quinta-feira, 29 de março de 2012

Parabéns Salvador! Mais uma vez e sempre!!

Salvador está a completar 463 anos de existência nesta quinta-feira, 29 de março. Fundada por Tomé de Souza em 1549, a capital da Bahia nasceu sob o signo de Áries, primeiro signo do zodíaco, repleto de energia e luz. Aqueles cujo sol está em Áries nasceram para abrir caminhos, desvendar mistérios e realizar os mais impossíveis sonhos. O planeta que o rege é Marte, que nos traz força e energia para encarar as mais diversas situações. Isso explica o fato de um nativo de Áries estar sempre preparado para o que der vier e se caracterizarem pela espontaneidade e por uma energia que é puro impulso, marcada por um forte anseio por existir, assim como, por uma tendência a realizações instantâneas, pois vive sua vida no agora. Assim é Salvador, uma cidade que, embora tenha sido planejada em seus primórdios, hoje, vive de realizações instantâneas, presa ao presente, pois, devido às sucessivas décadas de descaso e descalabro político-administrativo, não consegue vislumbrar um futuro de brilho intenso, já que seu presente parece ser um eclipse sem fim. Mas mesmo os eclipses não duram para sempre. Sendo o primeiro signo do zodíaco, Áries é aquele que abre os caminhos e quem sabe aí os soteropolitanos não devam depositar suas esperanças. Áries marca o início do ano solar. Salvador marcou o início do nosso processo colonizador, o início da formação de um povo que hoje se chama brasileiro. Por conta disso, parabenizo sempre Salvador, minha cidade, chão onde meu umbigo foi enterrado, porto a partir do qual construí minha visão de mundo, horizonte onde aprendi a apreciar o belo, sítio sobre a qual aprendi a ser, simplesmente, pedaço de mundo regido por Áries como eu (por Silvio Benevides).

Imagem: Boris Vallejo

quarta-feira, 28 de março de 2012

Na Bahia nem tudo é baixaria

Na última terça-feira, 27/03, foi aprovado na Assembleia Legislativa da Bahia o Projeto Antibaixaria, como ficou conhecido o Projeto de Lei 19.237/2011, de autoria da deputada Luiza Maia (PT). Segundo fontes da própria Luiza Maia, após a aprovação do projeto, a deputada petista anunciou que percorrerá o Estado para que medidas semelhantes sejam regulamentadas nos municípios. “A luta não terminou, temos que estender esse debate para todos os cantos”, afirmou.

Segundo o jornalista Lucas Figueredo, a luta da deputada deve continuar porque ocorreram alterações no projeto original, a exemplo da “limitação do uso de recursos e a retirada do artigo que previa a proibição das danças e coreografias das músicas consideradas depreciativas à imagem feminina. A alteração foi proposta pelo deputado Paulo Azi (DEM), que se justificou dizendo que ‘alguns deputados consideram que o PL extrapola ao incluir as danças e coreografias’. A proposta foi votada e obteve 42 votos favoráveis e 11 contrários. Luiza Maia lamentou a alteração no projeto, mas afirmou não haver problemas. ‘Uma hora temos que ceder. Eu votei contra, mas eles venceram. O machismo é muito forte’, comentou”.

O projeto aprovado pelos deputados baianos é um dispositivo que visa tão somente impedir que o dinheiro público, cujo destino deve contemplar causas nobres como educação e saúde, por exemplo, seja utilizado para patrocinar a baixaria (para ser eufemisticamente generoso) perpetrada por supostos “artistas”, que utilizam os palcos para disseminar a violência, o preconceito e, também, a desmoralização de minorias sociais, especialmente as mulheres. A aprovação do projeto pelo legislativo veio em boa hora. O que antes poderíamos classificar como mero mau gosto, extrapolou todos os limites do bom senso e se transfigurou em grotesco. E o grotesco não tem nenhuma relação com brincadeira ou com a cultura popular, como apregoam alguns antropólogos imbecis. Tampouco significa censura ou cerceamento da liberdade de expressão, uma vez que esses supostos “artistas” continuarão livres para se expressarem do jeito que lhes aprouver, só que dessa vez sem o dinheiro público do Estado, oriundo do trabalho árduo de todos nós. Quem sabe esse não seja o primeiro passo para nos recuperarmos da decadência na qual nos encontramos. Parabéns, deputada Luiza Maia, pela iniciativa (por Silvio Benevides).

