffer, “faremos uma representação ao Ministério Público Federal, para que seja apurada a conduta discriminatória do governo federal, bem como o desperdício de recursos públicos com a produção de uma campanha sem a devida veiculação em canais adequados.”
Em tempo: matéria publicada nesta terça-feira pela Folha de S. Paulo dá a versão de que o veto ao filme destinado aos jovens homossexuais seria da presidenta Dilma, que também teria barrado o do elefante. Diz que teria gostado apenas do vídeo na praia, destinado ao público heterossexual. Independentemente de quem tenha vetado, uma coisa é certa: o obscurantismo venceu a saúde pública (por Conceição Lemes).
Imagens: Ministério da Saúde do Brasil
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