segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Será que o carnaval é para todos? Onde?

Disse que não iria falar do carnaval de vitrine e ganância que se transformou o carnaval de Salvador. Mas não resisti ao comentário de Papillon e resolvi dar-lhe mais destaque por concordar plenamente com suas palavras. Faço apenas um acréscimo: como se não bastasse o fato de o carnaval soteropolitano ser segregacionista, pois fez das cordas e camarotes um mecanismo muito eficiente de separação social, alerto para o fato de que toda a riqueza por ele gerada não se reverte em benefícios concretos para a cidade. Não conheço, por exemplo, nenhuma praça, rede de esgoto, escola, posto de saúde ou hospital ou qualquer outro serviço de interesse da coletividade recuperado ou construído com o dinheiro gerado pela festa, cuja organização recebe muitos incentivos oriundos dos cofres públicos. Reflitamos sobre isso também (por Sílvio Benevides).

O desabafo de Papillon

É mesmo impossível não falar do carnaval!! Afinal, estamos bombardeados por ele quase que 100% por dia. Mesmo distante das ruas alimentamos essa máquina de fazer dinheiro de alguma maneira. Temos carnaval nos canais de TV, nos jornais e mesmo aqui na internet. Mas como bem fez Silvio devemos e podemos mudar o discurso dessa festa como sendo apenas a festa da felicidade!! Vamos questionar essa felicidade? Para quem é o carnaval hoje? Por que é assim? Cadê o carnaval que era do povo? Quem é esse “todos” para qual o carnaval foi feito?

Eu concordo com Silvio sobre a segregação, mas acho que não devemos calar sobre o carnaval e sim alertar para essa segregação que ocorre no carnaval!! O que a TV mostra como Salvador a terra do carnaval democrático, nós soteropolitanos sabemos que a frase deve ser outra. Salvador virou a empresa do carnaval e aqui diverte-se quem paga mais. Você tem dinheiro? Então venha para o carnaval da Bahia!!

Nós soteropolitanos, saímos das ruas para abrir espaço para o turista que chega do Brasil e do mundo com seu dinheiro para pagar os blocos protegidos por uma corda humana!! Como assim cordas humanas? Cordas formadas por Homens e Mulheres, que na sua maioria são negros. O que eles fazem? Eles estão ali sendo explorados na sua força física, algo que lembra demais a situação dos escravos com seus senhores!! E por receberem o pouco dinheiro que recebem para fazer esse “trabalho”, muda a nomenclatura. Eles são agora conhecidos como “cordeiros” e, assim, não são escravos!??! Muito diferente, não acham? Sim, o que mesmo fazem os “ cordeiros”? Fazem essa corda humana para separar(segregar) os que estão dentro dos que estão fora dos blocos. Eles fazem isso por dinheiro, por sobrevivência e por essa sobrevivência são explorados ao máximo. Você já se perguntou quanto ganha um cordeiro por dia? E quanto ganha o cantor? E quanto ganha o empresário? Quanto se paga para sair no bloco protegido por “cordeiros”? Acho que você não vai gostar muito de saber. Bem, mas um cordeiro não ganha 1/3 de um salário mínimo para sair todos os dias puxando a corda do bloco protegendo as pessoas. E um bloco, a depender da fama da sua atração principal, cobra de seu associado para sair protegido por esse “cordeiro” 4 vezes o valor de um salário mínimo em alguns blocos. Você acha isso democrático? Mas, você pode pensar: mas quem não tem dinheiro vai para rua e se diverte também com as atrações e de graça! Engana-se!! Não é possível fazer isso com as cordas que tomam os espaços das ruas e para piorar a situação quem não gosta de fazer o percurso do blocos correndo atrás do trio protegido dentro das cordas tem a nova opção de segregação que são os camarotes que também cobram fortunas de quem deseja entrar e ficar assistindo protegido da violência. Isso é uma nova separação social!! Os camarotes lotados por quem tem dinheiro tomam conta das calçadas e com isso acaba o espaço da rua e da calçada para quem não tem dinheiro. Então como falar de um carnaval democraticamente correto? Tenta você ir na rua e depois me diz!!

