segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Onde vamos parar com tanta violência?

Não é novidade para ninguém que a violência se tornou um dos mais graves problemas das sociedades contemporâneas. A sensação de medo e insegurança aumenta a cada dia. No Brasil, por exemplo, é muito comum ouvir relatos de pessoas que já sofreram ou presenciaram atos de violência seja em casa, na rua, na escola, no trabalho ou nos espaços reservados para o lazer.

Como se já não bastassem as velhas e tão conhecidas formas de violência contra a pessoa humana, novas modalidades estão a surgir, sobretudo, nos grandes centros urbanos do mundo, graças ao desenvolvimento tecnológico, que tem possibilitado a criação de armas muito sofisticadas e de altíssima periculosidade como fitinhas feitas com papel crepom, confetes, serpentinas, rolinhos de fita adesiva, copinhos de plástico e bolinhas de papel, entre outros armamentos com enorme potencial destrutivo.

Dos Estados Unidos nos chegam relatos sobre serial killers que têm utilizado fitinhas feitas com papel crepom para estrangular suas vítimas. A gravidade da situação levou o Congresso estadunidense a discutir um projeto de lei que visa dificultar a venda desse tipo de material. Do outro lado do Atlântico, na Espanha, o governo proibiu o uso de confetes e serpentinas após uma série de atentados praticados com esses perigosos artefatos em diversos prédios públicos de Barcelona e Madrid. Desconfia-se que grupos separatistas sejam os responsáveis por esses atos criminosos, mas nenhum deles, até hoje, assumiu a autoria desses atentados. O fato é que os espanhóis estão em pânico, pois nunca se sabe quando os terroristas voltarão a atacar.

Em Angola, país da costa ocidental africana, um estudante de 15 anos foi internado em estado grave após ter pisado acidentalmente em uma mina confeccionada com rolinho de fita adesiva. Apesar de o jovem ter sobrevivido, sua perna esquerda teve de ser amputada. Enquanto em Angola os rolinhos de fita adesiva mutilam milhares de pessoas, no Zimbabwe, país da África Austral, os copinhos de plástico são o problema. Na última semana uma mulher foi presa após ter atingido mortalmente a cabeça do seu marido com um copinho de plástico transparente. As autoridades policiais do país revelaram que é cada vez maior o número de homicídios praticados com copos plásticos de todas as cores. Por esse motivo, o governo local proibiu a fabricação e importação dessa perigosa arma, considerada por muitos especialistas como armas de destruição em massa.

No Brasil, tudo leva a crer que bolinhas de papel são as responsáveis pela drástica redução da população de tucanos. Estas aves bicudas ao serem atingidas pelas tais bolinhas costumam sofrer um forte abalo sísmico. A tontura que as acomete pode levá-las à morte em poucos minutos. Felizmente, os avanços na medicina veterinária têm possibilitado novos tratamentos à base de tomografia computadorizada, que permite uma sobrevida maior aos penosos bichinhos. Espero que o governo brasileiro não fique de braços cruzados frente à tão grave fato. Por enquanto, são apenas os tucanos os atingidos. E quando as bolinhas passarem a atingir cidadãos de bem, como é que vai ficar? Essa nova modalidade de violência precisa ser severamente combatida antes que seja preciso convocar as forças armadas para que os brasileiros possam caminhar em paz pelas ruas de suas cidades sem correr o risco de serem abatidos por uma bolinha de papel perdida (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: Charge do NANI.

Em defesa do laicismo do Estado brasileiro

Uma democracia forte exige que o Estado seja autônomo, isto é, suas ações e decisões não podem estar subordinadas a interesses particularistas ou individuais. O Estado é uma instituição que representa a coletividade, a sociedade. Deste modo, os interesses da sociedade, assim como os valores que ela defende, devem ser a prioridade e os princípios norteadores do Estado. Se, por exemplo, a sociedade defende os Direitos Humanos como um valor supremo, o Estado deve tratar esse valor da mesma maneira. Por isso, o Estado deve ser laico e esse laicismo é fundamental para a construção e fortalecimento da democracia. Semana passada o Salvador na sola do pé discutiu essa questão na postagem “Que país é esse”. Nesta semana, volta ao mesmo tema, divulgando a Carta aberta da ABGLT às candidaturas de Dilma Roussef e José Serra, para demonstrar a importância do laicismo para a edificação de uma sociedade mais justa, mais plena e menos violenta. Diz a carta:
Prezada Dilma e Prezado Serra,

A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT é uma entidade que congrega 237 organizações da sociedade civil em todos Estados do Brasil. Tem como missão a promoção da cidadania e defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero.

