Após ter visto um certo show em cartaz em um certo bar-restaurante-pizzaria do Rio Vermelho, reduto boêmio de Salvador, decidi escrever sobre o que considero uma ode à intolerância disfarçada de humor chulo e grotesco. Mas resolvi não fazê-lo. Não quero que este espaço seja veículo da estupidez insossa de quem acredita que todo gay pensa apenas em sair pelo mundo a fora só para dar o cu, que os parisienses são frescos, os bascos terroristas, os freqüentadores dos bailes funks cariocas bandidos, os portugueses, nossos colonizadores, um bando de depravados corruptos que arruinaram o Brasil desde os tempos em que “Caramuru comeu o cu da Paraguassú”, os baianos um povo indolente e atrasado, und so weiter. Não! Não quero discorrer sobre a estupidez dos insensatos! Tal qual o José Régio, português do mais alto valor, eu também “amo o Longe e a Miragem, amo os abismos, as torrentes e os desertos...” Por essa razão, prefiro percorrer outras paragens.
No último dia 17/09 foi encerrada no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), o Goethe-Institut de Salvador, a exposição “Canudos: a guerra de Os sertões”, do artista plástico baiano Trípoli Gaudenzi. A mostra, que já esteve em São Paulo, Paris, Havana, Colônia e Berlim, integrou a programação oficial da 36ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, cujo tema central deste ano foi o centenário da morte do Euclides da Cunha.
O episódio de Canudos foi e é um dos maiores massacres da história do Brasil. Mas nas mãos de um Artista de fato, isto é, um Artista de verdade, como é o caso do Trípoli Gaudenzi, o grotesco vira arte questionadora, ou seja, uma arte que faz refletir, que denuncia e educa, contribuindo, desta maneira, para o engrandecimento da cultura de todos nós. Por meio de uma beleza épica ímpar, Trípoli Gaudenzi narra a saga e o drama do povo liderado pelo Antônio Conselheiro, vítima da intolerância e da violência da sociedade brasileira, que, em 1897, colocou todo seu aparato bélico-militar a serviço do extermínio do que se julgava ser atraso, incivilidade, vergonha, indolência e inadmissível insubordinação. Tanto horror e iniqüidade nos saltam aos olhos com uma ferocidade por vezes inquietante, por vezes piedosamente cortante. Há momentos que é possível ouvir as dores e úlceras daquela gente a arder em meio ao fogo do inferno de Dante. Produzidas em acrílico, guache, bico-de-pena, óleo, pastel e técnicas mistas, as telas da mostra “Canudos: a guerra de Os sertões” são a mais pura expressão de um barroco tipicamente pós-moderno.
E já que se falou na Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o grande vencedor da mostra (por unanimidade) foi o filme paraguaio Karai Norte, do diretor Marcelo Martinesse. O curta, patrocinado pela Petrobrás, além de ser laureado com o prêmio Glauber Rocha de melhor filme da 36ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, ganhou mais cinco troféus: melhor ficção, melhor atriz (Lídia de Cueva), melhor direção, melhor roteiro (adaptado de um conto do escritor paraguaio Carlos Villagra Marsal) e melhor som. Falado em guarani, Karai Norte narra a história de uma velha índia que vive num casebre miserável perdido em meio às veredas do grande sertão paraguaio. Enquanto prepara seu “de comer”, ela recebe a visita de um desconhecido rude e mal encarado. Ele pede comida. Ela, a princípio nega, mas após ameaçadora insistência, a velha senhora oferece o pouco alimento que tinha, afinal, ela nada poderia fazer caso ele resolvesse partir para a ignorância. Refestelado, o forasteiro pergunta como pode retribuir aquele carinho. Diz a ela para pedir-lhe o que quiser que ele tratará de conseguir. A velha índia responde que seu desejo era reaver seu machado, lampião e suas poucas roupas que lhes foram roubadas por uns homens vindos do norte. O desfecho é rude, tão rude como o sertão que os circunda. Como bem lembrou Malu Fontes, uma das juradas da Jornada, ao entregar o prêmio ao representante da produção paraguaia, o filme de Martinesse é uma bela homenagem à estética do cinema novo, embora não fosse essa a intenção do diretor. Prêmio mais que merecido. Meu amigo Renato Nascimento certamente aplaudiria de pé. Só mesmo a Jornada Internacional de Cinema da Bahia para nos colocar em contato com o que há de melhor na produção cinematográfica latino-americana. Como se pode perceber, a Bahia é muito mais do que reles estereótipos. Somente os insensatos não são capazes de perceber tamanha grandeza, pois a estupidez não os deixa ver (por Sílvio Benevides).
