Sob
o signo de Áries nasceu a cidade de São Salvador da Bahia. Sua fundação se deu
pelo comando do português Tomé de Souza, primeiro Governador-Geral do Brasil, que
aos 29 de março de 1549 aportou na antiga capitania do donatário Francisco Pereira
Coutinho, devorado pelos indígenas da Ilha de Itaparica num ritual
antropofágico. Salvador extrapolou os muros da antiga fortaleza que lhe deu
origem para se esparramar por entre morros, vales e pradarias, fincando suas
raízes num imenso e belo sítio. Ao longo da sua história, enfrentou a toda
sorte de intempéries; das invasões estrangeiras às revoltas e rebeliões passageiras,
passando por escandalosos descalabros político-administrativos, que lhe
marcaram com profundas e horrendas cicatrizes. Ainda assim, sua beleza e seus
encantos resistiram e chegaram aos nossos dias com alguma altivez. Não sabemos,
porém, se ela resistirá a tanta estupidez. Mas como hoje é dia de comemorar, o
Salvador na sola do pé traz o Poema Falado intitulado “Sete Poemas” (VII), da escritora
soteropolitana Myriam Fraga, para homenagear os 464 anos de existência desta
cidade tão progressista, moderna e contraditória que se chama SALVADOR, capital
da Bahia. Boa áudio-leitura (por Silvio
Benevides).
SETE POEMAS (VII)
Myriam Fraga
Caminhos,
encruzilhadas,
Becos,
vielas, quebradas,Ladeiras que se despencam,
Caminhos que se bifurcam,
Beijo salobro das praias,
Beijo doce das nascentes,
Brejos, diques, atalaias...
Uma
cidade é como gente
Que
se alisa e maltrata,Como uma fêmea deitada
Que o amante navega e sente...
Assim
se fez de meu sangue
Esta
cidade encantada,Este burgo, esta alimária
Como uma fera empinada,
Esfinge que espia o Outro
Surgindo da encruzilhada...
Me devoras, te devoro,
No fim não restará nada.
Só
a sombra na parede,
Somente
o nó da laçada,Ou melhor:
Resta o que resta,
A tua boca de brasa,
O sinal desta passagem
Como uma gesta tatuada.
Como
um vendaval de açoite,
Vento
sul de madrugada.
Resta
a poesia nascendo
De
tua língua danada, Resta o poema crescendo
Como flor e como espada,
Resta
o que resta, restolho,
Que
de mim não restou nadaAlém do verso e da mágoa.
Imagem: Nilton Souza