segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

E por falar em Obama...

Na semana passada o tema que dominou os noticiários foi a tão inexplicavelmente esperada posse do presidente estadunidense Barack Obama. Digo inexplicavelmente porque, na boa, não consigo entender todo o estardalhaço que se criou em torno dele. Até parece que ele é o super-homem (espero que não seja vulnerável a Kriptonita). Conheço gente que não marcou ou desmarcou compromissos na terça-feira, dia 20 de janeiro, só para ficar em casa assistindo pela TV a cerimônia de posse. E o verão rolando solto na capital da Bahia, como também os assaltos a coletivos, a dengue e os assassinatos de jovens nas periferias de Salvador. Dá pra entender?

Muito foi falado, comentado, debatido, discutido e especulado sobre o Osama, digo Obama, e sua futura gestão. Para mim, o Barack Obama representa apenas o tão esperado fim da famigerada era Bush (pé de pato, mangalô três vezes) e a ascensão de um povo que chegou aos Estados Unidos, e em tantos outros lugares das Américas, para trabalhar como escravo, sendo vítima de todo tipo de violência e humilhação, e hoje passa a ocupar o poder máximo da nação mais poderosa do planeta. É como se a vitória do Obama quisesse dizer: Racistas tremei! De hoje em diante vocês vão ter de engolir seu racismo estúpido! Isso é mais que ótimo. É simplesmente divino, maravilhoso. No mais, nada mais espero.

Dentre as inúmeras manchetes publicadas sobre o Barack Obama a que mais me chamou a atenção foi a da revista Época. Podia-se ler na capa: o mito e a realidade. Ora, fiquei a pensar por que opor mito e realidade? Se pensarmos direitinho, por vezes o mito é tão ou mais real que a própria realidade e esta, por sua vez, pode ser uma grande criação e/ou narração mítica (midiática, talvez, considerando os avanços tecnológicos dos nossos tempos). O fato é que mito e realidade se interpenetram. Não dá para dizer com precisão onde começa um e termina o outro. Imagino que a atual crise econômica e financeira que vem assolando os mercados mundiais tenha um pouco dessa característica. Crise há, sempre houve e haverá. Nenhum sistema econômico está imune às crises. A coisa é séria? Não duvido. O que eu questiono não é a gravidade do fato. Tampouco sua existência. Questiono sua origem. A origem dessa crise não é econômica. A origem dela é moral. A tirinha Calvin e Haroldo, do Bill Watterson, abaixo reproduzida, pode muito bem ilustrar a crise moral (que gerou a famigerada crise econômica) que o mundo e o capitalismo enfrenta atualmente. PARA LER CLIQUE NA IMAGEM.

E então? A crise é econômica ou moral? E quanto à era Obama? Ela, de fato, representa o início de uma nova moral? É esperar pra ver. A História não costuma ser condescendente com quem quer que seja. Esperemos, pois (por Sílvio Benevides).

Imagens: Caricatura de Barack Obama, autoria do Greg Halbert. Calvin e Haroldo, criação do Bill Watterson.

Informes culturais – divulgação

LANÇAMENTO DO LIVRO DE JUSSILENE SANTANA
SOBRE TEATRO E JORNALISMO NA BAHIA

No dia 05 de fevereiro, 17h, na Livraria LDM (Praça da Piedade), a atriz e jornalista baiana Jussilene Santana lançará o livro Impressões Modernas – Teatro e Jornalismo na Bahia, pela editora Vento Leste.

A obra, fruto da pesquisa de mestrado de sua autora, analisa a formação do teatro como temática na imprensa baiana em meados do século XX, nos jornais A Tarde e Diário de Notícias, e investiga as mudanças que ocorreram tanto no exercício do teatro, quanto na cobertura jornalística. O livro reúne informações jamais analisadas sobre o teatro baiano. Vale destacar, entre elas, a complexa compreensão do papel do primeiro diretor da Escola de Teatro da Ufba, Martim Gonçalves, para as artes cênicas. Além disso, traz reflexões sobre: a relação complexa e dinâmica entre a cena teatral na Bahia e sua cobertura; a configuração do espaço cênico no jornalismo baiano; as repercussões do modernismo teatral no estado e no país; as inovações editoriais ocorridas à época; a percepção de questões do teatro em moldes modernos e o surgimento de vozes/fontes que as representem na imprensa.