Assim sendo, nos dirigimos a ambas as candidaturas à Presidência da República para pedir respeito: respeito à democracia, respeito à cidadania de todos e de todas, respeito à diversidade sexual, respeito à pluralidade cultural e religiosa.

Respeito aos direitos humanos e, principalmente, respeito ao laicismo do Estado, à separação entre religião e esfera pública, e à garantia da divisão dos Poderes, de tal modo que o Executivo não interfira no Legislativo ou Judiciário, e vice-versa, conforme estabelece o artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Nos últimos dias, temos assistido, perplexos, à instrumentalização de sentimentos religiosos e concepções moralistas na disputa eleitoral.

Não é aceitável que o preconceito, o machismo e a homofobia sejam estimulados por discursos de alguns grupos fundamentalistas e ganhem espaço privilegiado em plena campanha presidencial.

O Estado brasileiro é laico. O avanço da democracia brasileira é que tem nos permitido pautar, nos últimos anos, os direitos civis dos homossexuais e combater a homofobia. Também tem nos permitido realizar a promoção da autonomia das mulheres e combater o machismo, entre os demais avanços alcançados. O progresso não pode parar.

Por isso, causa extrema preocupação constatar a tentativa de utilização da fé de milhões de brasileiros e brasileiras para influir no resultado das eleições presidenciais que vivenciamos. Nos últimos dias, ficou clara a inescrupulosa disposição de determinados grupos conservadores da sociedade a disseminar o ódio na política em nome de supostos valores religiosos. Não podemos aceitar esta tentativa de utilização do medo como orientador de nossos processos políticos. Não podemos aceitar que nosso processo eleitoral seja confundido com uma escolha de posicionamentos religiosos de candidatos e eleitores. Não podemos aceitar que estimulem o ódio entre nosso povo.

O que o movimento LGBT e o movimento de mulheres defendem é apenas e tão somente o respeito à democracia, aos direitos civis, à autonomia individual. Queremos ter o direito à igualdade proclamada pela Constituição Federal, queremos ter nossos direitos civis, queremos o reconhecimento dos nossos direitos humanos. Nossa pauta passa, portanto, entre outras questões, pelo imediato reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e pela criminalização da discriminação e da violência homofóbica.

Cara Dilma e Caro Serra, por favor, voltem a conduzir o debate para o campo das ideias e do confronto programático, sem ataques pessoais, sem alimentar intrigas e boatos.

Nós da ABGLT sabemos que o núcleo das diferenças entre vocês (e entre PT e PSDB) não está na defesa dos direitos da população LGBT ou na visão de que o aborto é um problema de saúde pública.

Candidato Serra: o senhor, como ministro da saúde, implantou uma política progressista de combate à epidemia do HIV/Aids e normatizou o aborto legal no SUS. Aquele governo federal que o senhor integrou também elaborou os Programas Nacionais de Direitos Humanos I e II, que já contemplavam questões dos direitos humanos das pessoas LGBT. Como prefeito e governador, o senhor criou as Coordenadorias da Diversidade Sexual, esteve na Parada LGBT de São Paulo e apoiou diversas iniciativas em favor da população LGBT.

Candidata Dilma: a senhora ajudou a coordenar o governo que mais fez pela população LGBT, que criou o programa Brasil sem Homofobia, e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, com diversas ações. A senhora assinou, junto com o presidente Lula, o decreto de Convocação da I Conferência LGBT do mundo. A senhora já disse, inúmeras vezes, que o aborto é uma questão de saúde pública e não uma questão de polícia.

Portanto, candidatos, não maculem suas biografias e trajetórias. Não neguem seu passado de luta contra o obscurantismo.

A ABGLT acredita na democracia, e num país onde caibam todos seus 190 milhões de habitantes e não apenas a parcela que quer impor suas ideias baseadas numa única visão de mundo. Vivemos num país da diversidade e da pluralidade.