Imagem: Michel Dória

A homofobia por Luiz Mott

O antropólogo e historiador Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB) deu uma entrevista exclusiva para o Bahia Notícias a respeito dos números que colocam Salvador no primeiro lugar no pódio quando o assunto é assassinato de homossexuais em 2012. No bate papo, Mott critica ainda a segurança pública como um todo no estado e rebate aos que criticam as estatísticas com o argumento de que nem todos os crimes contra homossexuais são motivados por homofobia. “Quando as feministas divulgam os dados de agressão à mulher alguém questiona?”, pergunta. Sempre polêmico, Mott ainda responde à questão: “Você prefere ter um filho homofóbico ou ladrão”? (por James Martins e Andrei Amós)

Imagem: Marcus Gêmeos

terça-feira, 27 de março de 2012

Poema Falado: LUA ADVERSA

No mês de março, quando tudo principiou, o POEMA FALADO traz o texto da sempre magnífica Cecília Meireles intitulado LUA ADVERSA. Trata-se de um poema que retrata as contradições humanas como um dado intrínseco à natureza humana dos seres humanos. Natureza esta repleta de fases como de fases é repleta a natureza da lua. Desde a primeira vez que li este poema, logo me identifiquei, pois como já escreveu outro poeta magnificamente eterno, o Walt Whitman, “sou amplo, contenho multidões”. E tais multidões por vezes se estranham, gerando conflitos, por vezes se irmanam em profunda harmonia. E é para celebrar as multidões multifacetadas que dentro de mim habitam, que trago o maravilhoso poema da não menos maravilhosa Cecília Meireles. Eis o texto: “Tenho fases, como a lua / Fases de andar escondida, / fases de vir para a rua... / Perdição da minha vida! / Perdição da vida minha! / Tenho fases de ser tua, / tenho outras de ser sozinha. // Fases que vão e que vêm, / no secreto calendário / que um astrólogo arbitrário / inventou para meu uso. // E roda a melancolia / seu interminável fuso! / Não me encontro com ninguém / (tenho fases, como a lua...) / No dia de alguém ser meu / não é dia de eu ser sua... / E, quando chega esse dia, / o outro desapareceu...” Boa áudio-leitura! (por Silvio Benevides)

Imagem: Rick Baldridge

terça-feira, 20 de março de 2012

E se fosse seu filho?

Oi, meu nome é Cristhiano Teixeira, tenho 15 anos e estudo na Escola Estadual Onofre Pires em Santo Angelo – RS. Comecei a estudar lá esse ano no primeiro ano do ensino médio, desde que comecei a estudar lá venho sofrendo bulling por quase toda a turma e inclusive por parte de alguns professores, quando perguntei a minha professora de geografia porque ela não fazia nada enquanto eu sofria agressões verbais ela disse “a aula é uma democracia”, eu venho sendo agredido desde que me assumi gay, alguns alunos estavam simulando sexo oral e anal em um ursinho de pelúcia e me chamando de viado, viadinho, gayzinho, chupa rola, pau no cú entre todas as ofensas posiveis, e hoje durante a aula de física um colega de classe veio me xingando e perguntando se eu queria apanhar porque era viado, e eu respondi: eu não tenho medo de você, e na saída ele disse “se você não tem medo de mim, vai levar facada pra aprender”, no final da aula eu falei pra minha professora pra ficar um tempo a mais durante a aula, ela nem fez conta, eu não levei a serio, e sai da escola normalmente fiz uma menção a ficar mais tempo pra ajudar a professora (mas ela me ignorou e fez que não ouviu), eu sofri bulling na outra escola que eu estudei pelo mesmo motivo CORAGEM DE DIZER QUEM SOU, na saída ele veio em minha direção e gritou VOCÊ NÃO TEM MEDO DE MIM! e fez que ia tirar uma faca do bolso e eu peguei uma lapis da minha mochila pra me defender (agora eu percebi que foi uma ideia idiota), ele deu uma rasteira e me derrubou no chão (era no asfalto) e quebrou meu lapis, depois ele me segurou e começou a me chutar e a me dar socos, metade da turma viu e ninguem fez nada, isso foi de dia a tarde e no centro, muita gente viu e saiu do comercio pra me ajudar e para separar a briga (não sei se fariam o mesmo se soubessem o que eu sou) a diretora estava chegando e ela viu eu apanhando e ela me ajudou (tem professoras que são legais, mas tem algumas que são maldosas) ela me acudiu e também outras professoras do turno da tarde (que não sabiam que eu era gay) viram e me ajudaram, e me levaram para delegacia para eu fazer B.O eu cheguei muito assustado e nem disse que eu sou gay (SEI QUE TALVES SE EU TIVESSE DITO NINGUEM TERIA DADO ATENÇÃO), cheguei lá chorando e humilhado, eu tenho medo que aconteça alguma coisa comigo, eu queria que alguém me ajudasse! antes que eu virasse mais nas estatísticas de LGBT mortos, as vezes eu sinto que ninguém gosta de mim e que a unica solução pra mim é me matar, POR FAVOR ALGUEM ME AJUDA”!