Para a realização deste trabalho, a autora resgatou e digitalizou mais de duas mil fotos e matérias jornalísticas sobre teatro, publicadas entre os anos de 1956 e 1961, trazendo à tona inestimável acervo que contribui de modo preponderante para a escrita da história cultural brasileira. O livro publica uma seleção de 27 imagens deste acervo. Nos periódicos estudados, textos, entre outros, de Walter da Silveira, Paulo Francis e Glauber Rocha (que, ao lado do jornalismo, se desdobra na direção dos primeiros filmes do Cinema Novo).

Na pesquisa que dá base ao livro Jussilene Santana ainda entrevistou inúmeros artistas e jornalistas que fizeram a cultura baiana no período, a exemplo dos atores Sonia Robatto, Yumara Rodrigues, Maria Silva, Wilson Mello, Manoel Lopes Pontes, Mario Gadelha, Roberto Assis, Harildo Déda e do jornalista Florisvaldo Mattos. Alguns deles em seus últimos depoimentos, como Nilda Spencer, Carlos Petrovich e Álvaro Guimarães, já falecidos. Vale a pena dar uma espiada nesse lançamento porque Jussilene Santana é simplesmente sinônimo de qualidade e competência em todo trabalho que realiza. Quem já a viu atuando nos palcos baianos sabe muito bem do que eu estou a falar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A nova UFBA?

A proposta do Salvador na sola do pé é fazer o leitor refletir sobre a realidade ao nosso redor. No que tange ao ensino superior, em 2008 foi implementado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) o projeto Universidade Nova. Se o que foi implementado é de fato novo, deixemos que a história julgue. Mas não é isso que vem ao caso no momento. Para criticar a chamada Universidade Nova é necessário conhecer suas propostas. Por essa razão, reproduzo abaixo a saudação de Ano Novo do Reitor da UFBA, Prof. Naomar Almeida Filho. Façamos uma reflexão a partir de suas palavras. Se a Universidade Nova é nova, de fato, ainda não é possível saber. Porém, que ela precisa ser nova, não resta a menor dúvida.

AOS COMPANHEIROS DA UFBA

A partir de um fato relevante, compartilhamos com vocês algumas reflexões sobre o que pode significar, para a nossa UFBA, o ano que há pouco se encerrou.

Em 2008, a Bahia recebeu a visita de alguns importantes intelectuais contemporâneos. Boaventura Sousa Santos, o celebrado sociólogo português; Alain Coulon, pioneiro dos estudos sobre reforma universitária na França; Angela Davis, militante e intelectual feminista norte-americana; Edgard Morin, filósofo da complexidade; Michel Maffesoli, crítico da pós-modernidade; Antonio Negri, cientista político autor de Império e Multidão. Tivemos a honra de recebê-los, em momentos distintos, na Reitoria da UFBA. Todos muito simpáticos e respeitosos.

Com motivações diversas, estavam interessados em conhecer o projeto Universidade Nova, movimento de renovação da educação superior brasileira que começou na Bahia. Foram informados que o projeto ganhou esse nome por reverência a movimentos de ruptura com o estabelecido, também iniciados por baianos, principalmente a Escola Nova de Anísio Teixeira, bem como Música Nova (Ernst Widmer), Cinema Novo (Glauber Rocha), Bossa Nova (João Gilberto), Geografia Nova (Milton Santos). E que, com apoio do governo federal, da comunidade universitária e da sociedade baiana, temos superado obstáculos e resistências de conservadores de toda ordem. Conversamos, sobretudo, sobre como realizamos duas fases importantes de implantação do projeto.

Na primeira fase, mesmo sem ter uma idéia clara da viabilidade política da proposta nem dos seus desdobramentos posteriores, lutamos para abrir as portas da instituição aos dela excluídos por décadas de elitismo e alienação. Para tanto, implantamos um programa de ações afirmativas que serviu de modelo para o projeto de lei que hoje tramita, em fase conclusiva, no Congresso Nacional. O sucesso do programa, que incluiu um regime de cotas para alunos de escola pública, com recorte étnico-racial, permitiu mudar o perfil do alunado da UFBA. Há cinco anos, 70 % dos estudantes da UFBA tinham concluído o ensino médio em escolas particulares; hoje, mais da metade são provenientes de escolas públicas. Não houve aumento de evasão nem queda da qualidade do ensino. Assim, por um lado, recuperamos algo da missão social da universidade, mas, por outro lado, assumimos enorme desafio: como efetivamente renovar a instituição educadora de modo a não nos tornarmos meros cooptadores de segmentos sociais antes marginalizados?

