Dizem que um poeta é universal quando ele ou ela consegue transpor os limites da sua individualidade, da sua gente, do seu espaço e do seu tempo. Se é assim, o Fernando Pessoa é um
dos poetas mais universais da história da poesia. Seus versos falam de sentimentos particulares que são partilhados por muita gente de ontem, de hoje e, certamente, de amanhã também. Quando há muito li os versos do POEMA EM LINHA RETA, o Poema Falado deste mês, o primeiro de 2012, logo me identifiquei. Relendo-o agora, vejo como ele é tão atual, nesses tempos em que todos buscam nada menos que a perfeição, querendo a todo custo ser (ou ao menos aparentar ser) sexualmente plenos, felizes, belos, fortes, destemidos, saudáveis, inteligentes e eternamente jovens. Em outras épocas me sentia um estranho estrangeiro nesse mundo de gente “tão perfeita”. Hoje, ao deparar-me com essas pessoas tenho “sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza”. E é para homenagear mais uma vez o Fernando Pessoa na pessoa do Álvaro de Campos que o Poema Falado traz o POEMA EM LINHA RETA: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. // E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, / Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, / Indesculpavelmente sujo, / Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, / Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, / Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, / Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, / Que tenho sofrido enxovalhos e calado, / Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; / Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, / Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, / Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, / Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado / Para fora da possibilidade do soco; / Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. // Toda a gente que eu conheço e que fala comigo / Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... // Quem me dera ouvir de alguém a voz humana / Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; / Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! / Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. / Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? / Ó príncipes, meus irmãos, // Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? // Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? // Poderão as mulheres não os terem amado, / Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! / E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, / Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? / Eu, que venho sido vil, literalmente vil, / Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”. Boa áudio-leitura!
dos poetas mais universais da história da poesia. Seus versos falam de sentimentos particulares que são partilhados por muita gente de ontem, de hoje e, certamente, de amanhã também. Quando há muito li os versos do POEMA EM LINHA RETA, o Poema Falado deste mês, o primeiro de 2012, logo me identifiquei. Relendo-o agora, vejo como ele é tão atual, nesses tempos em que todos buscam nada menos que a perfeição, querendo a todo custo ser (ou ao menos aparentar ser) sexualmente plenos, felizes, belos, fortes, destemidos, saudáveis, inteligentes e eternamente jovens. Em outras épocas me sentia um estranho estrangeiro nesse mundo de gente “tão perfeita”. Hoje, ao deparar-me com essas pessoas tenho “sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza”. E é para homenagear mais uma vez o Fernando Pessoa na pessoa do Álvaro de Campos que o Poema Falado traz o POEMA EM LINHA RETA: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. // E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, / Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, / Indesculpavelmente sujo, / Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, / Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, / Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, / Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, / Que tenho sofrido enxovalhos e calado, / Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; / Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, / Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, / Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, / Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado / Para fora da possibilidade do soco; / Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. // Toda a gente que eu conheço e que fala comigo / Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... // Quem me dera ouvir de alguém a voz humana / Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; / Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! / Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. / Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? / Ó príncipes, meus irmãos, // Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? // Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? // Poderão as mulheres não os terem amado, / Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! / E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, / Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? / Eu, que venho sido vil, literalmente vil, / Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”. Boa áudio-leitura!
Imagem: Estrada Alentejana, por Jaime Carita.
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