Então como ficam os que não tem mais espaço nas ruas para fazer uma “pipoca” (pipoca são as pessoas que pulam feito pipoca, mas sem a proteção das cordas) animada? Ou seja, ou cedemos à pressão empresarial com sua segregação ou nos retiramos da cena e damos lucro às mídias televisivas ou os que gostam muito da festa se sacrificam para pagar um bloco ou camarote para curtir de alguma maneira a festa que se diz “popular”....Claro que para os corajosos ainda se acha um cantinho apertado para dar uma olhadinha , uma espiada em seu cantor favorito. Sendo que para isso se deve ter coragem porque a violência fica justamente para quem está fora das cordas e das proteções dos camarotes. Eu ontem arrisquei essa experiência da pipoca!! Bem, saí muito cedo de casa para uma pequena espiada! As ruas tomadas por camarotes, as cordas, apertos e a violência. Voltei para a segurança da casa e fui falar com amigos que como eu fizeram a mesma escolha. O carnaval não é para todos mesmo!!! (por Papillon)
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Imagem : Delmiro Júnior

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O coração do mundo bate aqui?

Não! Não vou falar do carnaval de Salvador. Não vou falar de um carnaval que no discurso democraticamente correto prega a mistura, mas nas ruas o que se vê é a prática da segregação. São cordas para todos os lados. São camarotes à exaustão, de preços cada vez mais elevados, pois o que interessa é encher as burras de poucos e agradar quem traz dinheiro à mão. Não! Não me interessa esse carnaval de vitrine que oprime quem não pode ou não deseja pagar caro para se divertir ou simplesmente gozar a vida sem dar bola para a televisão. Quero meu carnaval de volta!
(por Sílvio Benevides)

Em clima de carnaval, Tobby entrevista um guru oriental, que faz incríveis previsões para o carnaval. É pra ver e se divertir, afinal, é tempo de sorrir!
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Imagem: logomarca oficial do carnaval de Salvador 2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Brasil amado

O Brasil, oficialmente nomeado República Federativa do Brasil, é uma nação formada pela união de 26 estados federados e pelo Distrito Federal. O país conta com mais de 5 mil municípios, cerca de 190 milhões de habitantes e uma área superior a 8 milhões de quilômetros quadrados, equivalente a 47% do território de toda a América do Sul. Em comparação com outros países, o Brasil dispõe do quinto maior contingente populacional e da quinta maior área territorial do planeta. Sua economia é a nona maior do mundo e a maior da América Latina. Há quem diga que por conta desses dados o Brasil tem hoje forte influência internacional, tanto em âmbito regional quanto global. O País possui cerca de 20% da biodiversidade mundial, sendo exemplo desta riqueza a Floresta Amazônica, com 3,6 milhões de quilômetros quadrados. Números impressionantes que despertam a cobiça de alguns e a outros estarrecem. Como pode um país como esse, detentor de tantas potencialidades, permitir que a miséria ainda faça parte do cotidiano de boa parte da sua população? No Brasil os números sempre impressionam, seja para mais ou para menos. Mas não é desse Brasil que desejo falar. Ao menos não nesse momento. Quero falar de um Brasil que me percorre por dentro, tornando fértil o chão que me sustenta. Brasil que eu amo, não porque seja minha pátria, como escreveu o Mário de Andrade, abaixo reproduzido, afinal “pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der”. Brasil que eu amo, pois como escreveu um outro poeta genuinamente brasileiro, o João Cabral de Melo Neto, desse chão sou bem conhecido através de parentes e amigos dos mais próximos aos mais longínquos. Porque a partir desse chão erigi-me feito uma palmeira que só enxerga o céu onde há mais estrelas. Esse chão que me espera de recém-nascido bebeu meu suor vendido e aquele vertido no “balanço das minhas cantigas, amores e danças”. É o Brasil dos becos, do pandeiro, das violas, minhas violas, do samba-de-roda, do samba-enredo, da capoeira de Angola, do maculelê, do sarapatel, do dendê, da caipora, do caruru, do curupira, do vatapá, da iara bonita, do boto cor-de-rosa, da Yemanjá, do cuzcuz com leite e ovos no café da manhã, do cantarolar das araras, do balanço das ondas, do barulho incessante das ruas, do aimpim com carne do sol, da lua cheia nas folias de reis, das fogeuiras e traques do São João, dos coqueiros de Itapuã, dos trios elétricos, da água de côco na Praia do Flamengo, da sorveteria da Ribeira, da doce batida do coração materno. É esse o Brasil que sou. É esse o Brasil que quero (por Sílvio Benevides).
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Baseado em trecho do texto de Mário de Andrade (reproduzido adiante), produzi o clipe abaixo, intitulado BRASILEIRINHO, para declarar meu amor pelo Brasil que sou.
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O POETA COME AMENDOIM
(Mário de Andrade)
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Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...
Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade...
Será o que Nosso Senhor quiser!...
Estou com desejos de desastres...
Com desejo do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido...
Tenho desejos de gemer e de morrer...
Brasil...
Mastigando na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque sejam minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.
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Imagem: Papagaio, foto de Danilo Chequito