É hora de retomar o debate de propostas para políticas de governo e de Estado, que possam contribuir para o avanço da nação brasileira, incluindo a segurança pública, a educação, a saúde, a cultura, o emprego, a distribuição de renda, a economia, o acesso a políticas públicas para todos e todas (por ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)!
*
Imagem: Charge do Benett.

Difícil entender

Entender a política do ponto de vista das Ciências Sociais não é tarefa das mais difíceis ou complicadas. Todavia, compreender sua dinâmica do ponto de vista prático é algo bastante difícil, talvez, impossível. Tomemos como exemplo a campanha eleitoral do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para a Presidência da República. O candidato José Serra alardeia aos quatro cantos do país que fez a lei dos genéricos, o bolsa escola, que, posteriormente, no governo Lula, virou bolsa família, que peitou os grandes laboratórios farmacêuticos com o intuito de implementar no Brasil o maior e melhor programa de combate a AIDS do mundo, entre tantos outros feitos extraordinários. Ora, a dúvida que fica é a seguinte: e o Fernando Henrique Cardoso onde entra nessa história toda? Afinal de contas quem presidiu o Executivo nacional durante oito anos (1995-2003) foi o José Serra ou o Fernando Henrique Cardoso? Algumas coisas são, de fato, bem difíceis de entender. Mas, um dito popular nos fornece algumas pistas: andam cuspindo no prato que outrora comeram e se lambuzaram (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: Charge de Amarildo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Que país é esse?

Há muito o Legião Urbana questiona: “Nas favelas, no senado sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse”? Isso é o que eu também me pergunto. Nosso Estado se diz laico. Nossos políticos, como representantes desse Estado, defendem (ou deveriam defender) o laicismo. Entretanto, em pleno processo eleitoral para a Presidência da República os principais candidatos reduziram o debate político àquilo classificado por Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de “agenda obscurantista”, ao passo que, segundo ele, “teríamos de debater sobre educação, infra-estrutura, política externa”, ou seja, assuntos de interesse da coletividade.

O termo laicismo diz respeito ao princípio da autonomia das atividades humanas legítimas, entendidas como toda e qualquer atividade que não crie obstáculo, impeça, atrapalhe, destrua ou impossibilite as demais atividades necessárias à sobrevivência e/ou bem-estar dos seres humanos organizados em sociedade. Estas devem se desenvolver de acordo com regras próprias e não a partir de regras impostas de fora, cujos interesses ou fins diferem daqueles que serviram de inspiração para as atividades humanas legítimas.

Na Era Moderna os Estados passaram a reivindicar autonomia perante a Igreja, diferenciando, assim, os assuntos de foro íntimo e privado, como a fé, por exemplo, dos assuntos relacionados ao bem-estar da coletividade, como a atribuição de deveres e a garantia de direitos. Essa diferenciação foi uma grande conquista da humanidade, pois contribuiu, sobremaneira, para que os privilégios reservados exclusivamente à aristocracia e ao clero fossem, pouco a pouco, estendidos a todos os cidadãos. Essa foi a base sobre a qual os Estados modernos fundamentaram os seus princípios norteadores. Apesar de ser herdeiro desse processo, o Brasil, por vezes, parece caminhar na contramão da Modernidade.

Nas últimas semanas a campanha eleitoral desceu a níveis inimagináveis, em se tratando de um Estado moderno e laico como o Brasil. O que temos acompanhado na propaganda eleitoral (ou deveria dizer eleitoreira?) é a morte agonizante do debate político e o triunfo deprimente de um jogo sujo, marcado por um forte cunho fundamentalista. Para promover o desgaste da imagem da candidata Dilma Rousseff perante o eleitorado, os responsáveis pela campanha adversária optaram por difundir a idéia de que ela seria a favor do aborto, da descriminalização das drogas e, também, da parceria civil entre homossexuais. A fim de defender-se, Dilma Rousseff assumiu uma postura duvidosa e furtiva em relação a esses temas. Na sua “Carta aberta ao Povo de Deus” (vide abaixo), a candidata petista se esmerou em redigir um texto débil, vazio e tosco no qual, em momento algum, defende a autonomia do Estado brasileiro frente às atividades humanas legítimas.

