Na última semana recebi de um amigo uma mensagem eletrônica divulgando o documentário Erased, wipe off the map (vide trecho abaixo) sobre a ofensiva bélica de Israel contra Gaza iniciada em dezembro passado e terminada (?) em janeiro deste ano. Não quero saber quem tem razão ou quem não tem nessa história torpe (guerras são sempre torpes). O fato é que após a retirada das tropas israelenses da Faixa de Gaza o saldo final (?) do conflito, de acordo com dados do Ministério da Saúde local e da ONU, é de mais de 1.300 pessoas assassinadas em 22 dias de ataques. Destas, ao menos 300 eram crianças. Os feridos ultrapassam a marca de 5.500. A infra-estrutura da região que já era precária piorou ainda mais. Com isso, o risco de epidemias é uma possibilidade bastante provável. Sem falar nas escolas, hospitais, postos de saúde e tantos outros serviços básicos que viraram escombros por conta dos bombardeios. Segundo informações do Le monde Diplomatique Brasil (n.19 – Fev. 2009) “dois terços das vítimas da ofensiva israelense não eram combatentes [do Hamas] e um terço tinha menos de 18 anos”. Navegando pela rede encontrei dois textos que quero compartilhar com os leitores daqui. O primeiro é de autoria do José Saramago. O segundo, do jornalista Gustavo Chacra. A proposta em trazer os textos mencionados assim como o trecho do documentário para esse espaço é estimular a reflexão sobre esse tema, do qual não podemos nos furtar. Afinal, enquanto os homens exercem seus podres poderes, o mundo segue em descontrole. E é justamente esse descontrole que gera todo tipo de violação de direitos, intolerância, devastação, horror e desrespeito que a todos ameaça, não importando o quão distantes dos conflitos nós estejamos (por Sílvio Benevides).
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GAZA
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A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registradas como refugiados. Nem pão tem já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente atualizado (por José Saramago).
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SUL DO LÍBANO TEVE DESTRUIÇÃO MAIOR, MAS FAIXA DE GAZA É MAIS TRISTE
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Visitei o sul do Líbano depois da guerra envolvendo Hezbollah e Israel, em 2006, e a Faixa de Gaza, após o conflito dos israelenses contra o Hamas. O território libanês sofreu maior destruição, mas o cenário na área palestina é mais triste. Os moradores das regiões controladas pelo Hezbollah puderam fugir para Beirute, Sidon e mesmo para a Síria. Foram acolhidos. A ajuda humanitária já estava no Líbano, podia entrar através da fronteira com o território sírio ou mesmo pelo mar. Muitos civis morreram, é verdade. Mas a população pôde viver por um bom tempo longe dos destroços e dos corpos não recolhidos, além de ter o apoio imediato do Qatar, do governo libanês e do próprio Hezbollah para reconstruir as suas cidades. Não sofriam com o bloqueio. Eram pessoas que tinham para onde ir.
Gaza é bem maior do que as vilas libanesas, como Bint Jbeil, onde não vi uma construção sequer de pé. Apesar da enorme devastação no território palestino, há áreas que não sofreram tanto com os bombardeios. Mas os moradores estiveram o tempo todo debaixo das bombas, no meio do tiroteio, sem ter para onde fugir e tampouco em condições de receber ajuda. Se em Qana havia dezenas de jornalistas e fotógrafos para registrar o ataque que matou cerca de 30 libaneses, nenhum olhar pôde relatar para o mundo como foi o ataque israelense que matou dezenas de uma mesma família em Zeitoun. Chegamos uma semana atrasados. Vimos as galinhas mortas, mas não os corpos de palestinos que morreram por não ter como deixar a prisão controlada pelo Hamas onde vivem.
GAZA
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A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registradas como refugiados. Nem pão tem já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente atualizado (por José Saramago).
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SUL DO LÍBANO TEVE DESTRUIÇÃO MAIOR, MAS FAIXA DE GAZA É MAIS TRISTE
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Visitei o sul do Líbano depois da guerra envolvendo Hezbollah e Israel, em 2006, e a Faixa de Gaza, após o conflito dos israelenses contra o Hamas. O território libanês sofreu maior destruição, mas o cenário na área palestina é mais triste. Os moradores das regiões controladas pelo Hezbollah puderam fugir para Beirute, Sidon e mesmo para a Síria. Foram acolhidos. A ajuda humanitária já estava no Líbano, podia entrar através da fronteira com o território sírio ou mesmo pelo mar. Muitos civis morreram, é verdade. Mas a população pôde viver por um bom tempo longe dos destroços e dos corpos não recolhidos, além de ter o apoio imediato do Qatar, do governo libanês e do próprio Hezbollah para reconstruir as suas cidades. Não sofriam com o bloqueio. Eram pessoas que tinham para onde ir.