O depoimento acima, enviado para o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, foi escrito por um jovem de 15 anos, constantemente agredido por seus colegas, assim como, pela omissão de seus professores, pelo simples fato de ter coragem e honradez de assumir quem de fato é, ou seja, homossexual. Enquanto o governo federal cede à pressão de parlamentares fundamentalistas religiosos e tantos outros insistem em dizer que homofobia não existe, ou, ainda, não passa de um exagero de militantes gays, inúmeros adolescentes brasileiros pensam em suicídio, ao passo que outros tantos são estupidamente assassinados, como foi o caso do Alexandre Ivo. Quantos mais precisarão morrer para que o Executivo e o Legislativo federais entendam que a homofobia, seja nas escolas ou nas ruas, é um mal que ameaça a sociedade brasileira e não apenas a população LGBTT? (por Silvio Benevides)


Imagem: Ricardo Lucchiari

NOTA OFICIAL DA ABGLT - MINISTRO MERCADANTE: O COMBATE À HOMOFOBIA TAMBÉM SE FAZ COM MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO NAS ESCOLAS

A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que agrega 257 organizações congêneres em todo o Brasil e possui status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, em vista das declarações do Ministro de Educação, Aloísio Mercadante, sobre os materiais didáticos do Projeto Escola Sem Homofobia, de que os mesmos “não vão resolver a homofobia”, vem a público declarar:

1. Uma das prioridades de trabalho da nossa associação e seus grupos afiliados é combater a homofobia nos ambientes escolares, lutando por políticas públicas que estimulem o respeito à diversidade sexual nas escolas e enfrentem o grave problema do bullying homofóbico.

2. O projeto Escola sem Homofobia surge nesse contexto, na abertura de diálogo com o Governo Federal para começar a incidir concretamente na questão da homofobia na educação. O projeto é amplo – com produção de material didático, pesquisa, seminários, formação de rede, sensibilização de educadores, e foi vítima de ataques absurdos de setores fundamentalistas religiosos.

3. Infelizmente, o Governo Dilma vem cedendo cada vez mais às pressões desses setores religiosos homofóbicos e tem representado um lamentável retrocesso na construção de políticas públicas de combate à homofobia e de afirmação e reconhecimento dos direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

4. A atitude da Presidenta Dilma Rousseff ao vetar os materiais didáticos e pedagógicos do Projeto Escola Sem Homofobia em maio do ano passado, somada às suas infundadas declarações sobre “propaganda de opções sexuais”, revelam absoluto desconhecimento do tema e provocaram não apenas um prejuízo no desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento à homofobia no campo da educação, como também estimularam o recrudescimento da onda fundamentalista religiosa e da violência homofóbica em nosso País. A este respeito convém enfatizar que, segundo os dados recolhidos pelo Grupo Gay da Bahia, uma pessoa é brutalmente assassinada no Brasil a cada 36 horas por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.