A Dilma Rousseff, que outrora pegou em armas para defender as liberdades democráticas e, por conseguinte, o laicismo do Estado, ameaçado pela intervenção militar, não teve a mesma coragem para defender as mesmas liberdades democráticas ameaçadas pelo obscurantismo fundamentalista cristão, cujos interesses obscuros, além de ameaçar o laicismo do nosso Estado, buscam, entre outras coisas, enterrar em definitivo o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e o Projeto de Lei 122 (PL-122), que criminaliza a homofobia. Como se vê, os fundamentalistas cristãos não pensam ou almejam um Estado para todos/as, mas, sim, para alguns, tal qual ocorria em tempos pré-modernos.

Sendo um Estado laico, o Brasil não pode ficar refém de mentes obscuras e retrógradas que, de forma espúria, pervertem a mensagem de paz, amor e tolerância de Jesus Cristo para disseminar o ódio, a intolerância e o desrespeito, atirando ao lixo os princípios democráticos e os direitos humanos, valores tão duramente conquistados pela humanidade. O que espero do presidente de uma nação democrática como o Brasil é o óbvio, ou seja, a defesa veemente dos mais altos valores e princípios da democracia e não atitudes covardes perante o obscurantismo que tanto mal já fez à humanidade, responsável, inclusive, pela morte de Cristo na cruz (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: Charge de Angeli.

Carta aberta ao Povo de Deus (por Dilma Rousseff)

Olá meus amigos, irmãos e irmãs brasileiros.

Quero me dirigir a vocês com o carinho e o respeito que merecem todos aqueles que junto conosco, lutam, trabalham e sonham com um Brasil cada vez melhor, mais justo e mais perto da premissa do evangelho que é “desejar ao próximo aquilo que queremos para nós mesmos”.

Aliás, o sonho e o compromisso do evangelho são, em muitos aspectos, o sonho e o compromisso de um governante sensível e comprometido com o povo e com os menos favorecidos. Exemplo visto e vivenciado pelo nosso querido presidente Lula e seu governo, do qual me orgulho de ter feito parte e dado uma parcela significativa de contribuição.

Não temos como negar que os programas “Bolsa Família”, “Minha Casa Minha Vida”, e tantos outros que assistem as populações mais carentes traduzem esse compromisso na prática. É uma forma de resgatar os valores da vida, da cidadania e da dignidade humana, valores universais que trazem em si a semente do evangelho. Valores estes que nosso governo tem se esmerado em perseguir e que nos impulsionam a buscar mais um mandato.

Como cidadãos comprometidos não podemos aceitar passivamente as injustiças sociais, a violência, a fome, a miséria, as condições subumanas das favelas brasileiras e tantas outras distorções sociais, que a meu ver tem o dedo imperfeito do homem e não o desígnio de um Deus perfeito.

Sabemos que em situações de pobreza, desigualdade social e violência os que mais sofrem são as crianças e os jovens. São eles as maiores vítimas de uma sociedade insensível e injusta, onde poucos sempre têm as melhores oportunidades.

A família sempre foi e será baluarte de uma sociedade quanto mais estruturada é a família, menos caos social teremos. É no desajuste familiar que vemos nascer o abandono infantil gerando os chamados meninos de rua. É na violência doméstica que temos a semente dos adolescentes infratores marcados pela dor vivenciada em seus próprios lares. É no caos familiar que temos os altos índices de agressões contra mulheres e mães indefesas. Isso nos leva ao compromisso de fazer da família o foco principal de nosso governo. Respeitar o elo sagrado das famílias e lutar para que todas elas tenham dignidade, respeito e valor será o norte de nosso próximo governo.

Compreendemos o quanto as igrejas, todas sem distinção de denominações cristãs, são importantes e necessárias nesse projeto de apoio e resgate da família e da sociedade.

As igrejas já fazem suas ações sociais independentemente das ações do Governo. Elas são responsáveis por uma grande e invisível rede social, isso é louvável e traz em si a necessidade da mão amiga do Estado, dando sua contrapartida, tanto em termos de facilitação do acesso às políticas públicas, como em termos de organização de um diálogo constante com o Governo. Compromisso este que assumo em meu eventual governo. Quero construir esse diálogo com as intenções que tem sido os grandes amortecedores do sofrimento humano. Entendo seu valor, sua luta e seu trabalho impulsionado pela missão do evangelho.