No último dia 17/09 foi encerrada no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), o Goethe-Institut de Salvador, a exposição “Canudos: a guerra de Os sertões”, do artista plástico baiano Trípoli Gaudenzi. A mostra, que já esteve em São Paulo, Paris, Havana, Colônia e Berlim, integrou a programação oficial da 36ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, cujo tema central deste ano foi o centenário da morte do Euclides da Cunha.
O episódio de Canudos foi e é um dos maiores massacres da história do Brasil. Mas nas mãos de um Artista de fato, isto é, um Artista de verdade, como é o caso do Trípoli Gaudenzi, o grotesco vira arte questionadora, ou seja, uma arte que faz refletir, que denuncia e educa, contribuindo, desta maneira, para o engrandecimento da cultura de todos nós. Por meio de uma beleza épica ímpar, Trípoli Gaudenzi narra a saga e o drama do povo liderado pelo Antônio Conselheiro, vítima da intolerância e da violência da sociedade brasileira, que, em 1897, colocou todo seu aparato bélico-militar a serviço do extermínio do que se julgava ser atraso, incivilidade, vergonha, indolência e inadmissível insubordinação. Tanto horror e iniqüidade nos saltam aos olhos com uma ferocidade por vezes inquietante, por vezes piedosamente cortante. Há momentos que é possível ouvir as dores e úlceras daquela gente a arder em meio ao fogo do inferno de Dante. Produzidas em acrílico, guache, bico-de-pena, óleo, pastel e técnicas mistas, as telas da mostra “Canudos: a guerra de Os sertões” são a mais pura expressão de um barroco tipicamente pós-moderno.
E já que se falou na Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o grande vencedor da mostra (por unanimidade) foi o filme paraguaio Karai Norte, do diretor Marcelo Martinesse. O curta, patrocinado pela Petrobrás, além de ser laureado com o prêmio Glauber Rocha de melhor filme da 36ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, ganhou mais cinco troféus: melhor ficção, melhor atriz (Lídia de Cueva), melhor direção, melhor roteiro (adaptado de um conto do escritor paraguaio Carlos Villagra Marsal) e melhor som. Falado em guarani, Karai Norte narra a história de uma velha índia que vive num casebre miserável perdido em meio às veredas do grande sertão paraguaio. Enquanto prepara seu “de comer”, ela recebe a visita de um desconhecido rude e mal encarado. Ele pede comida. Ela, a princípio nega, mas após ameaçadora insistência, a velha senhora oferece o pouco alimento que tinha, afinal, ela nada poderia fazer caso ele resolvesse partir para a ignorância. Refestelado, o forasteiro pergunta como pode retribuir aquele carinho. Diz a ela para pedir-lhe o que quiser que ele tratará de conseguir. A velha índia responde que seu desejo era reaver seu machado, lampião e suas poucas roupas que lhes foram roubadas por uns homens vindos do norte. O desfecho é rude, tão rude como o sertão que os circunda. Como bem lembrou Malu Fontes, uma das juradas da Jornada, ao entregar o prêmio ao representante da produção paraguaia, o filme de Martinesse é uma bela homenagem à estética do cinema novo, embora não fosse essa a intenção do diretor. Prêmio mais que merecido. Meu amigo Renato Nascimento certamente aplaudiria de pé. Só mesmo a Jornada Internacional de Cinema da Bahia para nos colocar em contato com o que há de melhor na produção cinematográfica latino-americana. Como se pode perceber, a Bahia é muito mais do que reles estereótipos. Somente os insensatos não são capazes de perceber tamanha grandeza, pois a estupidez não os deixa ver (por Sílvio Benevides).
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Imagem: Canudos: a guerra de Os Sertões, Trípoli Gaudenzi; Foto: Sílvio Benevides.
Um comentário:
Querido Silvio!
Que bom que você não perdeu seu tempo realmente com essa “estupidez insossa” de quem acredita que só gay tem CÚ. HORRIVEL!!! E muito bom você não divulgar o nome desse preconceituoso show aqui.
Algo que pretende fazer humor usando de preconceito não deveria ser permitido e muito menos divulgado. Uma pena não ser possível exigir o dinheiro de volta(R$20,00 reais perdidos!).
E se alguém pretende ir e não deseja gastar seu tempo e dinheiro com algo que não acrescenta em nada é melhor pensar antes de ir e deixar para gastar seu dinheiro com uma bela pizza e um bom papo com amigos.
Sivio, mais uma vez parabéns por seu lindo blog e obrigada por nos permitir ficar bem informados e nos alertar por essas “estupidez insossas”.
Bjs.
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