5. É óbvio que apenas a produção de materiais didáticos e pedagógicos não “resolvem” o problema da homofobia nas escolas, pois o enfrentamento desta questão exige transformações estruturais na educação e apontam, por exemplo, pela formação inicial e continuada de educadoras e educadores. Para tal, o Ministro Mercadante e o Ministério da Educação precisam assumir um posicionamento político, firme e inequívoco, que expresse um real compromisso com os Direitos Humanos e os princípios democráticos de liberdade, igualdade e não-discriminação inscritos em nossa Constituição Federal, cumprindo seu papel de proporcionar aos estudantes LGBT, em especial as/os estudantes travestis e transexuais, um ambiente de aprendizagem seguro, sem o qual é impossível estar numa sala de aula.

6. A questão dos materiais, para além da celeuma artificialmente produzida pelos conservadores, é apenas o início de um processo que deveria ter continuado, de construção de políticas educacionais para enfrentar a homofobia. Além disso, a ausência destes materiais acaba fazendo com que as/os muitas/os educadoras/es que já estão sensibilizados em favor da causa do respeito à diversidade sexual nas escolas se vejam sem instrumentos para trabalhar neste sentido. Pior ainda: a atitude do Ministério da Educação ao paralisar o projeto e qualquer outra ação de combate à homofobia provoca estigma sobre esse tema, causando ainda mais dificuldades para inserção do debate sobre o respeito à diversidade sexual nas escolas brasileiras.

7. E este quadro, como bem deve saber – e se não souber é bom que se informe – o Ministério da Educação (MEC) corrobora com as humilhações e agressões verbais e físicas sofridas cotidianamente por milhares de crianças e adolescentes nas escolas brasileiras baseadas na intolerância à diversidade sexual. A omissão do MEC o torna corresponsável por essa situação de homofobia que assola o ambiente escolar.

8. A ABGLT lamenta profundamente as equivocadas declarações do Ministro Aloísio Mercadante e manifesta sua indignação com mais esta atitude de homofobia institucional do Governo Dilma Rousseff, cuja credibilidade para as políticas públicas de proteção da população LGBT parece estar a ponto de se esgotar por completo e ressalta que esse será o norte de nossa III Marcha Nacional Contra a Homofobia a ser realizada no próximo dia 16 de maio, em Brasília, quando será cobrada a conta de centenas de mortes e outras formas de violências praticadas contra milhões de brasileiras e brasileiros, em decorrência de sua orientação sexual e identidade de gênero.

segunda-feira, 12 de março de 2012

“Salvador é cheia de mistérios a decifrar”

Conheci a Jussilene Santana por meio da Agnes Mariano. Numa tarde de domingo a Agnes me ligou perguntando se era do meu interesse levar minha turma de estudantes para ver a peça Shopping and Fucking, em cartaz no teatro Molière, da Aliança Francesa. Perguntei a ela sobre o que tratava a peça. Ela me disse por alto e me passou o telefone da Jussilene para maiores informações. Liguei para ela. Tudo explicado, fui ver o espetáculo. Gostei. Levei, então, minha turma. Depois disso, a Jussilene Santana, junto com o produtor e os demais atores do elenco, foi à faculdade onde trabalhava para discutir a temática do espetáculo com os estudantes. Daí em diante passei a acompanhar a carreira dessa admirável atriz e, também, pesquisadora brilhante. No último 31 de janeiro fui vê-la atuando em outra frente. Foi a apresentação da sua tese de doutorado, que, como não podia deixar de ser, foi magnificamente defendida. Intitulada Martim Gonçalves: Uma Escola de Teatro contra A Província, a tese se constitui em um trabalho essencial para se entender a sui generis modernidade baiana, pois visa revelar as razões que levaram a elite soteropolitana a iniciar uma violenta campanha contra o então diretor da Escola de Teatro da UFBA, um homem com um projeto modernizador para as artes e a cultura baiana, mas que em determinado momento deparou-se com uma forte oposição, que acabou por fazê-lo sair da Bahia para morar no Rio de Janeiro. Por gostar de divulgar o trabalho e a atuação das pessoas a quem admiro, resolvi reproduzir neste espaço a entrevista que a Jussilene Santana concedeu à Revista MUITO do Jornal A Tarde, onde explica com maiores detalhes para a repórter Cássia Candra, autora do texto abaixo, do que trata sua tese (por Silvio Benevides).

