terça-feira, 28 de outubro de 2008

Triste Salvador!

As eleições municipais chegaram ao fim. Em Salvador o atual prefeito João Henrique (PMDB) foi reeleito com 58,46% dos votos válidos. A capital baiana ficará por mais quatro anos entregue à sanha voraz da especulação imobiliária que avança de forma predatória sobre a cidade.

Os próximos quatro anos serão decisivos para Salvador no que tange ao que se costuma chamar de qualidade de vida. O futuro é totalmente incerto. O que se viu durante o mandato do prefeito reeleito foi uma cidade mergulhada num trânsito caótico, sem perspectiva de melhora, um transporte público deficiente, que nem de longe atende às necessidades da população, e o pouco que restou de suas matas sendo devastado para dar lugar a condomínios de luxo, o que certamente não resolverá o déficit habitacional. Isso sem falar da saúde e da educação que nunca foram prioridade. Em nome da geração de emprego (temporários, é preciso frisar) estamos vendendo nossa cidade.

Salvador tinha tudo para ser uma cidade de destaque no século XXI: uma cultura rica e diversificada, belezas naturais exuberantes, espaços verdes que garantiriam temperaturas agradáveis e o controle climático, entre tantas outras características tão valorizadas em tempos de aquecimento global. No entanto, graças à inépcia do Executivo, à omissão do Judiciário e do Legislativo, à ganância burra do empresariado e do egoísmo insano das elites locais nosso açúcar excelente está sendo trocado por drogas inúteis que farão a alegria de uns poucos negociantes e brichotes sagazes feito raposas. Triste Salvador! Só nos resta orar para que sobrevivamos à tamanha tristeza e devassidão pública (por Sílvio Benevides).
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(Foto: retrato do Prefeito João Henrique retirado do blog Política Livre)
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Salvador e suas belezas
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Vídeo produzido pelos estudantes de Jornalismo João Lins, Thais Pina e Yolanda Poirey, do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), como exercício da disciplina Práticas Investigativas.
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Quem é Dona Flor?

Com essa questão o antropólogo brasileiro Roberto da Matta deu início à sua conferência realizada no dia 23/10/2008 no auditório Zélia Gattai do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE). O evento integrou a programação do 3º Encontro Interdisciplinar de Cultura e Educação (Interculte), promovido anualmente pela instituição.

Quando iniciou seus estudos sobre a cultura nacional, em 1966, Roberto da Matta optou por falar a partir de temas que a academia brasileira da época costumava ignorar, a exemplo do carnaval, da praia e do futebol. Segundo ele, debruçar-se sobre o cotidiano do povo brasileiro nos faz perceber que esse é um país de muitas qualidades, ao contrário do que sustentava nossa herança intelectual, totalmente influenciada por teorias européias.

A intelectualidade brasileira costumava ver tudo errado no Brasil e em seu povo mestiço. Essa visão pessimista, da qual também compartilhou o Jorge Amado em sua fase comunista, a exemplo do que ocorre em seu primeiro livro, cujo desfecho conclui que o país do carnaval não tem solução, costumava nortear as análises sociológicas sobre a nação brasileira. Para Roberto da Matta, a Dona Flor, concebida na fase posterior ao rompimento do Jorge Amado com o Partido Comunista Brasileiro, é uma representação do Brasil, isto é, um símbolo de continuidade e ruptura com o nosso passado-presente personalista, tradicional e também pessimista.

Para o antropólogo, a Dona Flor não é uma vítima do destino, como foram a Capitu do Machado de Assis e a Heloísa do José de Alencar, ou, ainda, como a Madame Bovary do Gustave Flaubert e a Luiza do Eça de Queiroz. Dona Flor, de acordo com ele, rompe com a tradição literária ocidental na qual todas as mulheres que tiveram mais de um homem se ‘estreparam’ (sic). Ela faz o seu destino e foi bem sucedida na empreitada.

Mas a Dona Flor representa mais que isso. Representa também um universo intermediário que absorve universos opostos sem nenhum conflito existencial ou algo parecido. Ela consegue viver de maneira intensa dois amores sem contrariar os padrões morais da sua época, afinal, ambos, Vadinho e Teodoro, eram seus esposos legítimos. Da mesma maneira agem os brasileiros em geral, conforme Roberto da Matta.

O brasileiro costuma ter dificuldade em separar o mundo público (das relações puramente racionais e impessoais) do mundo privado (das relações marcadas pela afetividade), criando um dualismo entre esses dois universos da vida social. Roberto da Matta esquematiza esse dualismo públicoXprivado, na dicotomia casa e rua. A primeira representando o universo particular, enquanto a segunda, o universo coletivo. Todavia, da Matta vai dizer que para se entender a realidade brasileira, não é possível operar apenas nesse dualismo, pois se corre o risco de deixar de fora uma importante estrutura que caracteriza a nossa identidade, uma vez que o universo das interações sociais brasileiras é relacional. Trata-se do universo intermediário que matiza esse dualismo rígido.

Roberto da Matta propõe, então, que examinemos a relação do triângulo ritual e o espaço intermediário que ele cria nas nossas relações cotidianas. Para ele, não é suficiente analisar o Brasil apenas do ponto de vista dualístico, isto é, em termos de casa/rua, norte/sul, negros/brancos, senhores/escravos, oprimidos/opressores, litoral/interior, império/república, arcaico/moderno. É preciso considerar um terceiro elemento que perpassa esse dualismo. Por exemplo: negro/branco/mulato – negro/branco/índio – índio/branco/caboclo – sim/não/mais ou menos – ordem (rituais cívicos) / desordem (festas populares) / cerimoniais neutros (rituais/festas religiosas).

