A história geográfica do desenvolvimento capitalista está em um ponto de inflexão no qual as configurações geográficas de poder estão rapidamente mudando ao mesmo tempo em que a dinâmica temporal está enfrentando sérias restrições. Três por cento de crescimento composto (geralmente considerada a taxa mínima aceitável para uma economia capitalista saudável) está se tornando cada vez menos possível de sustentar sem recorrer a toda sorte de ficções (como aquelas que caracterizaram os mercados de ações e negócios financeiros nas últimas duas décadas).
Há razões para crer que não existe alternativa para a nova ordem mundial de governança, que eventualmente terá que administrar a transição para uma economia com crescimento zero. Se isto precisa ser feito de maneira equitativa, então não há alternativas que não o socialismo ou o comunismo. Desde o fim dos anos 1990, o Fórum Social Mundial tornou-se o centro de articulação do tema “um outro mundo é possível”. E agora deve assumir a tarefa de definir como um outro socialismo ou comunismo são possíveis e como a transição para estas alternativas deve ser realizada. A atual crise oferece uma oportunidade de reflexão a respeito do que pode estar envolvido.
A crise atual foi originada nas medidas tomadas para resolver a crise dos anos 1970. Estas medidas incluem:
(a) o bem sucedido ataque ao trabalho organizado e suas instituições políticas enquanto mobilizavam o excedente da mão de obra global, instituindo mudanças tecnológicas para economizar mão de obra e aumentando a competição. O resultado foi a diminuição dos salários em nível global (uma parcela em declínio dos salários no total do produto interno bruto em quase toda parte) e a criação de uma reserva de trabalho descartável ainda mais vasta vivendo em condições marginalizadas.
(b) o enfraquecimento das estruturas prévias de monopólio de poder e a substituição do estágio anterior (Estado nação) de monopólio capitalista ao abrir o capitalismo para uma competição internacional muito mais feroz. A intensificação da competição global traduziu-se em lucros corporativos não-financeiros mais baixos. O desenvolvimento geográfico desigual e a competição interterritorial tornaram-se peças chave no desenvolvimento capitalista, abrindo caminho em direção a uma mudança hegemônica de poder particularmente, mas não exclusivamente, na Ásia.
(c) a utilização e o empoderamento das formas mais fluidas e altamente voláteis de capital – dinheiro – para realocar globalmente recursos de capital (eventualmente através dos mercados eletrônicos) incentivando assim a desindustrialização em regiões fundamentais tradicionalmente e novas formas de (ultra opressiva) industrialização e extração de recursos naturais e matéria prima agrícola em mercados emergentes. A proposta era melhorar o potencial lucrativo das corporações financeiras e encontrar novas maneiras de globalizar e supostamente absorver riscos através da criação de mercados de capital fictícios.
(d) No outro extremo da escala social, isso significou uma maior credibilidade do “acúmulo por espoliação”, como meio de aumentar o poder da classe capitalista. Os novos ciclos de acumulação primitiva contrários às populações indígenas e camponesas foram intensificados por perdas patrimoniais das classes mais baixas nas economias centrais (como testemunhado pelo mercado imobiliário sub-prime nos EUA que impingiu uma perda enorme de ativos particularmente por parte das populações de afroamericanos.
(d) O aumento da demanda efetiva, anteriormente flácida, ao pressionar a economia da dívida (governamental, empresarial e doméstica) até o seu limite (especialmente no EUA e no Reino Unido, mas também em muitos outros países da Letônia a Dubai).
(e) A compensação pelas anêmicas taxas de retorno da produção com a construção de toda uma série de bolhas no mercado de ativos, que tiveram um caráter Ponzi, culminando na bolha imobiliária que estourou em 2007-8. Essas bolhas de ativos apoiaram-se no capital financeiro e foram facilitadas por grandes inovações financeiras tais como os derivativos e as “obrigações de dívida colateralizada”, também conhecidas como “obrigações de dívida com garantia”
As forças políticas que se uniram na mobilização por trás dessas transições tinham um caráter de classe distinto e vestiram-se com as roupas de uma ideologia distinta chamada neoliberal. A ideologia repousava sobre a idéia de que os mercados livres, o livre comércio, a iniciativa pessoal e o empreendedorismo eram os melhores fiadores da liberdade individual e da liberdade como um todo e que o “Estado-babá” deve ser destruído para o benefício de todos. Mas a prática implicava na idéia de que o Estado estivesse por trás da integridade das instituições financeiras, introduzindo assim (começando pela crise da dívida mexicana e dos países em desenvolvimento de 1982) o “risco moral” de maneira acentuada no sistema financeiro. O Estado (local e nacional) também se tornou cada vez mais empenhado em proporcionar um “bom ambiente de negócios” para atrair investimentos em um ambiente altamente competitivo. Os interesses do povo eram secundários em relação aos interesses do capital e na eventualidade de um conflito entre eles, os interesses do povo teriam que ser sacrificados (prática que se tornou padrão nos programas de ajuste estrutural do FMI do início dos anos 1980 em diante). O sistema criado equivale a uma verdadeira forma de comunismo para a classe capitalista.