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Ictu oculi

Em visita a Salvador pela primeira vez, uma amazonense de Manaus nos relata o que seus olhos perceberam sobre a Cidade da Bahia e sua gente. O Salvador na sola do pé agradece a valorosa colaboração da Paula Barros, a amazonense em questão. Valeu, Paula!
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Minha visita à cidade de Salvador
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Salvador é uma cidade linda! Seis dias nessa terra e pude chegar a esta conclusão. Claro que para conhecer melhor tudo o que a cidade tem pra oferecer, precisaria de mais tempo. À primeira vista me encantei com as praias. Salvador possui o litoral mais extenso do Brasil, me informaram! Visitei apenas três delas. Além do mar, os recifes de corais me impressionaram e o que dizer das palmeiras (coqueiros)? Elas ornamentam a maioria das praias da cidade. Pude conhecer também um pouco de sua história, visitei o Pelourinho, esse me deixou encantada com suas ruas, casarões e igrejas cheias de histórias pra contar! Gostaria muito de ter voltado outra vez lá, mas não foi possível, fica então para uma próxima visita! As pessoas dessa terra também me impressionaram por sua alegria, os baianos sabem como ninguém fazer festa, e por sua beleza: mulheres, crianças e homens de cores lindas, maravilha de olhar! Salvador, como toda cidade grande possui problemas, mas nenhum tira o charme dessa cidade que me encantou e deixou uma vontade enorme de voltar novamente! (por Paula Barros)
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Imagem: Gina Carla

Para inteirar-se


Salvador não é uma ilha isolada do resto do mundo, sendo assim para que nos inteiremos dos assuntos que nos circundam e que também nos dizem respeito, o Salvador na sola do pé indica um blog muito legal. Estou a falar do Pa’k te enteres, cuja proposta é a mesma deste blog daqui, isto é, fazer pensar, fazer refletir. Boa Leitura.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Dia de festa no mar

Como nos lembra o Dorival Caymmi dia dois de fevereiro é dia de festa no mar porque é o dia de reverenciar a mãe de todos os orixás, a senhora do mundo, Yemanjá!

A adoração a Yemanjá, como também aos demais orixás, foi trazida para o Brasil pelos negros africanos que aqui aportaram para trabalhar como escravos nas lavouras de cana-de-açúcar. Na África, de acordo com Pierre Verger (Orixás. São Paulo: Corrupio, 1981), o culto à mãe dos orixás se concentrava na região entre Ifé e Ibadan, banhada pelo rio Yemanjá, território do povo Egbá, uma nação Yorubá. Sucessivas guerras entre nações Yorubás forçaram o povo Egbá a migrar rumo ao oeste, em direção a Abeokutá, onde passaram a reverenciar Yemanjá no rio Ogum, cujo nome não deve ser confundido com o nome do orixá ferreiro, senhor dos metais. Em terrras brasileiras o culto a Yemanjá se voltou para os mares. É para as águas salgadas do Atlântico que os devotos daqui se dirigem quando desejam se unir e exaltar a generosa senhora.

Na soteropólis as homenagens a Yemanjá ocorrem no bairro do Rio Vermelho, onde uma multidão de fiéis (e não fiéis também) se dirige com o intuito de pedir benção, proteção e favores, assim como para render reverências e louvores à digníssima dama dos oceanos. A festa de Yemanjá em Salvador é genuinamente africana. Nela não ocorrem cruzamentos entre elementos de diferentes tradições mítico-religiosas, como nas demais festas populares da cidade. Entretanto, isso não impede que devotos das mais variadas crenças se misturem no dia dos festejos, afinal eles acontecem na Bahia e os baianos, no geral, não se prendem a rigorosos rigores do tipo ou isto ou aquilo simplesmente. No dia dois de fevereiro muitos baianos se dirigem à praia do Rio Vermelho para saudar Yemanjá seja com um grande balaio repleto de magníficos presentes, seja com uma pequena flor. O que importa mesmo é a intenção do louvor, isto é, ser feliz. Odô Iyá, Yemanjá! (por Sílvio Benevides)
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Ao dois de fevereiro
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O vídeo abaixo foi produzido por Coccinelle especialmente para o Salvador na sola do pé em homenagem ao dia 02 de fevereiro, dia de festa no mar, dia de Yemanjá!
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Foto: Sílvio Benevides