terça-feira, 29 de novembro de 2011

Samba de roda, patrimônio da humanidade

No último dia 25 de novembro, comemorou-se o dia internacional do samba de roda. Mais que uma manifestação cultural baiana, o samba de roda é uma expressão musical, coreográfica, poética e festiva das mais importantes e significantes da cultura brasileira. Presente em todo Estado da Bahia, ele é especialmente forte, e em todo caso melhor conhecido, na região do Recôncavo, a faixa de terra que se estende atrás da Baía de Todos os Santos. Seus primeiros registros, já com o nome e com muitas das características que ainda hoje o identificam, datam dos anos 1860.

Desde estes registros já se testemunhavam a ligação do samba de roda às tradições culturais transmitidas por africanos escravizados e seus descendentes. Tais tradições incluem, entre outros, o culto aos orixás e caboclos, o jogo de capoeira e a chamada “comida de azeite”. A herança negro-africana no samba de roda se mesclou de maneira singular a traços culturais trazidos pelos portugueses, como instrumentos musicais (viola e pandeiro, principalmente) e a própria língua portuguesa com elementos de suas formas poéticas. Esta mescla, assim como outras mais recentes, não exclui o fato de que o samba de roda continua a ser um patrimônio definido, sobretudo, por afro-descendentes, que se reconhecem como tais.

O samba de roda pode ser realizado em associação com o calendário festivo, caso, entre outros, dos sambas de roda de São Cosme e Damião (setembro), do samba da Boa Morte em Cachoeira (agosto) e de sambas em “toques” para caboclos em terreiros de candomblé. Mas pode, também, ser realizado a qualquer momento como uma diversão coletiva pelo prazer de sambar. Possui inúmeras variantes que podem, grosso modo, ser divididas em dois tipos principais: O “samba chula” (mais típico na região de Santo Amaro e, cujo similar, na região de Cachoeira chama-se de “barra-vento”) e o “samba corrido”. No primeiro ninguém samba enquanto os cantores principais estão “tirando” ou “gritando” a “chula”, nome dado a parte poética desse tipo de samba. A chula é seguida pelo “relativo”, resposta coral cantada, sobretudo, pelas mulheres. Quando termina a parte cantada, samba só uma pessoa de cada vez no meio da roda e apenas ao som dos instrumentos e das palmas, com destaque para o ponteado feito na viola. A viola típica da região de Santo Amaro é chamada de “machete” (substantivo masculino, pronuncia-se com o “e”do meio fechado “machête”) e tem dimensões reduzidas, sendo um pouco maior que o cavaquinho. Na coreografia o gesto mais típico é o chamado “miudinho”. Executado, sobretudo, da cintura para baixo, consiste num quase imperceptível deslizar para frente e para trás dos pés colados ao chão com movimentação correspondente dos quadris. No samba corrido o canto é mais tipicamente responsorial, alternando-se rapidamente entre um ou dois solistas e a “resposta” coral dos participantes. A dança acontece ao mesmo tempo em que o canto e várias pessoas podem sambar de cada vez.

Em 25 de novembro de 2005 o samba de roda do Recôncavo Baiano foi incluído pela UNESCO na terceira declaração das obras-primas do patrimônio oral e imaterial do Brasil (compilação realizada por Wilson de Jesus Souza).


Imagem: Selo postal comemorativo com ilustração realizada por Anderson Moreira Lima

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Tortura contra mulheres lésbicas no Equador

O mundo está finalmente abrindo os olhos para uma situação horripilante no Equador, onde a população LGBT e grupos de direitos das mulheres estão denunciando há muitos meses a existência de clínicas ilegais no Equador, que estão mantendo em cativeiros mulheres para serem estupradas, torturadas, violentadas e privadas de água e comida, pelas mãos dos chamados “profissionais de saúde ou cuidadores”. O por quê disso? Para curá-las da “doença” que é ser lésbica.

Enquanto o Governo do Equador mostrou ter fechado mais de 30 clínicas nos últimos meses, ativistas afirmam que ainda há mais de 200 clínicas como estas em todo o país, mantendo em cárcere privado centenas de mulheres contra a sua vontade. Muitas pessoas, a maioria mulheres, ainda estão correndo risco.

Estas clínicas que “curam os gays” ainda existem em várias partes do mundo, apesar de não terem nenhum reconhecimento por parte da comunidade psiquiátrica e associações médicas internacionais, tendo estas inclusive afirmado que as clínicas podem prejudicar a saúde das pessoas. Há algumas semanas atrás, uma jovem no Equador disse à imprensa que ficou presa em uma das clínicas por muitos meses, sendo abusada sexualmente e com seguranças jogando água e urinando sobre o seu corpo. Finalmente, com a ajuda da sua mãe, ela foi libertada.

Muitos pais e mães forçam jovens a um regime de “quarentena” nestas perigosas clinicas, mas o fato é que elas são ilegais. O Equador recentemente aprovou uma constituição progressista que apóia os direitos dos gays, incluindo, uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. O país também possui leis robustas para punir a violência contra as mulheres. Mas mesmo com as penalidades previstas em seus códigos essas perigosas clínicas ainda se mantêm.

Ativistas no Equador e os seus parceiros na Change.org tem enviado petições ao Ministro da Saúde para fechar estas clínicas. Mas a responsabilidade para tomar alguma providência também é daquele que foi eleito por meio do voto para que se mantivesse o estado de direito no país – o Presidente Rafael Correa. Divulgue esta carta para que o Presidente Correa saiba que a pressão internacional sobre este assunto é notória e crescente, e ignorar o que está acontecendo em seu país não irá resolver o atual problema.