Estas condições variaram consideravelmente, como era de se esperar, dependendo de qual parte do mundo a pessoa morasse, das relações de classe lá predominantes, das tradições políticas e culturais e de como o equilíbrio de poder político-econômico estivesse se movendo.
Então, como poderá a esquerda negociar a dinâmica desta crise? Em tempos de crise, a irracionalidade do capitalismo torna-se clara para todos. Excedentes de capital e de trabalho existem lado a lado sem uma forma clara de uni-los em meio a um enorme sofrimento humano e necessidades não satisfeitas. Em pleno verão de 2009, um terço dos bens de capital nos Estados Unidos permaneceu inativo, enquanto cerca de 17 por cento da força de trabalho estava desempregada, trabalhando involuntariamente em regimes de meio período ou era formada por trabalhadores “desencorajados”. O que poderia ser mais absurdo que isso!
Seria o capitalismo capaz de sobreviver ao presente trauma? Sim. Mas a que custo? Esta pergunta encobre outra. Poderia a classe capitalista reproduzir seu poder face ao conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos e geopolíticos e dificuldades ambientais? Novamente, a resposta é um sonoro “sim” Mas a massa terá de entregar os frutos do seu trabalho para quem está no poder, ceder muitos dos seus direitos e ativos (de todos os tipos desde habitação à previdência) e sofrer degradações ambientais em abundância sem falar nas sérias reduções em seus padrões de vida, o que significa a fome para muitos daqueles que já lutam para sobreviver no fundo do poço. As desigualdades de classe aumentarão (como já vimos acontecer).
Estas questões podem exigir mais do simplesmente um pouco de repressão política, violência policial e controle militarizado do Estado para reprimir a desordem.
Uma vez que boa parte destes fenômenos é imprevisível e os espaços da economia global são tão variáveis, as incertezas quanto aos resultados são intensificadas em períodos de crise. Todos os tipos de possibilidades localizadas surgem para que os novos capitalistas em algum espaço novo aproveitem as oportunidades para desafiar os mais antigos e as hegemonias territoriais (como quando o Silicon Valley susbstituiu Detroit a partir dos anos 1970 nos Estados Unidos) ou para que os movimentos radicais desafiem a reprodução de um poder de classe já desestabilizado. Dizer que a classe capitalista e o capitalismo podem sobreviver não quer dizer que eles estão predestinados a isso nem que seu caráter futuro está determinado. As crises são momentos de paradoxo e possibilidades.
Então, o que vai acontecer desta vez? Se quisermos voltar para o crescimento de três por cento teremos encontrar novas e lucrativas oportunidades de investimento global para US$1,6 trilhão em 2010 subindo para perto de US$ 3 trilhões em 2030. Isto contrasta com o investimento de 0,15 trilhão de dólares necessários em novos investimentos em 1950 e 0,42 trilhão de dólares necessários em 1973 (os valores em dólar foram reajustados de acordo com a inflação). Problemas reais para se encontrar saídas adequadas para o capital excedente começaram a aparecer depois de 1980, mesmo com a abertura da China e o colapso do bloco soviético. As dificuldades foram, em parte, resolvidas pela criação de mercados fictícios onde a especulação dos valores dos ativos poderia decolar sem impedimentos. Para onde irá todo esse investimento agora?
