segunda-feira, 11 de julho de 2011

A tapera da LUA

Para viver um grande amor é preciso aprender a sonhar. Sonhar com o impossível, sonhar com o firmamento, as estrelas, o luar fulgurante derramando doçura por todos os poros latejantes da terra mater. Ela viveu um grande amor, amor tão grande que não cabendo em si de tanto desejo e ardor ultrapassou as fronteiras do pudor e agora ilumina os mais belos sonhos dos amantes em botão e dos já desabrochados. Foi assim.

No tempo em que as amazonas andavam ainda pelas margens do seu grande rio havia uma tribo de índios cuja aldeia ficava junto de uma lagoa tranqüila, nas fraldas da serra chamada então Taperê e hoje do Acunã.

Uma guerra infeliz reduziu a tribo a dois sobreviventes, irmão e irmã dos mais belos de sua raça, que ficaram sozinhos no alto da montanha. Então disse ao irmão a irmã:

– Ó meu querido irmão! Como és homem e forte ficarás aqui no alto do Taperê enquanto eu desço à nossa aldeia, às margens da lagoa. Armei tua rede nos castanheiros e deixei ao lado minhas lindas flechas. As flores das parasitas que crescem nos ramos suavizarão o teu sono com o seu aroma. Adeus!

– Adeus até quando?

– Até quando te acordarem os mais belos pássaros, cantando à luz da manhã.

E a índia desceu com o passo incerto, os olhos tristes de veada ferida, mostrando na estranha palidez um aperto no coração. Ao entardecer, seu corpo leve de adolescente balouçava na rede selvagem ataviada de penas multicores, que os raios do sol poente irisavam. E noitou-se a aldeia e já o otibó tinha saído do seu esconderijo , quando a moça, trêmula, arrastada por uma força estranha, procurou o caminho da serra, em demanda da rede armada nos castanheiros.

Ela sentiu amor! E foi no momento em que sozinha, em meio à natureza, ouviu a selva segredar ao vento, a estrela à cascata, à correnteza!

Ninguém conhecerá o segredo desse meu tormento! Suspirava ela. Amá-lo-ei na treva; serei de dia sua irmã!

Quando à rede chegou, a branda aragem do sassafraz batia pelas frestas; escuridão no céu, pálida arfagem, saltos nos matos das cutias lestas...E toca a rede...a rede se estremece... – Quem és. Sussurra um beijo e a voz falece.

Três vezes a índia apaixonada subiu a montanha e três vezes voltou à deserta aldeia escondendo na solidão e no negrume da noite o segredo do seu criminoso amor. Mas a última vez o moço gentio, querendo desvendar o mistério, usou de um estratagema: tingiu o rosto com as tintas do urucum e do jenipapo, que vicejavam ali, para marcar a face da cauta visitante, ao primeiro beijo.

E quando ao nascer do sol, já na sua aldeia, à margem da lagoa, a moça enamorada foi mirar-se no espelho das águas – horror! Viu no próprio rosto as manchas negras do seu crime. Então, salta sobre o arco, toma das setas de combate e desprende a primeira para o céu. Outra a seguiu e mais outra e – ó milagre dos gênios que habitam as montanhas azuis! Uma longa e aérea cadeia se formou como uma escada de flores convidando-a a subir aos paramos.

Ela subiu e transformou-se em Lua. Desde então, triste e solitária, errando pelo espaço, mira-se nas águas da lagoa, na corrente dos rios e nas vagas do mar, a ver se ainda tem as manchas do rosto (por Afonso Arinos, in: Lendas e tradições brasileiras. Fonte registrada por Luís da Câmara Cascudo, in: Antologia do folclore brasileiro).


Imagem: NASA

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