Na segunda fase, dedicamo-nos a ampliar oferta de vagas e reestruturar a arquitetura curricular da universidade, com vistas a implantar um sistema de ciclos, inicialmente articulados à formação convencional. O primeiro ciclo compreende uma modalidade nova de graduação, denominada Bacharelado Interdisciplinar, com formação geral em artes, humanidades, saúde e ciência & tecnologia. O segundo ciclo inclui cursos de formação profissional, aproveitando a formação específica do primeiro ciclo. O terceiro ciclo complementa a formação acadêmica e profissional com mestrados e doutorados integrados. Este ano, aumentamos a oferta de vagas no vestibular como nunca: de 4.200 para quase 7.000 vagas. Em 2008, realizamos concursos para 200 novos professores; em 2009, serão 300 concursos. Para viabilizar a recepção dos quase mil alunos de bacharelados interdisciplinares, inauguramos uma nova unidade acadêmica, o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos.

Fizemos ver aos visitantes que, de modos distintos, muito devíamos a cada um deles. Do ponto de vista epistemológico, a ênfase na interdisciplinaridade em nosso projeto revela clara inspiração na obra de Morin e Boaventura. A renovação nos processos formativos recupera Anísio Teixeira e Paulo Freire, incorporando perspectivas pós-culturalistas como as de Coulon e Maffesoli. A construção de rupturas políticas inevitáveis na construção do novo em cenários conservadores encontra respaldo nas análises críticas de Angela Davis e Negri.

Mas também confirmamos que precisávamos do apoio intelectual que eles representam para ousarmos entrar na fase 3, crucial para garantir sustentabilidade à renovação institucional. Esta fase implica enfrentar o desafio de tornar a instituição universitária um efetivo vetor de transformação social. Não basta crescer territorialmente acessível, socialmente inclusiva e pedagogicamente renovada. A maneira mais respeitosa de trazer a universidade para perto do povo é fazendo muito bem o que ela de fato sabe fazer. A universidade pública brasileira poderá colaborar para um projeto de nação quando se revelar academicamente competente e intelectualmente responsável podendo, dessa forma, internacionalizar-se com soberania.

Nesses termos, convidamos os ilustres intelectuais a compor um conselho consultivo internacional do projeto Universidade Nova, destinado a avaliar nossos progressos com rigor crítico e orientar-nos na ousadia da fase 3. Todos aceitaram, com tanto entusiasmo que ficamos intrigados. Morin e Coulon nos explicaram simplesmente, com sincera humildade, que esperam aprender com nossa experiência. Boaventura descreveu os nossos BIs como precursores de uma nova “ecologia dos saberes”.

Talvez quem nos permita melhor entender o significado de tão inesperado e comovente engajamento, mostrando porque a renovação da universidade é uma pauta política por eles valorizada e compartilhada, é Antonio Negri: “Estou convencido que é fundamental tentar sempre novas aberturas, como se aliar a setores da produtivos, como a indústria, diante do que é o parasitismo do sistema financeiro. Só que hoje existe uma outra abertura que precisa existir: a abertura às forças do conhecimento. Não podemos subestimar as forças do conhecimento. Esse é um fato estratégico do desenvolvimento econômico mundial. Pode parecer realista demais, mas não é. Ao contrário, é alta a necessidade de articular projetos sociais com a produção intelectual. O que está acontecendo no século pós-socialista: o trabalho está ficando cada vez menos industrial. Os capitalistas, através das técnicas neoliberais, mobilizaram socialmente a produção. Colocaram a sociedade no trabalho. E são os intelectuais que dão valor à produção. Impõem a possibilidade de mudanças industriais, formam novas elites. O trabalho intelectual é um elemento fundamental que não exclui o capitalismo (por isto que o poder neoliberal se articula). Então é necessário se abrir à força do conhecimento para compor uma novo acúmulo de forças, para produzir novas resistências. Entrar nesse terreno é produzir uma ética do comum. Muitos amigos me indagam dizendo: 'Nossa, mas você não vê quanto miséria tem aqui do seu lado'. É um discurso que dá entender que o trabalho imaterial é algo utópico frente à realidade de miséria. Mas é o contrário. Só esse setor (o intelectual) renova a sociedade e expulsa essa miséria. Não adianta: a aliança com a indústria não vai fazer voltar o pleno emprego. Agora para produzir trabalho intelectual, imaterial, é preciso ser livre. Por isto que o capitalismo bota limite à liberdade hoje, coloca a não-expressão. E a liberdade do trabalho intelectual pode vencer o capitalismo. É necessário organizar o precariado, que são todas as pessoas que trabalham fora da relação salarial, como os trabalhadores dos serviços, dos serviços industriais, os imigrantes, os informáticos etc. Essas são massas que estão se tornando as maiorias. Não é à toa que na França foram às ruas contra os sindicatos. É porque o sindicato ainda sustenta que o emprego é a única solução. E o precariado produz fora da relação salarial, produz na circulação social. Por isso que projetos como a renda universal e a política de cotas se tornam centrais: não é um prêmio, é a base para mobilizar toda a sociedade” (A riqueza dos pobres. Conferência de Nova Iguaçu, em23/10/2005. Disponível em: http://fabiomalini.wordpress.com/2005/10/23/esquerda-abra-se-ao-precariado/).

