Em
2015, ao completar um decênio de existência, duas questões de extrema
importância prometem enfocar as atenções na UFRB: o processo sucessório da
reitoria e a convocação da estatuinte. A questão da estatuinte na UFRB e o
processo de escolha dos dirigentes nas universidades colocam em relevo uma
problemática mais substantiva: qual o grau de democracia e participação nas
instituições de ensino superior no Brasil. Apesar de a UFRB ser uma instituição
nova, produto da expansão recente do ensino superior a partir do REUNI, a nossa
estrutura de funcionamento atual, inclusive o processo de escolha dos
dirigentes, tem características imperiosas herdadas da mesma lógica das antigas
universidades. Em parte, isso se explica pela herança da tutora (UFBA), mas é
um processo político mais complexo, tem a ver com o fato que nem nos governos
da Nova República nem nos atuais governos do PT aconteceu um efetivo processo
de democratização da estrutura de poder das instituições do ensino superior. Os
processos estatuintes e as escolhas de dirigentes nas novas universidades,
apesar das promessas, mantém, quase que na sua totalidade, a mesma restrição à
participação da comunidade acadêmica. Dessa forma, é importante assinalar que
mesmo a “universidade nova” apresentada nos últimos tempos como panaceia para
crise universitária mantém o controle das decisões como na universidade velha
da época da ditadura militar.
A
luta pela estatuinte na UFRB não pode ser apenas a atualização das normas e
regras de funcionamento da instituição. Assim como a “escolha” dos dirigentes
não pode ser vista como apenas um referendar de projetos já previamente
definidos. Neste sentido, como parte da mobilização da comunidade universitária
da UFRB por democracia e autonomia, apresentou-se uma discussão sobre o
processo geral nas universidades a partir dos anos 80 até o período mais
recente de expansão das IFES. Interessante notar que, apesar das mobilizações
da comunidade universitária em praticamente todas as universidades publicas do
país (estaduais e federais) desde o período do fim da ditadura militar e pelas
chamadas liberdades democráticas, a estrutura de funcionamento das
universidades e faculdades é caracterizada por uma ausência efetiva de
participação e democracia.
Nos
anos 80 e 90, a mobilização contra as listas sêxtuplas nos conselhos
universitários e contra a ingerência dos governos nas escolhas dos dirigentes
do ensino superior levou a uma ampla luta contra o que se chama “entulho da
ditadura” nas universidades. A luta pela democracia e autonomia nas
universidades públicas teve uma ampla repercussão e resultados contraditórios.
A mobilização por estatuintes democráticas e por eleições diretas para reitor
evidenciava a insatisfação geral e representava um questionamento relativo da
estrutura universitária claramente obsoleta e autoritária, e que nem mesmo os
reitores (e os demais cargos dirigentes) eram escolhidos pela comunidade
universitária. Por varias razões, sobretudo pelo caráter geral da transição
brasileira (longa e pactuada), em que a mudança também significou permanência.
Aos poucos a burocracia universitária (a mesma da época da ditadura) foi
abrindo espaço para setores opositores, sobretudo entre uma camada de docentes,
que passaram eventualmente a conquistar posições de comando. Este processo de
reestruturação dos membros da burocracia universitária foi feito na maioria dos
casos através de mobilizações com discursos em nome de democracia e acordos nos
conselhos universitários, em que foi instituída uma democracia limitada e
controlada, ou seja, uma democracia de fachada. As entidades representativas
dos três setores da universidade (docentes, estudantes e servidores técnicos)
construíram consultas informais nos processos de escolhas dos dirigentes das
universidades. Esta política foi implementada em todo território nacional pela
atuação das direções (UNE, ANDES e FASSUBRA). As consultas eram apresentadas
como um processo de eleição direta para reitor, o que, na verdade, não eram,
pois continuava havendo a lista, a indicação pelos conselhos universitários e,
por fim, a escolha final pelo MEC ou pelo governador do estado. A luta
pela democracia foi reduzida a exigir que uma consulta informal fosse
referendada pela estrutura vigente.
O
que era apresentado como uma tática inteligente de driblar a estrutura para
conseguir a democracia possível, foi se transformando em um mecanismo para
preservar o poder nas mãos da burocracia universitária, agora renovada com
parte dos oposicionistas. Em alguns casos, como na UFBA em 1988, o conselho
universitário e o governo federal não aceitaram o mais votado nas consultas, e
mais recentemente na USP, o que gerou atritos e mobilizações importantes.
Entretanto, o que vale destacar é que os reitores democráticos “eleitos”, que
passaram a ser a maioria na Andifes (Associação dos Reitores), apesar das
promessas, e não tencionando por uma verdadeira autonomia universitária, não
alteram os estatutos das universidades para que até mesmo a proposta limitada
de eleição direta para reitor pudesse ser garantida. Mesmo após o fim da
ditadura militar, nem nos parlamentos, nem por iniciativa dos governos
executivos (governos estaduais e presidência da república), foram votadas leis
para democratizar as universidades.
A
LDB e a Lei 9.192/95 estabeleceram que “o Reitor e o Vice-Reitor de
universidade federal serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos
entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam
título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo
respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído
especificamente para este fim, em caso de consulta prévia à comunidade
universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição,
prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a
manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias.” Por sua
vez, os doze anos dos governos do PT e seus aliados não alteraram a
antiga estrutura de poder nas universidades. O processo de melhoria do acesso
com o aumento de vagas e com a expansão das IFES, com construção de novas
universidades, não veio acompanhado de criação de novas formas de participação
e democratização nas universidades. O resultado dessa ausência de participação
e de confiança nas instâncias deliberativas das universidades é o aumento do
desinteresse em participar da construção das questões estruturais da
universidade pelos membros da comunidade. Ou seja, a construção da universidade
tem um caráter burocrático e administrativo, cada vez mais as definições
importantes e relevantes estão distantes do controle democrático da própria
comunidade, (os principais interessados). Através de editais e portarias, o MEC
burla a autonomia das universidades, ao mesmo tempo que, através do controle do
repasse dos recursos financeiros, contratação de pessoal e equipamentos,
condiciona atuação dos reitores e da burocracia universitária nas
universidades. Cada vez mais, os reitores “eleitos” e demais dirigentes são
transformados em “gestores”, ou seja, são verdadeiras correias de transmissão
da política anti-autonomia e democracia do MEC. Então, qual a alternativa nesse
contexto de controle da burocracia universitária sobre os destinos da
universidade?
Em
primeiro lugar, é importante não cometer o equívoco de apresentar ilusões que
existe democracia e participação nas universidades. A estrutura universitária
(estatutos, regimentos) precisa ser mudada por completo a partir da mobilização
da própria comunidade acadêmica. Ë preciso colocar em relevo a necessidade de
uma participação efetiva da comunidade através da proposta da gestão
tripartite, ou seja, a autonomia universitária através do autogoverno, formada
por docentes, estudantes, servidores técnicos e setores populares. Devemos
aproveitar este momento conjuntural da UFRB para construir de fato uma
universidade democrática, discutindo os pilares que sustentam nossa
universidade sob a égide da democracia, é momento de priorizar o congresso
estatuinte para propor mudanças democráticas radicais dentro dos limites da
UFRB e abrir espaço para questionamentos e provocações para os entraves
democráticos que engessam a universidade brasileira (por Antonio Eduardo Alves
de Oliveira, Professor Ciências Sociais UFRB / Fonte: APUR).
Imagem: Charge de João da Silva.