domingo, 19 de janeiro de 2014

Uma notícia está chegando lá do Maranhão

O texto abaixo foi escrito pelo excelente Zeca Baleiro e publicado pelo jornal Folha de São Paulo. Trata-se de uma análise sobre a situação de barbárie denunciada pela OAB, pela ONU e pela OEA na qual se encontra o Maranhão, reduto político dos Sarney. A análise do Zeca Baleiro não nos revela nenhuma novidade. Ainda assim, soa como um tapa na cara, especialmente na cara cínica daqueles e daquelas (para que não me acusem de preconceito de gênero) que governam esse feudo chamado Maranhão.

Em 1965, um ano após o golpe militar, o então deputado federal José Sarney deixou o Congresso Nacional para governar o Estado do Maranhão. Em seu discurso de despedida da Câmara Federal ele afirmou com a eloquência digna de um imortal: “Os caminhos da violência no Maranhão, nestes últimos anos, foram de inacreditável ferocidade e não haverá nenhuma demasia verbal ao dizermos que aquele estado era um campo de concentração da democracia brasileira” (Fonte: Congresso Nacional – Seção I – 10734 – Sexta-Feira, 10/12/1965). O que teria mudado de lá para cá? Qual a contribuição dos Sarney para o avanço da democracia no Maranhão e o bem-estar dos maranhenses? Muitas dúvidas (ou seriam dívidas?) pairam no ar.

Mas não nos iludamos, o Maranhão é o Brasil e para o Brasil se tornar de verdade um país repleto de dignidade será preciso expurgar todo e qualquer tipo de câncer político, seja no Maranhão, na Bahia, no Acre, em São Paulo ou em qualquer outro rincão desse enorme país. Em outros tempos se disse: “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Hoje, porém, urge dizer: ou o Brasil acaba com os Sarney (e tudo que eles representam), ou os Sarney certamente acabarão com o Brasil. Leiam e reflitam, afinal, novas eleições se aproximam (por Silvio Benevides).
 
Se o crime organizado dá as cartas e oprime o povo com ameaças dignas de terroristas, é porque há uma natural permissãoLeio com assombro as notícias que chegam do Maranhão. Imagens e relatos dolorosos e repugnantes despejados em tempo real em sites, jornais e telejornais, escancarando a nossa vergonha e impotência diante de barbaridades que já extrapolam nossas fronteiras e repercutem mundo afora. Como todos, estou pasmo. Mas nem tanto. Nasci no Maranhão e sei que a barbárie (a todos agora revelada de um modo talvez sem precedentes) já impera há anos na prática de seus governantes vitalícios, que agem como os velhos donos das capitanias hereditárias do passado.

Se o crime organizado neste momento dá as cartas e oprime o povo com ameaças e ações dignas dos mais perigosos terroristas, é porque há uma natural permissão --a impunidade crônica dos oligarcas senhores feudais, que comandam (?) o Estado com mãos de ferro há 47 anos (a minha idade exatamente) e que, ao longo desse tempo, vem cometendo atrocidades sem castigo, com igual maldade, típica dos grandes tiranos e ditadores. Esses donos do poder maranhense (e nunca dantes a palavra “dono” foi empregada com tanta adequação como aqui e agora) são exemplo e espelho para que criminosos ajam sem nenhum medo da punição.

Pois a miséria extrema que assola o Estado há décadas, o analfabetismo estimulado pela sanha dos coiotes ávidos de votos, a cultura antiga de currais eleitorais, a corrupção mais descarada do mundo e o atentado ao patrimônio histórico de sua bela e triste capital são crimes tão hediondos quanto os cometidos no complexo penitenciário de Pedrinhas. A diferença crucial é que, enquanto os bandidos que agora aterrorizam (e matam) a população aos olhos assustados da nação estão em presídios infectos e superlotados, os criminosos de colarinho branco (e terninho bege) habitam palácios.

No meio do caos, soa tão patética quanto simbólica a notícia veiculada dias atrás neste jornal [Folha de São Paulo] sobre abertura de licitação para o abastecimento das residências oficiais da governadora. A lista de compras é de um rigor e de uma opulência espantosos. Parece coisa da monarquia francesa nos dias que antecederam sua queda. No presídio de Pedrinhas, cabeças são cortadas. Resta saber se, para além dos muros da prisão, alguém um dia irá para a guilhotina (por Zeca Baleiro, cantor e compositor, para a Folha de São Paulo).

Imagens: Latuff (charge) e Marlene Bergamo/Folhapress.

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