Precisamos refletir sobre tudo o que aconteceu nesse ano de 2008, quatro décadas da revolução universitária do Maio de 68, duas décadas da Constituição de 88, bicentenário da UFBA, ano 1 da Universidade Nova. Pensemos sobre o significado deste projeto, que vem sendo construído com inédito grau de consenso e motivação da nossa comunidade acadêmica, culminando com as honrosas visitas registradas neste texto. Será que o interesse, engajamento e vínculo desses prestigiosos intelectuais são sinais de que temos, a partir da universidade, de novo, uma avant-garde na Bahia? Em 1958, nossa universidade teria representado uma vanguarda cultural e artística, rompendo as fronteira da velha província, conforme o registro riseriano. Começando em 2008, a renovação da universidade pode significar uma superação dessa metáfora militar e elitista, nos seus dois sentidos, tanto da noção leninista de vanguarda política de umproletariado mítico quanto de uma nostálgica avant-garde erudita, mas colonizada.

Em suma, a maior contribuição que a UFBA (e qualquer universidade) pode dar ao projeto de transformação política da sociedade brasileira, tornando-a mais justa, humana e solidária, será afirmar-se como uma excelente universidade.

Com votos de Feliz Ano Novo, pleno de realizações, paz e saúde, apresentamos nossas saudações universitárias.
Naomar de Almeida Filho, Reitor da Universidade Federal da Bahia.
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Imagem: Brasão da Universidade Federal da Bahia

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Quem é vivo sempre aparece. E quem é morto?

Você se lembra de mim? Eu nunca vi você tão só. Oh, meu amor. Oh, meu xodó, minha Bahia. ACM, meu amor, quem gosta da Bahia quer”. Acordei hoje com esse antigo jingle de uma das campanhas do Antônio Carlos Magalhães na mente. O curioso é que depois de muito matutar, não conseguia entender a razão de esta música estar a ressoar na minha cabeça insistentemente. Não era uma canção lindamente cantada pela Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Fernanda Takai ou pelo Ney Matogrosso ou Orlando Silva. Era um jingle enaltecendo o ACM. Estaria eu sendo acometido por uma espécie de surto com alto potencial de destruição da saúde mental? Preocupei-me. Pensei em ligar para uma amiga psicóloga quando me ocorreu um estalo. Eureka!

Não estava a acontecer comigo nenhum fenômeno de natureza patológica. Tratava-se, isto sim, de algo semelhante ao que a psicologia denomina de restos diurnos no caso da formação dos sonhos. Por vezes, nossos sonhos resultam de experiências sonoras, visuais, olfativas, entre outras, que vivenciamos durante o dia e, de alguma maneira, tais experiências aparecem nos nossos sonhos ao longo da noite. No meu caso especificamente não se tratavam de restos diurnos, mas sim noturnos. Explico.

Na noite anterior eu havia assistido na TV ao filme O retorno da Múmia (The Mummy returns, 2001), dirigido por Stephen Sommers, com o Brendan Fraser no papel do destemido herói Rick O’Connor. Não é um dos melhores filmes que já vi. Sequer é melhor que o anterior A Múmia (The Mummy, 1999), do mesmo diretor. Mas é um bom filme para curtir num final de domingo durante as férias. Só não imaginava que ao longo do dia seguinte ele me impressionaria a ponto de me fazer temer o retorno de múmias malvadas ao mundo dos vivos. Temo que algumas múmias retornem para aterrorizar nossa paz, especialmente a paz de nós baianos. Estou a falar, precisamente, daquele cujo nome não deveríamos pronunciar. Tenho medo, muito medo, do retorno do ACM. Pronto, disse. Seja o que Deus quiser. Mas que bobagem! Do que estou a falar?! Quanta sandice! Se, por acaso, isso de fato acontecer, a gente chama o Rick O’Connor para nos socorrer. E viva ao Senhor do Bonfim! (por Sílvio Benevides)
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Imagem: desenho do cartaz de divulgação do filme O retorno da Múmia

