A Independência do Brasil ocorreu no dia 7 de setembro de 1822, segundo afirmam os historiadores mal informados e formados que continuam a acreditar e a alardear que a história desse país se resume tão somente aos fatos passados no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Sem querer desmerecer o brado retumbante do Imperador D. Pedro I, não se proclama uma independência na base do grito. Mesmo no caso brasileiro, cujo processo independência foi protagonizado pelo filho do rei de Portugal, houve derramamento de sangue. E isso ocorreu não apenas nas campinas de Pirajá, mas, também, nas terras do Recôncavo Baiano, mais precisamente na Cidade Heróica de Cachoeira. Conforme escreveu o professor cachoeirano Jadson Luiz dos Santos (Cachoeira: três séculos de história e tradição. Salvador: Contraste Editora Gráfica, 2001), a história de Cachoeira está diretamente ligada ao episódio da independência do Brasil, pois dela partiu o primeiro grito por liberdade. Segundo ele, “o descontentamento causado na população baiana face a posse do Brigadeiro Ignácio Luiz Madeira de Melo como Governador das Armas da Bahia foi, sem dúvida, uma das razões que apressou o movimento contra o domínio português”.
De acordo com o historiador canadense Hendrik Kraay: “A sangrenta Guerra da Independência na Bahia iniciou-se em fevereiro de 1822, quando Portugal nomeou o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo (1775-1835) para o comando das tropas baianas no lugar de um oficial baiano. A substituição desencadeou a revolta da população, da Câmara e de muitos dos militares baianos, que foram derrotados durante três dias de lutas (de 19 a 21 de fevereiro) e obrigados a fugir. Aos poucos, a partir da articulação dos grandes senhores de engenho do Recôncavo, constituiu-se o Exército Pacificador, composto de soldados e milicianos que haviam deixado Salvador após a derrota, milicianos locais e batalhões provisórios organizados por baianos patriotas, que lutavam contra os portugueses, a favor da Independência” (In: Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 48, setembro de 2009).
Nesse período a soldadesca portuguesa, além de atacar residências particulares, invadiram o Convento da Lapa, em Salvador, matando a abadessa Joana Angélica de Jesus, que, temendo a profanação da castidade das demais freiras, colocou-se diante da porta de entrada do convento como último empecilho aos invasores. Segundo consta, a abadessa teria dito: “Para trás, bandidos. Respeitem a Casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta Casa passando por sobre o meu cadáver”. E assim foi feito. A destemida freira foi assassinada com golpes de baioneta. Já o capelão, Padre Daniel da Silva Lisboa, foi gravemente ferido.
Diz o professor Jadson Luiz (op.cit.): “sendo as garantias e a tranqüilidade perdidas, parte da população deixa a cidade de Salvador e segue para as vilas do Recôncavo, principalmente as vilas de Santo Amaro e de Cachoeira, sendo seguida por alguns oficiais e soldados brasileiros. Ao tomar conhecimento de que em Cachoeira havia um movimento revolucionário, mandou uma canhoneira de guerra subir o Rio Paraguaçu e ancorar em frente a vila a fim de vigiá-la”. Reunidos em Cachoeira, segue o professor, “conseguiram os patriotas cachoeiranos sensibilizar a simpatia de homens de armas que arregimentaram algumas forças, tendo à frente o comandante de Cavalaria José Garcia Pacheco de Moura Pimentel e Aragão, a mais alta patente”.
Devido às circunstâncias de acentuada hostilidade e constantes escaramuças, o Sr. Francisco Gê de Acaíba Montezuma, por meio de uma carta de sua autoria lida na casa do major José Joaquim d’Almeida e Arnizán, conclamou a Câmara a proclamar com urgência o príncipe D. Pedro como Regente do Brasil antes que os portugueses fizessem, o que acabou antecipando o movimento. Assim, segundo o professor Jadson Luiz (op.cit.), as tropas que se encontravam em Belém e no Iguape seguiram para Cachoeira e, deste modo, “ao amanhecer do dia 25 de junho de 1822, as tropas chegadas de Belém ficaram concentradas na Praça da Regeneração. Nessa ocasião, Antônio Pereira Rebouças falou ao povo, convidando a todos a assistir à sessão da Câmara, que aclamaria Dom Pedro. Ao mesmo tempo que chegava o Cel. Rodrigo Antônio Falcão Brandão, mais tarde Barão de Belém, comandando uma centena de bravos do Iguape e de outras localidades, dirigindo-se, também, para a Praça da Regeneração (atual Praça da Aclamação) vindos pelas ruas dos currais velhos...As tropas e o povo ocuparam a praça, a Rua da Matriz e adjacências”.
A reação das forças enviadas a Cachoeira por Madeira de Melo para vigiar a vila foi imediata. O Navio de Guerra Português atracado no Paraguaçu atacou a vila. De acordo com o professor Jadson Luiz (op.cit.) “os primeiros tiros da Canhoneira Portuguesa atingiram o sobrado de número 2 da Rua da Matriz e o Cais dos Arcos, saindo feridos três soldados, morrendo naquela ocasião o Tambor Soledade, perpetuado na tela de Antônio Parreiras...Os cachoeiranos contra atacaram e a luta começou”...e...“continuaram até a tarde do dia 28 de junho de 1822, quando o comandante português mandou um ofício às autoridades cachoeiranas no qual ameaçava arrasar a vila se continuasse a resistência. Reorganizada a defesa, o fogo intensificou-se e, à meia-noite desse mesmo dia, a conhoneira hasteava a bandeira branca...A vitória foi assinalada e festejada na mesma noite com todos as casas iluminadas e as ruas invadidas pelo povo dominado pelo entusiasmo. Após o 25 de junho de 1822 outras vilas do Recôncavo aderiram ao movimento, aclamando o Príncipe Regente”. Nesta data as lutas pela independência do Brasil tiveram início cujo ápice é o 2 de julho de 1823, quando ocorreu a Batalha do Pirajá em Salvador, e não o 7 de setembro, um mero gesto simbólico que representa, na melhor das hipóteses, tão somente a adesão de Dom Pedro ao movimento que exigia a independência administrativa, política e econômica do Brasil (por Silvio Benevides).
Imagem: O Primeiro passo para a Independência (1931), tela de Antônio Parreiras.
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