Assim é o brasileiro de acordo com o esquema teórico do Roberto da Matta. E a Dona Flor o representa bem, afinal, ela além de misturar o universo da casa (Teodoro) e da rua (Vadinho), escolheu não escolher. Quando não se escolhe, disse ele, permite-se ver os fatos a partir de diferentes ângulos: do perto e do longe, da luz e do escuro, etc. Dona Flor é essa relação substantiva, concreta que aparece no mundo das idéias e nas relações cotidianas dos brasileiros. Por isso ele afirmou que o dilema da Dona Flor é o dilema do Brasil, um país repleto de preconceitos velados. Ao mesmo tempo que condenamos certos comportamentos, atitudes e pessoas, não admitimos jamais que somos preconceituosos, pois nossa cordialidade não nos permite fazê-lo. “Não temos preconceito nenhum, desde que nossos filhos e filhas não namorem as pessoas “erradas”, não tenham amizades “erradas”; fora isso, não temos preconceito nenhum”. Ironizou. Para o antropólogo, os brasileiros não aprendem a conviver com o outro de forma igualitária porque costumamos privilegiar nossos relacionamentos. Disse também que os elementos da impessoalidade devem ser separados da pessoalidade porque "numa sociedade onde todos agem como bem querem, ninguém chega a lugar algum". Concluiu. Quando perguntado sobre quem ou o que personificaria a malandragem do Vadinho hoje no Brasil, ele respondeu: “Tá tudo na política”! (por Sílvio Benevides)
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(Foto: Roberto da Matta por Sílvio Benevides)

Absurdo e mais absurdos

Por que o brasileiro em geral e o soteropolitano em particular tem dificuldade em respeitar o outro ou regras simples de conduta instituídas para facilitar a vida em sociedade? Em Salvador os casos de abuso e desrespeito são uma constante. Não é preciso caminhar muito pelas ruas da cidade para flagrar, por exemplo, pessoas, a poucos centímetros da lixeira, jogando lixo no chão; motoristas avançando o sinal vermelho, ou então parados sobre a faixa de segurança, ou, ainda, estacionados em local proibido, como se pode observar na foto que ilustra essa postagem, tirada na Avenida Princesa Isabel, na Barra.

Flagrantes de desrespeito não ocorrem somente em situações cotidianas. Na última apresentação da Ana Carolina em Salvador, realizada no sábado 26/10/2008, o desrespeito ao público foi total. O show, marcado e anunciado para começar às 19:00, iniciou às 21:50. Para se ter uma idéia do tamanho do desrespeito, às 20:00 as luzes do palco ainda estavam sendo ajustadas. Refletores eram tirados e recolocados no lugar sem a menor preocupação com a platéia, totalmente exposta a acidentes que por desventura pudessem ocorrer. Enquanto isso, os responsáveis pelo show, as produtoras 2GB EMPREENDIMENTOS e MAURÍCIO PESSOA PRODUÇÕES, alheios à insatisfação de uma platéia exausta, tocavam insistentemente o mesmo CD da Vanessa da Mata, como se isso fosse minimizar o desrespeito. Não houve sequer a preocupação em dar uma satisfação ao público. Em casos como esse, o melhor a fazer é boicotar qualquer espetáculo ou show produzido pela 2GB EMPREENDIMENTOS e pela MAURÍCIO PESSOA PRODUÇÕES. Por que continuar prestigiando quem desconhece o sentido da palavra respeito?
Até quando seguiremos aceitando sucessivos desrespeitos como algo natural? Por que insistir em práticas desrespeitosas se o respeito é a base de toda e qualquer relação, seja entre indivíduos ou entre indivíduos e instituições? Continuar com a lógica do desrespeito, do jeitinho e da improvisação só nos levará à balbúrdia, na qual todos, sem distinção, perdem (por Sílvio Benevides).
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(Foto: Sílvio Benevides)

Grau Dez!

Falar da qualidade artística bem acima da média e do talento da cantora Ana Carolina já pode ser considerado lugar comum. Suas músicas e virtuose vocal emocionam e impressionam até mesmo aos ouvidos mais exigentes. Ana Carolina é uma profissional completa. Ela compõe, toca vários instrumentos, tem presença cênica e canta como poucas são capazes de cantar. A garganta da moça é poderosa e não há como negar esse fato. O bom de tudo isso é que ela consegue ser ainda melhor ao vivo. Seu último show em Salvador, realizado em 26/10/2008, embora estivesse aquém do seu potencial e a despeito do enorme atraso sem nenhuma satisfação por parte da produção e da cantora, mostrou que ela é sem dúvida uma das melhores artistas da MPB na atualidade e, arrisco dizer, de todos os tempos. Envolvente do início ao fim, Ana Carolina fez a platéia cantar e extravasar suas emoções num espetáculo cuja “coisa mais linda de se ver” foi a interação constante entre a cantora e seu público (ou deveria dizer súditos?). Não é qualquer um que consegue transcender a condição de artista para se tornar ídolo. Ana Carolina atingiu esse estágio. Por isso, parodiando os grandes Ary Barroso e Lamartine Babo, ela é Grau Dez! E assim será por muito tempo, caso não passe a desrespeitar o público com os seus atrasos enfadonhos e injustificáveis (por Sílvio Benevides).
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(Foto: Ana Carolina por Sílvio Benevides)