O teatro arrebatou a pesquisadora?
Desde que entrei no ambiente cultural baiano, fiz as duas coisas, jornalismo e teatro. Venho de uma família muito humilde. Meu pai saiu do interior para vender farinha, frutas e verduras em um pequeno comércio em São Caetano. Sempre estive nessa posição de ter que trabalhar, mas minha mãe me incentivava a estudar. Eu tinha sonhos, sonhos impossíveis para uma menina de São Caetano. A Escola Técnica (atual IFBA) foi um atalho, abriu meus olhos para a cidade. Depois, veio a escolha pelo jornalismo e, simultaneamente, o teatro.

E o interesse por Martim Gonçalves?
Sempre ouvi falar em Martim Gonçalves. Extremamente mal e extremamente bem. Era o herói que havia trazido a vanguarda para a Bahia ou o vilão, um reacionário que trabalhava apenas com teatro clássico ocidental e queria empurrar um gosto colonizador a Salvador. Nunca consegui entender o meio-termo.

Foi isso que a levou à pesquisa?
Sim. Ouvi muita gente que viveu, estudou, trabalhou ou assistiu Martim Gonçalves e fui colhendo informações. Quando entrei no mestrado, sobre a cobertura do jornalismo baiano, orientada por Albino Rubim, hoje secretário da Cultura, vi a campanha contra Martim ser executada pelos jornais baianos. Quando veio para a Bahia, ele foi acolhido por uma elite cultural – e veio por conta dessa elite –, mas, por uma série de motivos que estudo, ele se desentende com essa elite, que depois faz uma campanha política para afastá-lo.

Em suas andanças pelos arquivos, o que mais chamou sua atenção?
Para um pesquisador, Salvador é cheia de mistérios a decifrar. Há possibilidades de pesquisas com as quais me deparei e que não pude dar conta. Por exemplo, a influência de Odorico Tavares, diretor dos Diários Associados na Bahia, entre 1942 e 1980, na formação da mentalidade e da figura política de ACM. Também chama a atenção o fato de não haver uma pesquisa que decifre as contas da Ufba na administração Edgard Santos. Esse reitor caiu, em grande medida, por seus apoios financeiros, que a intelectualidade baiana não entendia ou não queria aceitar. Até hoje, isso não foi investigado. Nas pesquisas que fiz, vi os jornais baianos se constituindo como atores sociais, determinando a direção das instituições, apoiando, ou não, seus líderes e promovendo muita mentira, inverdades que, pelo ambiente da época, não foram checadas, mas que determinaram o que somos hoje.

Essas informações vão permitir reconstruir aquele panorama.
Sim, e reconstruir o panorama cultural dos anos 1950 e 1960 é crucial para entender a Bahia de hoje. A Ufba foi criada em 1946, mas a relação dela com as artes, aclamada e reconhecida, foi estabelecida entre 1954 e 1956, (com a criação das escolas de arte), com a criação do Museu de Arte Sacra, (em 1959), com a criação do MAM, em 1960, e do MAP, 1963. Minha pesquisa revela que a Escola de Teatro comanda (apoia/direciona) a criação das maiores instituições culturais baianas ainda hoje em ação, (sobretudo através da transferência de verbas e serviços), quebrando a ideia de que Martim Gonçalves, o seu primeiro diretor, era alienado, alheio ao que se passava em Salvador.

Ele orquestrou uma revolução?
Sem dúvida. Apoiado por muitos outros atores sociais, como Lina Bo Bardi, Agostinho da Silva e Pierre Verger. Mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma carta de Lina dizendo que a famosa exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo, de 1959, não tinha sido organizada por ela, como os jornais baianos estavam dizendo. Ela veio a público – no meio da campanha contra o diretor da Escola de Teatro – com essa carta, onde dizia: “Essa exposição foi pensada, planejada e organizada por Martim Gonçalves”. E explicava que sua participação foi mais no aspecto arquitetural, de disposição das peças. Não corrigir isso, segundo ela, poderia ocasionar um grave equívoco para a formação da memória do Estado (e foi o que infelizmente acabou acontecendo).