Lembro também minha expectativa de que cabe ao Congresso nacional a função básica de encontrar o ponto de equilíbrio nas posições que envolvam valores éticos e fundamentais, muitas vezes contraditórios, como aborto, formação familiar, uniões estáveis e outros temas relevantes tanto para as minorias como para toda sociedade brasileira.

Assim sendo, meus amigos, quero terminar reafirmando minha posição de que qualquer ação só é eficaz com determinação e fé e que é a esperança que motiva a nossa caminhada.

Rogo a Deus que me dê forças para cumprir minha missão, para que juntos possamos transformar nossa paixão em ação em favor desse nosso Brasil que está nascendo.

Peço sua oração e seu voto para que eu tenha a oportunidade de continuar o projeto deste Brasil que está finalmente dando certo, não apenas para alguns poucos privilegiados, mas para todos.

Um abraço de sua amiga e companheira,

Dilma Rousseff.
*
Imagem: Charge de Angeli.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Em favor da política e da nação brasileira

Quando falo de política com os meus educandos e educandas tento fazê-los perceber o quão importante ela é para nossas vidas. Desde as atividades mais simples e corriqueiras, como atravessar uma rua, por exemplo, até decisões mais complexas, como dar ou não apoio ao governo do Irã perante a comunidade internacional, a política se faz presente, organizando e orientando a vida social. É por meio dela que nos mobilizamos para defender ou reivindicar direitos, para mudar ou preservar nossa realidade, nossa história. É por meio da política que os direitos por nós reivindicados e pelos quais lutamos são transformados em leis. Esta é a principal função dos membros do Poder Legislativo, os senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. É por meio da política, também, que as leis se transformam em políticas públicas, aquelas que podemos perceber no nosso dia-a-dia, seja na escola, no ambiente de trabalho, no hospital, nos supermercados e feiras livres, nas tarifas dos transportes públicos, ou, ainda, no salário nosso de cada mês. Esta é uma das inúmeras atribuições do Poder Executivo representado, no caso brasileiro, pelo Presidente da República, governadores e prefeitos. É sobre o papel e a importância da política em nossas vidas que falo aos estudantes nas minhas aulas de Comunicação e Política. Entretanto, a despeito dessa ênfase, as conversas em sala de aula sobre o tema, inevitavelmente, trazem a tona o seu lado podre. Refiro-me a uma espécie de labor político completamente vazio de idéias e ideais, porém, repleto de torpeza. Não critico meus alunos por enfatizarem o lado negativo da atividade política, afinal, temos razões de sobra para assim procedermos, especialmente nesse momento eleitoral.
Nas semanas que antecederam as eleições de 03 de outubro recebi por e-mail diversas mensagens sobre a candidata do PT, Dilma Rousseff. Em todas elas, impropérios descabidos. Algumas eu respondia, outras, no entanto, eu ignorava. Contudo, as mensagens não pararam de chegar e se intensificaram após o resultado da apuração que confirmou o segundo turno das eleições. Uma destas mensagens, atribuída ao ator Carlos Vereza, depois de comparar o PT ao partido nazista alemão e o processo eleitoral de 2010 à Kristallnacht, ou seja, a Noite dos Cristais, que marcou em 1938 o início da perseguição dos judeus pelos nazistas, terminava da seguinte maneira: “Não podemos nem pensar em colocar como Presidente do Brasil uma mulher terrorista, que passou a vida assaltando bancos, matando pessoas inocentes, arrombando casas, roubando e matando. Só uma pessoa internada num manicômio seria capaz de votar numa bandida para presidente de um País”. Confesso que não saberia definir o que é mais escabroso. Comparar a democracia brasileira atual ao nazismo ou defender a idéia de que os opositores do regime militar que ingressaram na luta armada eram bandidos.

