
Nas décadas finais do século XX, principalmente após o colapso do comunismo no Leste Europeu, o processo de expansão do capital excedeu sobremaneira a esfera da produção, infiltrando-se em outros planos da existência humana mais diretamente ligados às relações cotidianas. Por conta disso, há nas sociedades atuais uma tendência a reduzir toda e qualquer relação social a modelos delineados pela lógica do consumo capitalista. Lógica esta que passou a orientar a vida das pessoas como se fosse uma “lei de ferro”.
A capacidade de consumir bens e serviços se tornou um dos princípios fundamentais de regulação das relações entre indivíduos e destes com grupos e instituições, sejam elas econômicas ou não. É comum, por exemplo, encontrarmos no interior das instituições de ensino superior, sobretudo nas de natureza privada, estudantes que enxergam o processo educacional como um mero produto, a exemplo de tantos outros disponíveis no mercado consumidor. Sendo assim, pautam suas ações e reivindicações pelo simples fato de estarem pagando por um serviço, tal qual acontece nos centros de lazer ou compras.
Perceber ou vivenciar o processo educacional apenas pela lógica do consumo acaba por limitar significativamente as possibilidades que tal processo pode oferecer ao indivíduo e à coletividade. Educação não se resume apenas à transmissão de um determinado conhecimento e/ou técnica que melhor atendam às necessidades do mercado. A educação tem como princípio fundamental o desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais do indivíduo, isto é, visa transformá-lo em sujeito social ativo, pensante e participante dos processos sociais, ciente dos seus deveres e direitos e, por isso mesmo, capaz de transformar a realidade que o cerca.
Educar é, portanto, muito mais do que somente preparar um indivíduo para ingressar no mercado de trabalho e, conseqüentemente, no mercado consumidor. Educar é um convite à reflexão, é propiciar os meios indispensáveis para que o indivíduo conquiste sua emancipação social e supere sua pequenez humana. Todavia, o que se vê é a lógica do mercado e do consumo adquirindo um status de um mito, quase um totem, que condiciona e limita as faculdades intelectuais e morais de inúmeros estudantes, a ponto dos seus objetivos se resumirem apenas em estudar para passar a fim de pôr a mão no diploma, visto, muitas vezes, como um bilhete que lhes garantirá a entrada no mercado do consumo desenfreado. Poder consumir é o que muitos acreditam ser a conquista da sua autonomia.
Tomar o mercado como o princípio sintetizador das relações sociais significa reduzir a sociedade a um jogo cujas regras são definidas por quem pode pagar mais e, por conseguinte, consumir mais. A pergunta que se deve fazer é a seguinte: quais as conseqüências para a humanidade entender as relações sociais a partir de uma lógica consumista? Que tipo de ética prevalecerá numa sociedade de consumo? Tais questionamentos só poderão ser respondidos por aqueles que enxergam o processo educacional não como um produto, mas como um mecanismo de emancipação do sujeito social. Estes sim serão os líderes e agentes de transformação do amanhã, donos do seu destino, e não meros carneirinhos que, de tão tolos, se deixam conduzir ao aprisco, acreditando ter alguma autonomia sobre sua sorte (por Sílvio Benevides).
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Imagem: O escolar, Vincent Van Gogh (1890)
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