Deixando de lado as restrições indiscutíveis nas relações com a natureza (o aquecimento global sendo de suma importância), as outras potenciais barreiras para a demanda efetiva no mercado, para as tecnologias e para a distribuição geográfica/geopolítica serão provavelmente profundas, mesmo supondo, o que é improvável, que nenhuma oposição ativa séria para o contínuo acúmulo de capital e posterior consolidação do poder de classe se materialize. Que espaços são deixados na economia global para novas correções espaciais para absorção do excedente de capital? A China e o antigo bloco soviético já foram integrados. Sul e Sudeste Asiático estão se abastecendo rapidamente. África ainda não está totalmente integrada, mas não há nenhum outro local com capacidade para absorver todo este capital excedente. Que novas linhas de produção podem ser abertas para absorver o crescimento?
Pode não haver soluções capitalistas eficazes a longo prazo (além da volta às manipulações fictícias de capital) para esta crise do capitalismo. Em algum ponto, as mudanças quantitativas levarão às mudanças qualitativas e precisamos levar a sério a idéia de que estejamos exatamente neste ponto de inflexão na história do capitalismo. O questionamento a respeito do futuro do próprio capitalismo como um sistema social adequado deve, portanto, estar na vanguarda do atual debate.
No entanto, parece haver pouco apetite para tal discussão, mesmo entre a esquerda. Em vez disso, continuamos a ouvir os mantras convencionais de sempre sobre o potencial de perfeição da humanidade com a ajuda dos mercados livres e do livre comércio, da propriedade privada e da responsabilidade pessoal, dos impostos baixos e do envolvimento minimalista do Estado na provisão social, ainda que tudo isso soe cada vez mais vazio. Uma crise de legitimidade se avizinha. Mas as crises de legitimação normalmente se desdobram em um ritmo diferente do ritmo dos mercados de ações. Passaram-se, por exemplo, três ou quatro anos antes que o crash da bolsa em 1929 produzisse o movimento social massivo (tanto o progressista quanto o fascista) depois de 1932. A intensidade da atual busca do poder político por meios para sair da atual crise pode ter algo a ver com o medo político de iminente ilegitimidade.
Os últimos trinta anos, no entanto, assistiram ao surgimento de sistemas de governança que parecem imunes a problemas de legitimidade e despreocupados, até mesmo com a criação de consentimento. A mistura de autoritarismo, corrupção monetária da democracia representativa, a vigilância, o policiamento e a militarização (particularmente através da guerra contra o terror), controle de mídia e produção sugere um mundo no qual o controle dos descontentes através da desinformação, fragmentação de oposições e da concepção de culturas de oposição através da promoção de ONGs tende a prevalecer com muita força coercitiva para apoiá-lo, se necessário.
A idéia de que a crise teve origem sistêmica é pouco debatida na mídia prevalente (mesmo que alguns economistas como Stiglitz, Krugman e até Jeffrey Sachs para tentar roubar a cena histórica da esquerda, confessem uma epifania ou outra). A maioria dos movimentos governamentais para conter a crise na América do Norte e Europa levou a perpetuação da situação de sempre que se traduz em apoio à classe capitalista. O “risco moral” que foi o estopim para os fracassos financeiros está ultrapassando novos limites nos resgates a bancos. As práticas atuais do neoliberalismo (ao contrário de sua teoria utópica) sempre implicaram claro apoio para o capital financeiro e para as elites capitalistas (geralmente com base na teoria de que as instituições financeiras devem ser protegidas a todo custo e que é dever do poder do Estado criar um clima agradável para os negócios, o que resultaria em um maior lucro). Fundamentalmente, nada mudou. Tais práticas são justificadas pelo apelo à proposição duvidosa de que uma “maré crescente” do empreendimento capitalista “levantaria todos os barcos”, ou seja, que os benefícios do crescimento composto traria, como em um passe de mágica, benefícios à toda população (o que nunca acontece, exceto sob a forma de alguns migalhas caídas das mesas dos mais abastados).
Então, como a classe capitalista sairá da atual crise e em quanto tempo? O recuo dos valores nos mercados acionários de Xangai, Tóquio, Frankfurt, Londres e Nova York é um bom sinal é o que nos dizem, mesmo que o desemprego por toda parte continue a aumentar. Mas notem o viés de classe dessa medida. Somos intimados a regozijar-nos com a recuperação dos valores das ações para os capitalistas, porque esta sempre precede, dizem, uma repercussão na economia “real”, onde os postos de trabalho são criados e os salários pagos. O fato de que a recuperação do último recuo das ações nos Estados Unidos após 2002 revelou-se uma “recuperação de desempregados” parece já ter sido esquecido. O público anglo-saxão, em particular, parece ser seriamente atingido por essa amnésia. Ele esquece e perdoa com grande facilidade as transgressões da classe capitalista e os desastres periódicos que suas ações precipitam. A mídia capitalista tem o prazer de promover essa amnésia.