Eu, sinceramente, não acredito que um homem como o Carlos Vereza, talentoso, inteligente e que, como poucos, sabe muito bem como é fazer teatro/arte sob a vigilância cerrada de uma ditadura militar tenha escrito um texto tão pífio. Uma enorme falta de respeito a todos aqueles militantes políticos de esquerda que pegaram em armas para livrar o país do autoritarismo militar. Achar que a luta armada foi um erro de estratégia e um erro político, tudo bem, eu aceito e, até certo ponto, concordo. Mas comparar os militantes da luta armada com bandidos é um absurdo e, no mínimo, um desrespeito para com aqueles que, literalmente, deram sangue por esse país para que hoje o direito da livre expressão das idéias possa ser exercido por qualquer pessoa sem o temor da tortura ou qualquer outro tipo de represália. Criticar sim! Ser duro sim, mas sem desrespeitar a nossa história e, principalmente, a memória dos cidadãos de bem!

Outra mensagem, cuja autoria não é atribuída a ninguém, isto é, trata-se de uma mensagem anônima (um ato típico dos covardes), iniciava da seguinte maneira: “Para contribuir com a política de meu país e mostrar que Dilma já deu as suas contribuições para o avanço do Brasil, peço aos meus amigos que me enviem, se for possível: fotos dela lutando pela democracia e não pelo comunismo [...] uma foto da Dilma, exemplo: nas Diretas Já; uma foto da Dilma em uma passeata pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita [...] uma foto dela no Impeachment do Collor [...] uma foto ou vídeo de algum trabalho social de que ela já tenha participado; uma foto ou vídeo em que ela se mostre autenticamente simpática; uma foto com a família”. Mesmo não tendo sido eleitor da Dilma, não posso deixar de me indignar com esse tipo de “campanha”(?!). Esses ataques são fruto de gente rancorosa ou, no mínimo, desinformada. Reflitam comigo.

Dilma Rousseff foi nos anos 1960 uma militante de esquerda que aderiu à luta armada contra a ditadura militar. Naqueles tempos lutar contra a ditadura significava lutar a favor da democracia e da liberdade de expressão. Ademais, quem foi que disse que o comunismo é incompatível com a democracia? Sabemos muito bem que o comunismo é, sim, compatível com regimes democráticos, basta lembrarmos a experiência da antiga Tchecoslováquia em 1968, que, infelizmente, foi sufocada pela então toda poderosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Lamentavelmente, as experiências comunistas/socialistas que o mundo, de fato, conheceu e vivenciou não foram democracias, mas, sim, ditaduras comunistas, como ditaduras foram aquelas que ocorreram em alguns países capitalistas europeus como a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a Espanha de Franco, Portugal de Salazar e em todos os países da América Latina, inclusive no nosso Brasil, que nunca foi comunista, mas nem por isso esteve imune às ditaduras do Estado Novo de Getúlio Vargas e do “novo Estado” instituído com o Golpe Militar de 1964. Portanto, ditaduras, ou seja, ausência de democracia, não são exclusividade de regimes comunistas.

Vamos à outra questão. Como já disse, penso que a luta armada no Brasil foi um equívoco das organizações de esquerda que optaram por essa via. Entretanto, respeito muito aqueles que dela fizeram parte, pois se houve alguém que, literalmente, deu o sangue por esse país, foram os homens e mulheres que pegaram em armas para defender a democracia brasileira e a liberdade política e de expressão da sua população. Quase todos/as (senão todos) foram torturados/as, pagaram com suas vidas, desapareceram e outros carregam até hoje os traumas dessa terrível experiência, a experiência da tortura física e psicológica. Se não há foto ou vídeo da Dilma nos porões da ditadura isso ocorreu porque os próprios torturadores não permitiram que jornalistas cobrissem esse fato, porque no Brasil da ditadura a imprensa estava amordaçada. Do mesmo modo, se não há foto ou vídeo da Dilma em passeatas pela Anistia ampla geral e irrestrita é porque, tendo sido presa em 1970 juntamente com outras tantas mulheres ousadas e corajosas, que se atreveram a desafiar o regime militar, ela, muito provavelmente, se encontrava sob vigilância dos carrascos da ditadura. Se não há fotos dela, como minhas também não há, no Impeachment de Collor ou na Constituinte, talvez isso tenha ocorrido porque ela, assim como eu, talvez estivesse envolvida com outros afazeres. Nos regimes democráticos não somos obrigados a participar de passeatas ou qualquer outro tipo de manifestação pública. Somos livres para exercermos nossa cidadania da maneira que julgamos ser a melhor. Se, do mesmo modo, não há fotos dela com a família, talvez seja pelo fato da candidata Dilma ser uma mulher discreta. Sua vida política é pública, mas sua vida familiar e pessoal não. Nas democracias temos o direito à privacidade. Quanto a ser simpática, não temos nenhuma obrigação de sê-lo, nem mesmo nos regimes democráticos. Depois, simpatia é uma questão de ponto de vista, portanto, algo bastante subjetivo para ser avaliado objetivamente.