Até onde poderemos chegar investigando esta história?
Eu aponto mais ou menos 18 novos estudos que precisam ser realizados a partir das questões que levanto, da documentação que apresento. A Bahia que conhecemos hoje foi criada nesse período. E essas instituições, todas, em seus primórdios, tem relação com a Escola de Teatro.

O que poucos sabem sobre Martim Gonçalves e a Escola de Teatro?
Eu tinha a ideia do Martim Gonçalves adepto de estrangeirismo. Mas descobri um homem que tinha uma relação ampla com a cultura autóctone, baiana, brasileira. A grande novidade trazida pela minha tese, porém, é que há fortes indícios, documentos e declarações de que Martim, embora tivesse o apoio de Edgard Santos, tenha ido longe demais em sua independência com a Escola de Teatro. Nos anos 1960, os anos áureos da escola, ele fez um projeto e recebeu 28 mil dólares da Fundação Rockefeller – na época, um milhão e seiscentos mil cruzeiros (uma geladeira custava 100 cruzeiros).

Como era a cena na época?
Antes da chegada de Martim, existiam alguns grupos amadores (os números são muito divergentes e, até hoje, não foi feita uma pesquisa específica sobre isso). Eram amadores, e isso não é um demérito. E é isso que é preciso esclarecer, no que depois vai se construir sobre Martim. Porque muito se disse que Martim disse, exatamente depois do caos informativo realizado pelas campanhas. No fim da administração Martim Gonçalves, ele pediu que a reitoria abrisse uma comissão de investigação sobre sua administração e foi inocentado.

E o resultado dessa Comissão de Investigação nunca foi divulgado?
Nunca.

Qual a herança desse período para a cena teatral baiana?
Ficou toda a obra, só que a autoria jamais foi associada a Martim Gonçalves ou a ideia ou o apoio. Não estou falando de intelectuais de pouco fôlego. Eles não eram marionetes de Martim. Uma pessoa como Lina Bo Bardi, uma arquiteta, pensadora, ou como Pierre Verger... Eles dialogaram, foram acolhidos, foram incentivados. Pesquisadores de Agostinho da Silva, criador do Ceao, me mandaram cartas (e eu também descobri), em que ele pede apoio a Martim Gonçalves para interceder junto ao reitor Edgard Santos. Isso foi na virada de 1958 para 1959, antes da criação do Ceao. A obra continuou, mas os bastidores do processo, por conta da campanha e das rixas políticas, jamais foram associados a Martim Gonçalves.

Sua pesquisa aponta para vários caminhos. Você pensa em dar continuidade ao trabalho com Martim Gonçalves?
Tenho um acervo doado pela família, uma responsabilidade absurda. Esse acervo deve ter ficado fechado por 50 anos e, agora, ter sido aberto por mim é menos um mérito meu que um demérito a qualquer outro pesquisador. Preferimos, como sociedade organizada, ficar no disse me disse, não só com relação à história de Martim Gonçalves na Bahia, como a outras tantas em outras áreas. Quem vai ser o pesquisador, jornalista ou quem quer que seja que vai investigar as 238 escutas ilegais realizadas pelo carlismo? Eu passo a bola para outro pesquisador, porque tenho que continuar meu destino.

E qual é o seu destino?
Vou com Martim Gonçalves por onde ele for. Ele foi para São Paulo, Olinda, Recife, Nova York, Paris, e eu quero ir atrás dele, porque ele é um homem muito corajoso. Depois dessas descobertas, ele não pode voltar a receber a pecha simplória de que era um alienado. Ele era um homem independente. A Bahia tem o costume de confundir a alienação com a independência, a autoridade com o autoritarismo. E de confundir a relação mestre-aprendiz com a relação protetor-afilhado. São coisas bem diferentes. Que loucura é essa colocada dentro do imaginário do teatro baiano de que o Teatro não tem técnica? Isso é um desserviço! E se hoje me perguntam por que a cidade virou um caos, por que a cultura baiana virou um caos, só posso responder que é uma questão histórica. Se parássemos agora para reconstruir o futuro, precisaríamos antes esgotar esse lixão sobre o qual construímos a nossa memória. Não dá para construir o imaginário de Salvador em cima de um lixão. Não dá para construir em cima da desgraça, da velhacaria, da politicagem da pior espécie. Todas essas práticas continuaram numa relação política de comunicação que vem do carlismo, puxando do odoriquismo (Odorico Tavares). Eles eram coligados. Um passou suas técnicas para o outro (e minha tese defende que as técnicas são as mesmas que ainda são empregadas hoje, é a nossa “cultura política”).