Caso prefira, assine aqui a carta e nós vamos entregá-la diretamente ao Presidente do Equador, assim como o Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, exigindo que estas clínicas ilegais sejam fechadas de uma vez por todas. Se o Presidente Correa, um líder que construiu a rua reputação com base em ideais progressistas, souber que existe uma comunidade internacional que está de olho no Equador, ele tomará uma providência CLIQUE AQUI: www.allout.org/pt/ecuadorclinics (Fonte: All Out).


Imagem: Duncan Walker

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Nos embalos de Nossa Senhora D’Ajuda

Manhã de inverno mineiro em plena primavera baiana. Assim teve início o domingo que encerrou os embalos profanos da Festa D’Ajuda, em Cachoeira, Recôncavo da Bahia. Trata-se de uma festa única, bem ao estilo de um povo que sabe misturar com maestria chuva, suor, cerveja, sensualidade, devoção e simpatia sem adicionar a esta mistura nenhuma pitada de dramas psicanalíticos.

O domingo de embalo foi precedido por uma noitada agitada pelo mais autêntico e contagiante samba de roda do Recôncavo baiano. Samba que faz o sangue borbulhar e o corpo remexer mesmo que estejamos na roda não para quebrar, mas, sim, tão somente para apreciar. Samba que ensina a viver quando nos diz em alto e bom som: “eu hei de morrer cantando porque chorando eu nasci”. E foi assim até alta madrugada.

Por volta das cinco da manhã, com o dia ainda escuro por conta do horário de verão e da forte cerração que a tudo encobria, o samba de roda cedeu lugar ao animado embalo. O que se viu, então, foram as ruas da cidade serem tomadas por uma multidão de homens, mulheres, negros, brancos, pardos, velhos, jovens, crianças, turistas, rastas, jornalistas, professores, maconheiros, gays, lésbicas, sem-terra, sem-teto, feministas a ostentarem seus slogans de protesto, barbies desinibidas e outras tantas enrustidas, piriguetes assumidas, travestis e travestidos a desfilar suas fantasias de índios, pierrots apaixonados, joaninhas, hippies safados, árabes, bruxas, enfermeiras, melindrosas bem formosas, cangaceiras bem ruidosas, bebês fanfarrões, diabos valentões, caretas, chocolates Biss ambulantes, super-heróis flamejantes, Fred Flintstone sem a Vilma, vampiros, operários do DNIT, noivas e noivos em delírio, padres e afrodites. Até mesmo o casal Sherk e Fiona, assim como, os irmãos Super Mário e Luigi apareceram na festa, acompanhados da Amy Winehouse ressuscitada. Do mesmo modo compareceram os Filhos de Gandhy ao lado de nobres oriundos do carnaval de Veneza. É claro que não faltaram as personagens principais dessa onírica festa, os famosos e divertidos MUNDUS, sempre seguidos pelos elegantes CABEÇORRAS.

Toda a festa um ritual de prazeroso delírio, que seguia ao som da charanga rua acima, rua abaixo da histórica Cachoeira, a dissipar a cerração com o intenso calor de uma alegria esfuziante. Só me resta dizer, então, viva à Bahia! Viva ao Recôncavo da Bahia! E viva, especialmente, à comunidade de Cachoeira, que sabe como poucos se conectar ao mundo sem abrir mão de suas raízes, sua história, sua identidade! Oxalá isso não se perca em nome das drogas inúteis trazidas por uma modernidade cada vez mais vazia e insossa (por Silvio Benevides).

NOTA: A festa de Nossa Senhora D’Ajuda acontece na cidade de Cachoeira, Recôncavo baiano. Trata-se de uma tradição secular trazida pelos católicos portugueses. Os festejos misturam o sagrado e o profano, que dialogam de forma única nessa grande manifestação popular. O auge da festa acontece no Terno da Alvorada, quando cabeçorras, mandus (imagem ao lado) e mascarados se juntam aos foliões para brincar e folgar ao som de charangas integradas por músicos cachoeiranos desde as primeiras horas da manhã até o início da tarde. Ao anoitecer os católicos saem em procissão com a imagem de Nossa Senhora D’Ajuda. As primeiras manifestações dessa festa das quais se tem registro datam do século XIX. A festa tem um grande destaque na região por resgatar a cultura e a identidade local.
Imagens: Enéas Guerra (cartaz), Silvio Benevides e Fátima Pitombo (Mandus).

domingo, 6 de novembro de 2011

Poema Falado: O NAVIO NEGREIRO

O mês de novembro é considerado o Mês da Consciência Negra, pois foi no dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, que morreu o líder negro Zumbi dos Palmares, ícone da luta negra no Brasil contra a escravidão e a opressão dela decorrente. O Mês da Consciência Negra é também um período para reflexão. A escravidão pode fazer parte do nosso passado, mas o racismo, não. Mesmo que alguns insistam em dizer o contrário, a sociedade brasileira ainda está impregnada de idéias e valores racistas. E esse racismo que insiste em persistir tem suas origens, obviamente, no nosso passado escravocrata, passado este retratado nos versos de um dos maiores poetas românticos da língua portuguesa – e, também, abolicionista – o nosso Antônio Frederico de Castro Alves. Refiro-me ao magistral poema O NAVIO NEGREIRO, que pode ser contemplado no Poema Falado abaixo, mais uma vez na voz do magnífico Paulo Autran. O texto de Castro Alves pode ser acessado na íntegra no sítio DOMÍNIO PÚBLICO. Boa áudio-leitura! (por Silvio Benevides)

Não podemos fechar os olhos para a veracidade de nossa história. Esta é uma delas” (KellenFMS).



Imagem: Madeira e tijolo, por Miguel Aleixos