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Folia de Reis

Vinde abrir a vossa porta, se quereis ouvir cantar; acordai se estais dormindo, que vos viemos festejar”. Versos como esses caracterizam uma das mais belas e populares tradições dos festejos natalinos. Refiro-me à Folia de Reis, quando o povo sai às ruas para celebrar o nascimento do Menino Jesus no dia consagrado aos Santos Reis, Baltazar, Melchior e Gaspar.

A tradição da Folia de Reis ou dos Ternos de Reis é um dos momentos mais bonitos do Natal. Primeiro por se tratar de uma manifestação popular oriunda de Portugal e que chegou ao Brasil ainda nos primórdios da sua formação sócio-cultural, o que significa dizer que a Folia de Reis é uma manifestação intrínseca à nossa identidade, ao menos de muitos brasileiros de Norte a Sul do país, desde o tempo em que éramos uma colônia portuguesa. Segundo, o próprio nome do festejo já revela a sua imensa beleza: FOLIA. Nessa folia o Menino Jesus é reverenciado com animação e alegria, afinal, como já enfatizou o Johann Sebastian Bach, Jesus é a alegria dos homens, pois ele é o salvador do mundo de acordo com a tradição cristã. Nada de pompas restritas aos iniciados e por isso mesmo repletas de códigos sofisticados e insossos, que os metidos a besta, aqueles que se arvoram guardiões das coisas divinas, impõem como a maneira correta de reverenciar o sagrado. Na Folia de Reis o povo, aquela parte da população cujo único bem que possui é sua força de trabalho, comanda a festa. Por isso ela tem um ar de espontaneidade e leveza contagiantes. Ademais, ela promove a união, uma vez que vizinhos, amigos, parentes, conhecidos, ao menos nas pequenas cidades, se visitam com o único propósito de honrar os Santos Reis e o Menino Jesus. Por fim, em festejos como a Folia de Reis não se reverencia a dor e o sofrimento, pois estes aprisionam a alma até matá-la. Reverencia-se, isto sim, a alegria de o verbo se ter feito carne e sangue para nos mostrar o caminho da luz. Luz que dá vida e liberta. Essa é a mensagem da Folia de Reis: Alegrai-vos! O salvador do mundo nasceu!
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Na cidade do Salvador, assim como em muitas cidades baianas e brasileiras, a Folia de Reis se mantém viva e pulsante. A despeito das dificuldades encontradas pelos Ternos e Ranchos para continuarem desfilando, a tradição permanece firme, atualmente levada a cabo por homens e mulheres idosos, já que as gerações mais jovens demonstram pouco ou nenhum interesse por essa manifestação popular. Estamos a viver tempos de consumismo exacerbado. Portanto, nada de condenar os mais jovens por não se interessarem por suas tradições. Na capital baiana, o coração da folia é o Largo da Lapinha, no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, bem no início da Rua Lima e Silva, principal logradouro do bairro da Liberdade. De acordo com Hildegardes Vianna, “a Noite de Reis e Lapinha são quase sinônimos para o povo. É ali que os ternos e ranchos se apresentam na noite de 5 para 6 de janeiro, desde quando não se sabe ao certo. Os ternos e ranchos simulam uma marcha de pastores para o Oriente em busca do lugar onde nasceu o Messias. Tem por finalidade a Adoração. Embora pareçam simples, exigem uma organização mais ou menos complexa. Entre os elementos já consagrados pela tradição, encontramos, além dos magos e pastoras, anjos, samaritanas, ciganas, saloias, porta-cajados e um mundo de personagens nem sempre facilmente identificáveis. A porta-estandarte tem a responsabilidade de fazer a adoração perante o presépio, com o pavilhão abaixado em sinal de humildade” (Revista da Bahia nº 38). Assim é a Festa de Reis, onde o Menino Jesus se encontra com a gente entre a qual escolheu nascer, ser e estar ao longo de toda a sua vida (por Sílvio Benevides).
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Foto: Agenor Godim