China e Índia ainda estão crescendo, o primeiro aos trancos e barrancos. Mas no caso da China, o custo equivale a uma enorme expansão dos empréstimos bancários em projetos de risco (os bancos chineses não foram apanhados no frenesi especulativo global, mas agora estão dando continuidade a este movimento). O superacúmulo da capacidade produtiva, que promove investimentos em infraestrutura graduais e de longo prazo, cuja produtividade não será conhecida por vários anos está crescendo (inclusive nos mercados imobiliários urbanos). E a crescente demanda da China está envolvendo também essas economias fornecedoras de matérias-primas, como a Austrália e o Chile. A probabilidade de um choque subseqüente na China não pode ser descartada, mas pode levar algum tempo para sabermos (uma versão de longo prazo de Dubai). Enquanto isso, o epicentro mundial do capitalismo acelera seu deslocamento primordialmente para o leste da Ásia.
Nos centros financeiros mais antigos, os jovens tubarões financeiros pegaram seus bônus do ano anterior e, conjuntamente, abriram pequenas instituições financeiras para continuarem a circular em Wall Street e City of London (centro financeiro de Londres) peneirando os restos deixados pelos gigantes financeiros de outrora e recolhendo as partes suculentas para recomeçarem tudo novamente. Os bancos de investimento que permanecem nos EUA – Goldman Sachs e JPMorgan – embora reencarnados como holdings bancários ganharam isenção (graças ao Federal Reserve) de requisitos regulamentares e estão conseguindo lucros enormes (e deixando de lado enormes quantias para os seus próprios bônus) ao especularem perigosamente com o dinheiro de contribuintes em mercados derivativos ainda não regulamentados e em plena expansão. A alavancagem que nos levou à crise retornou como se nada tivesse acontecido. Inovações em matéria de finanças usadas como novas formas de empacotar e vender dívidas de capital fictício estão sendo reinventadas e oferecidas às instituições (como os fundos de pensão), desesperados por encontrar novos mercados para o capital excedente. As ficções (assim como os bônus) estão de volta!
Os consórcios estão comprando propriedades cujo direito de resgate à hipoteca encontra-se anulado esperando que o mercado mude seu rumo antes de cancelá-los definitivamente ou ainda guardando propriedades de alto valor para um futuro momento de volta ao desenvolvimento ativo. Os bancos normais estão estocando dinheiro, boa parte colhida em cofres públicos, também com a intenção de voltar ao pagamento de bônus compatíveis com o estilo de vida que levavam anteriormente, enquanto um conjunto de empresários paira ao seu redor à espera de aproveitar este momento de destruição criativa, apoiados por uma enxurrada de dinheiro público.
Enquanto isso, o poder do dinheiro exercido por poucos prejudica todas as formas de governança democrática. Os lobbies farmacêutico, de seguro de saúde e de hospitais, por exemplo, gastou mais de US $ 133 milhões no primeiro trimestre de 2009 para se certificar que as coisas sairiam como eles querem na reforma da saúde nos Estados Unidos. Max Baucus, chefe do comitê de Finanças do Senado, que formulou o projeto de lei referente aos serviços de saúde recebeu US $ 1,5 milhões por um projeto de lei que oferece um vasto número de novos clientes para as companhias de seguros, com poucas proteções contra a exploração cruel e o lucro excessivo (Wall Street está encantada). Outro ciclo eleitoral, legalmente corrompido pelo imenso poder do dinheiro, logo se avizinhará. Nos Estados Unidos, os partidos de “K Street” e de Wall Street serão devidamente re-eleitos enquanto trabalhadores americanos são exortados a encontrar uma saída para a confusão que a classe dominante criou.
Nós já estivemos em situação igualmente precária antes, e em todas as vezes os trabalhadores norte-americanos arregaçaram as mangas, apertaram os cintos, e salvaram o sistema de algum mecanismo misterioso de auto-destruição, pelo qual a classe dominante se exime de qualquer responsabilidade. Responsabilidade pessoal é, afinal, para os trabalhadores e não para os capitalistas.