Os impropérios continuam sendo difundidos pela internet. Alguns até mesmo em sites oficiais de deputados federais outrora liberais e, hoje, democratas. Um destes, desta vez foi atribuído à jornalista Marília Gabriela. Ela teria confessado o seu medo da candidata Dilma, comparando-a a pais autoritários e diretores escolares carrascos. Tudo mentira, segundo a própria Marília Gabriela. “Não tem nada a ver comigo, não escrevo daquela forma, não tem meu estilo. Qualquer pessoa criteriosa vai perceber que uma jornalista como eu não iria fazer isso, assumir uma gracinha dessas. Eu vivo de entrevistas. Gostaria de entrevistar todos os candidatos. Não cometeria essa estupidez”, afirmou a jornalista, que declarou, também, buscar assistência jurídica com os seus advogados a fim de encontrar um meio para punir os responsáveis por esse ato que pode ser classificado de falsidade ideológica, um crime, de acordo com nossas leis brasileiras.

Tudo indica que o vale tudo foi deflagrado. Mentiras, enganções, leviandades e dissimulações parecem reger o tom da dança eleitoral. Quero deixar claro que não sou nem contra nem a favor da Dilma Rousseff. Sou a favor da política, pois, como já disse, ela é fundamental para a vida em sociedade. E foi por acreditar na política que eu decidi escrever esse texto. Não apenas para externar minha indignação, mas, sobretudo, para fazer valer a idéia de que política é coisa séria e digna, destinada aos homens e mulheres de bem. Sendo assim, ela não pode ser confundida com esse lodo fétido, cujo jorrar favorece tão somente aqueles de alma e coração espúrios e em nada contribui para o debate político, para o fortalecimento da nossa democracia e da nossa cidadania e, muito menos, para o desenvolvimento do Brasil como uma nação “gigante pela própria natureza” (por Sílvio Benevides).
*
Imagem: RobertoStuckert Filho

“Temos que impedir que o segundo turno das eleições se torne um plebiscito nacional sobre o aborto” (Marilena Chauí)

Em ato pró-Dilma em São Paulo, a professora de filosofia da Universidade de São Paulo (USP) sugere que petistas deixem de atender à mídia. A filósofa Marilena Chauí fez palestra na sexta-feira 8/10/2010, ao lado de intelectuais e membros do corpo docente da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FDUSP), em um ato organizado para defender a candidatura da governista para a Presidência da República. Ela afirmou que o monopólio da imprensa no Brasil transforma a mídia em um agente antidemocrático e que a disputa não pode se tornar em um plebiscito sobre o aborto, baseado em boatos.

A maioria dos participantes usou seu espaço de discurso para, além de diferenciar os projetos de governo dos candidatos, fazer críticas ao comportamento da imprensa. Marilena Chauí defendeu que lideranças de esquerda e do PT deixem de atender jornalistas da imprensa convencional, em uma espécie de boicote a pedidos de entrevista. “Para defender a liberdade de expressão é preciso não falar com a mídia”, propõe Marilena Chauí. Ela acredita que a mídia dá espaço para figuras do partido e de movimentos sociais apenas para “parecer plural”, mas promovendo um “controle de opinião” sobre o que é publicado. A professora aludiu ao caso da dispensa da colunista Maria Rita Kehl pelo jornal O Estado de S. Paulo. “A democracia não é simplesmente um regime da lei e da ordem”, explicou, defendendo que é necessário haver diversidade de opinião na mídia.