Gaza é bem maior do que as vilas libanesas, como Bint Jbeil, onde não vi uma construção sequer de pé. Apesar da enorme devastação no território palestino, há áreas que não sofreram tanto com os bombardeios. Mas os moradores estiveram o tempo todo debaixo das bombas, no meio do tiroteio, sem ter para onde fugir e tampouco em condições de receber ajuda. Se em Qana havia dezenas de jornalistas e fotógrafos para registrar o ataque que matou cerca de 30 libaneses, nenhum olhar pôde relatar para o mundo como foi o ataque israelense que matou dezenas de uma mesma família em Zeitoun. Chegamos uma semana atrasados. Vimos as galinhas mortas, mas não os corpos de palestinos que morreram por não ter como deixar a prisão controlada pelo Hamas onde vivem.
Lembro que, no sul do Líbano, Israel tampouco abriu a sua fronteira. E ninguém pediu. Primeiro porque os israelenses não têm qualquer obrigação no sul do Líbano, que é parte de um país independente. Com Gaza, Israel tem, pois impede o uso do mar e do espaço aéreo – sei que é por questões de segurança, mas isso não elimina a responsabilidade israelense. Em segundo lugar, porque a Síria, ao contrário do Egito, abriu as suas portas. Assim como fez com os refugiados iraquianos, recebidos com todo o apoio do regime de Bashar Al Assad. Hosni Mubarak lacrou Rafah (por Gustavo Chacra).
*RISCADA DO MAPA
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O documentário – Em dezembro de 2008 o movimento Free Gaza saiu de Chipre em direção à Palestina. Nosso objetivo era romper o bloqueio israelense na Faixa de Gaza. Fomos os últimos estrangeiros que conseguiram entrar e ficar em Gaza. Nos vimos diante de algo que ninguém esperava encontrar (Fonte: Vimeo)
TÍTULO: ERASED, WIPE OFF THE MAP
DIREÇÃO: ALBERTO ARCE - MIGUEL LLORENS
MONTAGEM: OLAF GONZÁLEZ
PRODUÇÃO EXECUTIVA: CHRISTIAN SEBASTIÁN - JOSÉ CARLOS DÍAZ.
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O documentário – Em dezembro de 2008 o movimento Free Gaza saiu de Chipre em direção à Palestina. Nosso objetivo era romper o bloqueio israelense na Faixa de Gaza. Fomos os últimos estrangeiros que conseguiram entrar e ficar em Gaza. Nos vimos diante de algo que ninguém esperava encontrar (Fonte: Vimeo)
TÍTULO: ERASED, WIPE OFF THE MAP
DIREÇÃO: ALBERTO ARCE - MIGUEL LLORENS
MONTAGEM: OLAF GONZÁLEZ
PRODUÇÃO EXECUTIVA: CHRISTIAN SEBASTIÁN - JOSÉ CARLOS DÍAZ.
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Erased-Wiped off the map from C.I. COMUNICACIÓN on Vimeo.
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Imagem retirada da internet - autoria não encontrada.
2 comentários:
Oi professor, sou da Jorge Amado, 3º semestre de jornalismo.
As vezes para entrar no cotidiano sofrido de um morador de área de conflito, é preciso mais que jornais para se informar: as frias letras técnicas dos jornalistas não podem descrever o que nem os vídeos conseguem por completo transmitir: imagens que emocionam, instigam e revoltam. Pessoas fazem parte de estatísticas, e números representam pouco da humanidade que elas merecem. Governos devem ter mais respeito com seres humanos, sejam eles nativos ou estrangeiros, e tão grave quanto as mentiras são as omissões, a exemplo de Israel que não abriu as fronteiras para refugiados e tãopouco o país destes refugiados pediu autorização. Todos ficam sem proteção, proteção esta que deveria vir de quem a pode oferecer, e enquanto essa realidade persistir, haverá guerra.
Pois é, Lucas,concordo com você quando se refere às "frias letras técnicas dos jornalistas". Muitas vezes elas costumam ser bastante frias porque muitos proffisionais estão mais preocupados com a técnica do que com a ética. Claro que nem todos agem assim; é sinal de que nem tudo está perdido. Pensar na Faixa de Gaza e no seu povo é pensar na defesa dos direitos humanos, de um moral e de uma ética que tratem o ser humano como humano e não como mera estatístico ou mero consumidor. Gostei de tê-lo por aqui. Volte sempre e se quiser contribuir, esteja a vontade.
Um abraço,
Sílvio.
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