Se este é o esboço da estratégia de saída, então quase certamente estaremos em outra confusão antes de cinco anos. Quanto mais rápido sairmos desta crise e quanto menos capital excedente for destruído agora, menor será o espaço para revivermos o crescimento ativo a longo prazo. A perda de valor dos ativos nesta conjuntura (meados de 2009) é, fomos informados pelo FMI, pelo menos de US $ 55 trilhões, o que equivale a praticamente toda produção anual mundial de bens e serviços. Já estamos de volta aos níveis de produção de 1989. Podemos estar frente a perdas de US$400 trilhões ou mais antes do fim. De fato, em um surpreendente cálculo feito recente, sugeriu-se que os EUA estavam em maus lençóis por terem que garantir sozinhos mais de US $ 200 trilhões em valor de ativos. A probabilidade de que todos os ativos estejam “podres” é mínima, mas a idéia de que muitos deles possam estar é bastante realista. Só para dar um exemplo concreto: Fannie Mae e Freddie Mac, agora resgatadas pelo Governo dos EUA, têm ou ofereceram garantia para mais de US$5 trilhões em empréstimos de habitação, muitos dos quais estão com profundas dificuldades (perdas de mais de US$150 bilhões foram registradas apenas em 2008). Então, quais são as alternativas?
Há tempos o sonho de muitos no mundo é que uma alternativa para a irracionalidade capitalista possa ser definida e concluída racionalmente por meio da mobilização das paixões humanas, na busca coletiva de uma vida melhor para todos. Estas alternativas – historicamente chamadas socialismo ou comunismo – foram tentadas em diferentes épocas e lugares. Antigamente, como em 1930, a visão de um ou outro deles funcionava como um farol de esperança. Mas nos últimos tempos ambos têm perdido seu brilho, ignorados, não apenas por conta do fracasso das experiências históricas com o comunismo em cumprir suas promessas e a propensão dos regimes comunistas para encobrir os erros cometidos pela repressão, mas também por causa de seus pressupostos supostamente falhos sobre a natureza humana e do potencial de perfeição da personalidade humana e das instituições humanas.
A diferença entre o socialismo e o comunismo é digna de nota. O Socialismo visa democraticamente gerir e regular o capitalismo de modo a acalmar seus excessos e redistribuir seus benefícios para o bem comum. Trata-se de espalhar a riqueza através de acordos em torno de uma tributação progressiva, enquanto as necessidades básicas – como educação, saúde e até mesmo de habitação – são fornecidas pelo Estado, fora do alcance das forças de mercado. Muitas das principais conquistas do socialismo redistributivo no período após 1945 não só na Europa, mas em outros locais, tornaram-se tão socialmente incorporadas que estão praticamente imunes ao ataque neoliberal. Mesmo nos Estados Unidos, a seguridade social e o Medicare são programas extremamente populares que as forças de direita encontram enorme dificuldade para exterminar. Os Thatcheristas na Grã-Bretanha não puderam encostar em nada que dissesse respeito à saúde nacional, exceto marginalmente. As provisões sociais na Escandinávia e na maior parte da Europa Ocidental parecem ser uma camada indestrutível da ordem social.
O comunismo, por outro lado, pretende deslocar o capitalismo através da criação de um modo completamente diferente da produção e distribuição de bens e serviços. Na história do comunismo realmente levado a cabo, o controle social sobre a produção, troca e distribuição significava controle estatal e planejamento estatal sistemático. No longo prazo, estas medidas se mostraram mal sucedidas, porém, curiosamente, sua conversão na China (e sua adoção anteriormente em locais como Singapura) tem se mostrado muito mais bem sucedida do que o modelo neoliberal puro na geração de crescimento capitalista, por tantas razões que não poderiam ser desenvolvidas neste texto.
Tentativas contemporâneas de reviver a hipótese comunista tipicamente evitam o controle estatal e procuram outras formas de organização social coletiva para suplantar as forças do mercado e a acumulação de capital como base para organizar a produção e distribuição. Em rede horizontal, ao contrário dos sistemas de coordenação comandados hierarquicamente entre coletivos de produtores e consumidores autonomamente organizados e autogovernados estão previstas no cerne de uma nova forma de comunismo. Tecnologias contemporâneas de comunicação fazem um sistema como este parecer viável. Podem ser encontrados por todo o mundo experiências de pequena escala em que tais formas econômicas e políticas estão sendo construídas. Há nisto uma convergência de algum tipo entre as tradições marxista e anarquista que remonta à situação amplamente colaborativa entre elas na década de 1860, na Europa.