A professora esclareceu que não se pode permitir que três ou quatro famílias mantenedoras dos meios de comunicação pautem a agenda política do Brasil. “Temos que impedir que o segundo turno das eleições se torne um plebiscito nacional sobre o aborto”, definiu. Para ela, a cada semana é definida uma nova temática para o debate político – se referindo às discussões eleitorais levantadas recentemente, como a da liberdade de imprensa e a da religião. O ato abordou questões referentes ao segundo turno das eleições. Sobre a definição do apoio do PV a José Serra (PSDB) ou Dilma Rousseff (PT), o professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito Otávio Pinto e Silva ironizou. “Serra não precisa do PV, ele já tem o ‘PVeja’”, disse, em alusão à revista semanal da Editora Abril. Recentemente, Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, assumiu a posição para a imprensa como partido de oposição no país. Para o professor, a mídia jogou a favor do candidato tucano nesta campanha. A necessidade de garantir espaço para a diversidade de opiniões foi defendido também pelo deputado federal reeleito pelo PT de São Paulo Paulo Teixeira: “Defendemos uma democracia com liberdade de imprensa e liberdade de opinião; nós queremos diversidade de opinião na imprensa brasileira”. Para o ele, o governo nunca quis censurar a imprensa. “Isso nunca esteve no nosso horizonte”, afirmou (por Guilherme Amorim, Rede Brasil Atual).
*
Imagem: Marilena Chauí, por Lisboa.

domingo, 3 de outubro de 2010

Poema Falado: Coming

A filósofa existencialista Simone de Beauvoir escreveu em sua obra de referência, O Segundo Sexo, que não se nasce mulher. Torna-se. O mesmo se pode dizer a respeito do homem. Não se nasce homem. Torna-se. Ser mulher ou homem não é um dado natural, uma condição biológica, mas, sim, um papel social que se aprende e apreende ao longo de nossa existência, sobretudo, nos primeiros anos de nossas vidas. O certo mesmo é que seres humanos nascem machos ou fêmeas, como qualquer mamífero, réptil, ave, anfíbio, peixe, inseto ou molusco. Entretanto, a maneira como esses seres humanos machos ou fêmeas se comportam em sociedade resulta de um processo de aprendizagem, que a sociologia chama de socialização. Internalizamos as funções atribuídas para cada sexo de tal modo que passamos a crer que tais funções são determinadas pela natureza e não pela cultura. Daí as ciências sociais fazerem uma distinção entre sexo, uma condição biológica (macho/fêmea) e gênero, um papel social (homem/mulher). Dito desta forma, tudo seria muito simples. Todavia, a vida social não é tão simples assim. Alguns seres humanos, os mais audaciosos, se recusam a internalizar esquemas prontos e acabados do tipo ou isto ou aquilo e ponto final. Não. Por se sentirem livres, transitam entre os gêneros com tamanha desenvoltura que costumam fundir e confundir a cabeça de muita gente. Por isso são desqualificados e, na maioria das vezes, vítimas de toda sorte de perseguição, humilhação e escárnio por “não saberem qual é o seu lugar”. Entretanto, há quem pense que estas pessoas representam o que está porvir. De fato, aqueles que ousam é que são os verdadeiros agentes das mudanças. Os covardes preferem a inércia. Para homenagear a coragem e audácia destes seres humanos ousados, o Poema Falado deste mês traz um texto/música escrito por David Motion, Sally Potter e Jimmy Sommerville, para o filme “Orlando”, dirigido pela Sally Potter e baseado na obra homônima da Virgínia Woolf. A versão em português ficou por conta de Coccinelle, que o traduziu assim: “Estou a chegar! A chegar além! Além de toda e qualquer divisão! Nesse momento de união / Sinto uma enorme euforia / Por estar aqui, agora / Livre, enfim / Sim, livre estou / De tudo o que já passou / E do porvir que acena para mim / Estou a chegar! Estou a chegar! Aqui estou! Nem mulher, nem homem / Somos todos tão somente / Uma única humana face / Somos todos simplesmente / Uma única face humana / Estou na Terra / E também fora dela / Estou a nascer e a morrer”. Veja o vídeo e tenha uma boa audio-leitura (por Sílvio Benevides).


Imagem: Nicol Liev