Você mergulhou na pesquisa, mas é uma atriz premiada, no teatro. Como está a carreira de atriz no meio disso tudo?
Entre 2007 e 2008, quando eu estava escrevendo menos a tese, consegui participar de três filmes lançados só agora.

O que te leva por esses caminhos?
São os convites. Sempre me considerei uma comunicadora, uma pessoa que se comunica por meio da arte, do discurso objetivo ou da dramaturgia. E tenho muita sede, muitos projetos guardados. Gosto de escolher os meus convites.

Você falou desta “sede”, não dá para imaginar como concilia carreira acadêmica, arte e maternidade.
Há dias em que praticamente não durmo. Por exemplo, 2010 e 2011 foram uma selvageria. Com esta tese de doutorado tão grande, nem sei como não esqueci meu nome (por Cássia Candra).

Imagem: Patrícia Carmo

segunda-feira, 5 de março de 2012

Aniversário de Cachoeira: 175 anos

Cachoeira nasceu às margens do Rio Paraguaçu, no século XVI, quando os engenhos de cana de açúcar começaram a ser instalados na região do Recôncavo. Antes da colonização, era habitada por tribos indígenas. Seu desenvolvimento teve início a partir da primeira metade do século XVII. Esta evolução está vinculada aos colonizadores Paulo Dias Adorno e Rodrigues Martins, donos da terra em que fora assentada a povoação que deu origem a cidade. O entorno da atual capela de Nossa Senhora d'Ajuda, construída no engenho da família Adorno sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, é considerado o marco inicial da povoação, que em 1674, foi convertida em freguesia. Em 1698, a então freguesia alcança a categoria de vila com denominação de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Com a expansão da economia açucareira e da atividade comercial, a vila prosperou principalmente nos séculos XVII e XVIII, quando se construíram belas casas, igrejas e conventos, valiosas peças da arquitetura da influência barroca.

Graças à sua localização privilegiada, na fronteira entre as regiões do Recôncavo e Sertão, atingiu expressiva prosperidade. Para ela, convergiam duas importantes vias: A Estrada Real do Gado, que atingia a zona de criação de gado e as barrancas do rio São Francisco, e a estrada das Minas, partindo da vizinha São Félix se dirigiam à Chapada Diamantina, Minas e Goiás. Como ponto de transbordo das vias fluvial e terrestre transformou-se em empório de uma vasta região. Durante o século XVIII, experimentou grande desenvolvimento, quando era alto o preço do açúcar e abundante o ouro do Rio de Contas.

Já consolidada como vila de maior importância da Província. Cachoeira projetou-se também na história política do Brasil. pelas lutas da Independência da Bania. em 1822. Antes da consolidação da Independência da Bania, o povo da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira do Paraguaçu, levantou-se contra jugo português, e no dia 25 de Junho de 1822 declara-se território livre do Portugal, aclamando Dom Pedro, Príncipe Perpétuo Regente do Brasil.

Em 13 de março de 1837, por meio de decreto provençal, Cachoeira foi elevada à categoria de cidade com a denominação de Heróica Cidade da Cachoeira – Lei Nº 43, assinada pelo então presidente da Província da Bahia, Francisco de Souza Paraízo. Pelo seu conjunto arquitetônico e paisagístico, recebeu o título de Monumento Nacional, por meio do Decreto Presidencial Nº 68.045 de 18 de janeiro de 1871 (Fonte: UFRB).

Imagem: Câmara Municipal da Cachoeira