segunda-feira, 24 de maio de 2010

A quem interessa o silêncio?

Qual a razão para se condenar ao ostracismo os massacres orquestrados pelo aparato bélico-militar estatal durante ditadura militar brasileira? O que de fato escondem os arquivos do regime militar? Por que não esclarecer a história referente à Guerrilha do Araguaia e tantos outros episódios ainda mal esclarecidos? Por que insistir no obscurantismo e na mentira? A quem interessa o silêncio? São tantas perguntas e poucas as respostas verdadeiramente convincentes.

Por conta disso o Brasil foi parar no banco dos réus na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que abrirá nesta quinta-feira (20/05) uma audiência contra o Brasil para julgar os crimes cometidos pelas forças de segurança durante a ditadura militar (1964-1985), cujos autores foram beneficiados após a polêmica Lei de Anistia ditada pelos generais.

Em uma audiência pública de dois dias, com representantes das vítimas e do governo brasileiro, a Corte julgará o caso Gomes Lund, mais conhecido como a Guerrilha do Araguaia, ocorrido entre 1972 e 1975, dentro da operação das Forças Armadas para destruir um movimento de resistência à ditadura no Estado do Pará.

O objetivo é julgar se o Estado brasileiro é responsável pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de pelo menos 70 integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de moradores na repressão militar à Guerrilha do Araguaia, além da execução extrajudicial de Maria Lucia Petit da Silva (cujos restos mortais foram localizados).

O Brasil se nega desde o retorno à democracia, em 1985, a abrir uma investigação para esclarecer os fatos e determinar responsabilidades, amparando-se na Lei de Anistia promulgada em 1979 pelo regime militar, segundo as organizações de defesa dos direitos humanos.

Segundo o secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Santiago Canton, “a manutenção da Lei de Anistia vai contra o que acreditamos ser a direção legal que o continente deve tomar. Mas o governo brasileiro não cumpriu e por isso é que caberá agora à corte dar sua decisão”.

Fim da impunidade

Há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal descartou, por 7 votos a 2, a possibilidade de abrir uma investigação deste caso, alegando a vigência da Lei de Anistia. No dia seguinte, a cúpula da OEA atacou a decisão e pediu o fim da impunidade no País.

“A justiça brasileira parece ser presa da ‘síndrome de Estocolmo’, a recente decisão do Supremo Tribunal apoia quem no passado violou os direitos humanos e hoje aspira manter-se na impunidade”, afirmou Viviana Krsticevic, diretora executiva do Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL). Síndrome de Estocolmo diz respeito ao processo psicológico que leva as vítimas de sequestros a simpatizar com seus captores ou se identificar com sua causa.

O CEJIL é uma organização internacional de defesa dos direitos humanos, que representa os familiares das vítimas neste processo ante a Corte Interamericana, com sede em San José. Segundo a entidade, resoluções da ONU e a jurisprudência de tribunais internacionais são claras quando afirmam que as leis de anistia não podem ser alegadas como razão para não investigar o paradeiro dos desaparecidos. Também não podem ser evocadas para negar a identificação e a punição dos autores de casos graves de violações dos direitos humanos, recordou o CEJIL.

Krsticevic disse que o ministro da Defesa brasileiro, Nélson Jobim, sugeriu publicamente a possibilidade de que o Brasil não acate uma eventual condenacão da Corte Interamericana sobre este caso. “Queremos enfatizar a obrigação do Brasil de respeitar as sentenças da Corte Interamericana”, afirmou a ativista, assinalando que uma reação desse tipo seria uma “mancha enorme” na imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que foi preso durante a ditadura.

Negativo para o Brasil

O ministro Paulo Vannuchi, da secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, reconhece que há possibilidade de uma sentença negativa para o Brasil na OEA. “Eu temo pelo pior”, disse Vannuchi essa semana. “É claro que quando uma solução amistosa não segue adiante é ruim. A imagem do Brasil de um país muito sensível aos direitos humanos então sofre danos”.

Para Vannuchi, mesmo com uma decisão negativa na Corte da OEA, o trabalho da secretaria segue adiante. “É uma demonstração cabal de que o Brasil está sensível e trabalhando o tema”, disse o ministro, que também comentou a participação do presidente Lula na assinatura de um acordo sobre o programa nuclear iraniano. “O Brasil vive momento novo na história. Pode ter conseguido uma coisa inédita, uma intermediação em uma questão gravíssima para a paz. Tradicionalmente isso foi tarefa dos EUA, da Inglaterra, da França, e agora o Brasil aparece como parceiro intermediador”, disse.

“Nesse salto que o Brasil está dando, o ideal é que não haja nenhuma decisão do sistema OEA contra o País. Mas não tenho dúvida de que, mesmo que haja uma decisão negativa, haverá referências reconhecendo os avanços. O que pode prevalecer nos membros da Corte é a visão de que, embora esteja avançando, os avanços são insuficientes”, completou.

Essa é a primeira vez que os casos envolvendo crimes durante a ditadura chegam à corte. A ação poderá condenar internacionalmente o Brasil a não mais usar a Lei de Anistia como argumento para isentar de punição os acusados de crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. No Chile e Peru, os governos foram obrigados a abandonar suas leis de anistia diante da condenação emitida pela corte na Costa Rica.

Audiência
Na audiência, a Corte ouvirá os testemunhos de parentes das vítimas, assim como as alegações dos organismos de direitos humanos e dos representantes do Estado brasileiro. Posteriormente, será aberto um período para a incorporação de alegações por escrito ao processo, até 21 de junho, depois do que a Corte emitirá uma sentença num prazo não estabelecido. Se for mantida a praxe, a decisão da OEA deverá ser anunciada em até 6 meses (Fontes: Último Segundo, Ig, Agência Estado e AFP).
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Imagem: Love remains, por Augusto Peixoto.

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